Obra avança sem consulta prévia a quilombo no Pará, diz liderança


Por: Fabyo Cruz

28 de julho de 2025
Obra avança sem consulta prévia a quilombo no Pará, diz liderança
Vanuza do Abacatal participou do evento Global Citizen NOW: Amazônia, realizado no dia 24 de julho, em Belém (Pedro Vilela/Getty Images for Global Citizen)

BELÉM (PA) – A construção da Avenida Liberdade, obra de mobilidade urbana executada pelo Governo do Pará, tem gerado preocupação entre os habitantes do Quilombo do Abacatal, na Região Metropolitana de Belém (RMB). O projeto, que prevê uma via expressa de 13,3 quilômetros entre a Universidade Federal do Pará (UFPA) e a Alça Viária, está sendo construído a cerca de 1 quilômetro da comunidade quilombola, sem que o Estado tenha realizado a consulta prévia, livre e informada prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), segundo afirma a liderança espiritual da comunidade, Vanuza Cardoso.

“Diálogo houve, a gente tenta conversar, mas o Estado é muito resistente a fazer a consulta prévia e a nível informada de acordo com a Convenção 169. Isso é um entrave para a nossa conversa”, afirmou Vanuza do Abacatal, como é conhecida, em entrevista à CENARIUM durante o evento “Global Citizen NOW: Amazônia”, realizado no dia 24 de julho, na Estação das Docas, em Belém.

Coordenadora de Políticas de Igualdade Racial, no município de Ananindeua, e defensora dos direitos humanos, Vanuza destaca que os impactos da obra se somam a outros grandes empreendimentos que pressionam o território.

“A Amazônia é muito além de um espaço de floresta, mas para nós que vivemos nessa floresta, a confluência de viver, de interagir com essa natureza é diferente da visão de investidores, de empresários, de quem vê a terra pelo capital”, disse. “O desafio para viver na Amazônia é mostrar que, para além dessa floresta que as pessoas idealizam, tem pessoas, tem vidas, e a gente precisa defender essas vidas”, completou.

Vanuza do Abacatal afirma que grandes empreendimentos pressionam o território (Pedro Vilela/Getty Images for Global Citizen)
Resistência

Com 315 anos de história, o Quilombo do Abacatal foi o terceiro território quilombola titulado no Brasil após a promulgação da Constituição de 1988. Localizado em uma área considerada periurbana, o território convive com a crescente urbanização do entorno, além da instalação de empreendimentos. “O Abacatal está numa zona de sacrifício, dentro da Região Metropolitana. Resistir a tudo isso é muito difícil e, para nós, é muito caro”, afirmou Vanuza.

A liderança afirma ainda que a resistência do Abacatal é também uma luta pela memória e pela ancestralidade, destacando que as pessoas que moram em outras localidades não têm a mesma compreensão nem o mesmo respeito que a comunidade quilombola tem pela sua terra, história, cultura e pelo espaço cosmológico como um todo.

Via chamada de “Caminho das Pedras”, no Quilombo do Abacatal (Foto: Fabyo Cruz/CENARIUM)

Por isso, segundo ela, é necessário continuar denunciando, resistindo e exigindo o direito de existir. Vanuza reforça que a luta do quilombo não é contra o progresso em si, mas contra a forma como o Estado impõe esse conceito. Para ela, os impactos são diretos e acumulativos: “Não se trata apenas da Avenida, mas de um conjunto de empreendimentos que vão segregar elementos fundamentais da vida de várias gerações da comunidade”.

Inauguração antes da COP30

As obras da Avenida Liberdade são coordenadas pela Secretaria de Estado de Infraestrutura e Logística (Seinfra) e, de acordo com o governo estadual, deve ser entregue até o fim de outubro deste ano, antes da realização da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), agendada para novembro, na capital paraense.

O governador do Pará, Helder Barbalho, durante visita às obras da Avenida Liberdade, em 2024 (Pedro Guerreiro/ Agência Pará)

Conforme as informações divulgadas pelo Estado, a via contará com duas faixas de tráfego em cada sentido, ciclovia com pavimento ecológico, iluminação solar, sistema de videomonitoramento, além de seis obras entre viadutos e pontes. O Governo do Pará afirma que o projeto não prevê remoção de moradores e que a construção ocorre em uma faixa já impactada por uma linha de transmissão de energia elétrica que atravessa a região.

Ação da Defensoria

A construção da Avenida Liberdade é alvo de uma ação civil pública movida pela Defensoria Pública do Estado (DPE-PA) por conta dos impactos causados à comunidade tradicional Nossa Senhora dos Navegantes, localizada na Área de Proteção Ambiental (APA) Belém. A Defensoria alega que as obras foram realizadas sem consulta prévia, livre e informada, violando a Convenção 169 da OIT, e causaram danos ambientais e socioeconômicos, como a perda de áreas de extrativismo de açaí, supressão de vegetação e ameaça à segurança alimentar das famílias ribeirinhas.

A ação, que tem como requeridos o Estado, o Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Pará (Ideflor-Bio) e a empresa Terra Meio Ambiente, cobra indenização, reparação ambiental e cumprimento de condicionantes, como passagens seguras para os moradores. Com cerca de 250 famílias, a comunidade teve seu modo de vida tradicional ameaçado, enquanto a destruição ambiental já gerou mais de 2.200 toneladas de CO₂, diz o documento. A Defensoria também aponta riscos de especulação imobiliária e cobra medidas urgentes para evitar danos irreversíveis.

Resposta

A CENARIUM solicitou posicionamento do Governo do Pará sobre a declaração relacionada à ausência de consulta prévia, livre e informada, conforme previsto na Convenção 169 da OIT. Leia abaixo, na íntegra, a nota enviada à reportagem:

“A Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) informa que a obra da Avenida Liberdade possui licença ambiental concedida após rigoroso processo de licenciamento, com acompanhamento técnico contínuo para controle de impactos. A iniciativa foi debatida em audiências públicas com ampla participação da população e de representantes de comunidades tradicionais. Os estudos exigidos — incluindo o Estudo do Componente Quilombola e o Plano Básico Quilombola — foram aprovados pelos conselhos gestores da APA Belém e do Parque Estadual do Utinga. Ao todo, 57 condicionantes foram estabelecidas e estão sendo monitoradas pelo órgão ambiental.

A Secretaria de Infraestrutura e Logística (Seinfra) informa que o projeto foi iniciado em 2020, antes mesmo da escolha de Belém como sede da COP 30. A obra está sendo executada em área já modificada pela ação humana, seguindo o traçado de um linhão de energia existente, onde a vegetação foi anteriormente suprimida. O processo de indenização está em andamento, conforme previsto nas condicionantes ambientais, com tratativas em curso para análise individual dos casos.

A obra vai melhorar a mobilidade urbana para cerca de 2 milhões de pessoas, com redução no tempo de deslocamento e mais qualidade de vida. Isso representa 17,7 mil toneladas a menos de CO₂ por ano com a redução do uso de combustíveis fósseis.

Como parte das diretrizes ambientais previstas, estão sendo implementadas soluções de sustentabilidade na infraestrutura da via, incluindo ciclovia, sistema de iluminação com energia solar e 34 passagens de fauna, destinadas a preservar o deslocamento seguro da biodiversidade local”.

Leia mais: Quilombo do Abacatal luta por direitos e políticas públicas no Pará
Editado por Adrisa De Góes

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