Obra viária em Belém altera ecossistemas de 12 rios e córregos


Por: Fabyo Cruz

26 de dezembro de 2024
A Avenida Liberdade está com 20% das obras concluídas e entrega prevista para novembro de 2025 (Pedro Guerreiro/Agência Pará)
A Avenida Liberdade está com 20% das obras concluídas e entrega prevista para novembro de 2025 (Pedro Guerreiro/Agência Pará)

BELÉM (PA) – A construção da Avenida Liberdade, projetada pelo Governo do Pará com objetivo de melhorar a mobilidade urbana na Região Metropolitana de Belém (RMB), atravessa 12 corpos d’água das bacias do Murutucu, Aurá e Pau Grande, conforme o Relatório de Impacto Ambiental da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas). Enquanto as obras avançam – com 20% concluídos e entrega prevista para novembro de 2025 – especialistas chamam atenção para os impactos ambientais e sociais.

À CENARIUM, Valdinei Silva, professor do Instituto Federal do Pará (IFPA) e vice-presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes-PA), destaca que a obra representa um desafio significativo para o equilíbrio entre desenvolvimento e sustentabilidade.

“Toda e qualquer intervenção no ambiente gera impacto. Isso é fato. A questão é: qual a intensidade desse impacto e como ele pode ser mitigado?” questiona Valdinei. Ele explica que os estudos ambientais identificaram pontos de cruzamento da rodovia com cursos d’água, sendo 12 naturais e uma adutora que transporta água do rio Guamá para os lagos que abastecem Belém.

Doze cursos d’água interceptados pelo traçado da Avenida Liberdade (Reprodução/Instagram @obasicodosaneamento)

Segundo ele, os estudos disponíveis mostram um aumento do carreamento de sólidos nos cursos d’água já na fase inicial, causada pelo desmatamento. “Quando você retira a vegetação, o impacto é imediato. Isso aumenta a concentração de sólidos e a possibilidade de contaminação, tanto durante a obra quanto após a conclusão”, explicou.

Qualidade da água em risco

Dados do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) apontam que o Índice de Qualidade da Água (IQA) em algumas áreas já é prejudicado por atividades como a agropecuária e pela influência do lixão do Aurá. No entanto, a água subterrânea permanece dentro dos padrões de consumo humano.

“A população precisa entender que qualquer intervenção na malha hídrica de Belém tem consequências. É impossível construir infraestrutura aqui sem afetar rios, igarapés ou córregos. Mas o monitoramento e as compensações ambientais devem ser prioridades”, afirma o professor.

Controle social

Valdinei chama atenção para a falta de participação ativa das comunidades diretamente impactadas. “Se a população estivesse devidamente orientada e capacitada para acompanhar os impactos, muitos problemas poderiam ser evitados. Mas há um desequilíbrio no processo: de um lado, consultorias técnicas bem remuneradas; do outro, moradores sem recursos ou apoio para fiscalizar”.

Valdinei Silva discursando durante evento da Abes-PA (Reprodução/Abes-PA)

Ele explica que, na prática, o controle social efetivo pode atrasar cronogramas, o que gera resistência. “Quando a população percebe o impacto – com máquinas derrubando árvores ou rios sendo assoreados – já é tarde demais. Esse acompanhamento deveria começar desde o planejamento”.

Dois lados do projeto

A Avenida Liberdade, com 13,3 quilômetros, terá duas faixas de tráfego em cada sentido, ciclovias ecológicas, iluminação por energia solar e seis viadutos e pontes. Mas Valdinei alerta: “Impacto pode ser positivo ou negativo. Ajuda a mobilidade urbana? Sim. Mas a que custo ambiental e social? Essas são as perguntas que precisamos fazer”.

Ele também reforça a necessidade de acompanhamento contínuo: “O impacto real só será percebido com o monitoramento. É um compromisso que deve ser assumido pelo governo e por toda a sociedade”.

Para Valdinei, o principal aprendizado é a necessidade de integrar planejamento técnico, fiscalização ambiental e participação comunitária: “Os estudos de impacto ambiental devem ser usados para minimizar danos. Não podemos ignorar que as águas e as florestas impactadas são essenciais para a vida em Belém”.

A CENARIUM solicitou um posicionamento à Semas sobre quais ações estão sendo feitas para minimizar os danos. Leia abaixo na íntegra a nota enviada pela pasta:

“A Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade informa que realiza o controle dos potenciais impactos ambientais por meio de vistorias frequentes na área do projeto e relatórios ambientais detalhados. Todas as ações de mitigação dos impactos nos corpos d’água e nas áreas direta e indiretamente afetadas, estão previstas no Plano de Controle Ambiental. Além disso, a Semas mantém um diálogo ativo com as comunidades do entorno do projeto”.

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