Ofensiva da PF contra garimpo ilegal no Rio Madeira transforma Amazônia em cenário de guerra


Por: Jadson Lima e Paula Litaiff

10 de outubro de 2025
Ofensiva da PF contra garimpo ilegal no Rio Madeira transforma Amazônia em cenário de guerra
Ação da PF no Rio Madeira, no sul do Amazonas, atendeu a uma determinação da Justiça Federal (Reprodução/PF)

MANAUS (AM) – Moradores de dois municípios do sul do Amazonas acordaram em 15 de setembro de 2025 com o som de helicópteros cortando o céu e explosões ecoando sobre o Rio Madeira. Era o início da Operação Boiúna, a primeira coordenada pelo Centro de Cooperação Policial Internacional da Amazônia (CCPI Amazônia) após a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à sede da instituição coordenada pela Polícia Federal (PF) em Manaus (AM). Agentes da Força Nacional dispararam tiros de balas de borracha, enquanto garimpeiros que se aglomeravam lançaram foguetes em direção à tropa.

Cumprida por ordem da Justiça Federal, a ação mirava o garimpo ilegal e os danos socioambientais causados pela extração irregular de ouro na região. A operação foi registrada 58 dias após a Organização Não Governamental (ONG) Greenpeace apontar a retomada com força da dragagem do leito do rio em busca de minério e registrar mais de 500 balsas posicionadas entre os municípios de Humaitá e Manicoré, localizados a 347 e 590 quilômetros da capital amazonense, respectivamente.

Sobrevoo flagrou paredão com 543 balsas de garimpo ilegal no Rio Madeira (Marizilda Cruppe/Greenpeace)

Nas primeiras horas daquela segunda-feira, agentes da Polícia Federal (PF) transportaram explosivos até o Porto de Humaitá (AM) e, às margens do Rio Madeira, lançaram explosivos nas dragas e destruíram as embarcações que dragavam o leito do rio em busca de ouro. A orla foi isolada pela Força Nacional, que também empregou aeronaves durante a mobilização. Além da PF, outros órgãos integraram a operação.

A ação ocorreu uma semana depois de o Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitar um pedido da Defensoria Pública do Amazonas (DPE) para vedar o uso de explosivos na destruição das balsas. O ministro Francisco Falcão entendeu não haver, naquele momento, provas suficientes de ilegalidade ou de abuso nas ações do Ministério da Justiça e da PF, autorizando a continuidade da operação.

Explosão de dragas usadas no garimpo ilegal (Reprodução/Redes Sociais)

Gravações mostram o início das detonações. De acordo com a PF, 71 dragas foram dinamitadas em poucas horas, segundo levantamento atualizado até as 12h05 daquele dia. A sequência de operações, que se estendeu entre 15 e 24 de setembro, resultou na inutilização de mais de 277 embarcações irregulares, de acordo com relatórios oficiais. Outros registros audiovisuais captaram a reação dos moradores: assustados, curiosos e incrédulos diante das explosões.

A PF informou em nota que a operação causou prejuízos estimados em R$ 38 milhões às organizações criminosas que exploravam a região, com base em laudos periciais. Segundo a corporação, o cálculo considera a destruição do patrimônio, o valor do ouro extraído ilegalmente nos últimos sete meses, os danos socioambientais acumulados e os lucros cessantes decorrentes da interrupção da atividade irregular.

Enquanto as balsas eram consumidas pelo fogo em Humaitá, moradores que acompanhavam a operação na zona portuária foram surpreendidos por um helicóptero que sobrevoou a baixa altitude, levantando uma densa nuvem de areia. Vídeos mostram ainda uma criança correndo para escapar da poeira que se espalhou pela orla, e veículos e moradores no local

Não foi a primeira vez que a cidade do Amazonas registrou tensão entre agentes federais e moradores da região, muitos ligados à atividade irregular de extração de minérios de um dos principais afluentes do Rio Amazonas. Veja momento em que agentes disparam em 15 de setembro:

Em maio deste ano, áudios vazados, atribuídos a garimpeiros, incitavam os envolvidos nas atividades ilegais a desafiar agentes da PF e do Ibama. Nas mensagens de voz, os suspeitos chegam a dizer que era “hora de meter bala” nos policiais. “Está na hora de meter bala nesses [agentes] arrombados”, diz um deles. “Agora está na hora de pegar eles no lado, solta o foguete e arrebenta eles aí, [todos] estão na cidade”, comenta outro homem.

De acordo com a PF, na época, os materiais apreendidos durante as diligências seriam analisados no âmbito das investigações em curso para embasar novas representações, além de identificar os “líderes e financiadores da atividade ilícita, bem como suas conexões com o crime organizado”. Naquela ação, os agentes destruíram 25 dragas, equipamentos usados nas atividades de garimpo ilegal, além de mercúrio.

À CENARIUM, um morador de Humaitá, que preferiu não se identificar na época, afirmou que os garimpeiros se voltaram contra o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e atribuíram à atual gestão a destruição dos equipamentos usados nas atividades ilegais. Em um vídeo, um homem afirma que “política é só quatro anos” e diz que Lula “pagará” pelas ações de fiscalização na região.

Novo Aripuanã

A operação ocorreu também no porto de Novo Aripuanã, onde as embarcações irregulares foram detonadas no dia em que se comemora a padroeira do município localizado a 332 quilômetros de Manaus, Nossa Senhora das Dores. O posicionamento, publicado no perfil institucional da prefeitura em uma rede social, acusa os agentes de terem promovido a “queima ilegal” de balsas de extrativistas minerais familiares ancoradas no porto da cidade.

A declaração pode incidir no crime previsto no Art. 286 do Código Penal, que trata de incitação ao crime. “Para que o crime seja caracterizado é necessário que o incentivo seja feito de forma pública e direcionado a pessoas indeterminadas”, segundo o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios.

A nota, assinada pela administração de Lúcio Flávio (PSD) e pelo legislativo municipal, que tem como presidente o vereador Yuri Reis (PSD), prestou solidariedade e pediu respeito aos direitos dos extrativistas minerais artesanais. O texto conclui defendendo “caminhos de diálogo e compreensão para que episódios como este não se repitam”.

Visita à comunidade

A operação da PF incluiu medidas de caráter social e ambiental. Em 18 de setembro, equipes da instituição estiveram na comunidade ribeirinha de Democracia, em Manicoré, com apoio do Ministério do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho.

Agentes da PF a caminho da comunidade Democracia, no Amazonas (Reprodução/PF)

Durante a ação, foram coletadas amostras de cabelo, água e material biológico para análise dos efeitos do mercúrio sobre a saúde das populações expostas. Os resultados dos estudos serão divulgados após a conclusão das análises.

Combate à organizações criminosas na Amazônia

A Operação Boiúna foi deflagrada seis dias após a inauguração, em 9 de setembro deste ano, do espaço reúne representantes de nove Estados da Amazônia Legal e de países sul-americanos que compartilham fronteiras na região. O objetivo do programa é ampliar a coordenação entre forças de segurança no enfrentamento de crimes transnacionais, como tráfico de drogas, contrabando, garimpo ilegal e lavagem de dinheiro. O centro é parte do Plano Amazônia: Segurança e Soberania (AMAS), criado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública em 2023, com financiamento do Fundo Amazônia.

A Polícia Federal é responsável pela coordenação técnica do CCPI, articulando operações conjuntas com as forças policiais parceiras. Na inauguração, o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, afirmou que o novo centro permitirá a troca de informações em tempo real e o planejamento integrado de ações nas fronteiras. O órgão também ampliou sua rede de adidâncias internacionais, passando a ter representação em todos os países da América do Sul, com o objetivo de fortalecer a cooperação contra crimes que ultrapassam limites territoriais.

CCPI Amazônia iniciou as atividades em 17 de junho de 2025, com a presença do ministro Ricardo Lewandowski (Ricardo Oliveira/CENARIUM)

Durante a inauguração, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro da Justiça Ricardo Lewandowski e autoridades de países vizinhos participaram da cerimônia. Lula destacou que o CCPI Amazônia consolida os compromissos assumidos na Carta de Belém e integra a estratégia de segurança pública e proteção ambiental na região. O ministro Lewandowski afirmou que a presença do centro em Manaus reforça a atuação do Estado na Amazônia e formaliza a cooperação internacional para reduzir a criminalidade nas áreas de fronteira.

Paredão de balsas 

Em julho deste ano, a Organização Greenpeace Brasil apontou a retoma do garimpo ilegal na região, quando imagens flagraram 542 balsas operando ao longo de 22 pontos entre Calama, em Rondonia, e Novo Apuranã no Amazonas, em um dos maiores afluentes do Rio Amazonas. 

“As imagens aéreas flagraram alguns ‘paredões’ de balsas, que dragam o fundo do rio em busca de ouro, a maioria delas próximas a áreas protegidas, como a Reserva Extrativista Lago do Cuniã, Terra Indígena Lago Jauari e Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Madeira. Todas as balsas identificadas são consideradas ilegais, uma vez que as licenças anteriormente emitidas foram suspensas por decisão judicial”, disse a ONG.

PF destruiu 277 balsas no Rio Madeira, no Amazonas e em Rondônia (Reprodução/PF)

Na época, Grégor Daflon, porta-voz da Frente de Povos Indígenas do Greenpeace Brasil, afirmou que “cada balsa ilegal significa mercúrio nos rios, florestas destruídas e vidas ameaçadas”. “Estamos falando de uma atividade criminosa que não apenas devasta o meio ambiente, mas também deteriora a qualidade da água e contamina os peixes da região, impactando diretamente as comunidades, rurais e urbanas, que dependem desses recursos”, declarou. 

Cooperação entre organização e autoridades

O flagrante das dragas foi possível a partir do trabalho de validação dos alertas gerados por uma nova atualização do Papa Alpha, sistema de monitoramento desenvolvido pelo Greenpeace Brasil. “Utilizando imagens de radar do satélite Sentinel-1, da Agência Espacial Europeia, o sistema é capaz de identificar estruturas metálicas de balsas, mesmo sob densa cobertura de nuvens, e gerar alertas quase em tempo real sobre atividades suspeitas de garimpo na região amazônica”, disse o Greenpeace. 

A tecnologia por trás dessa inovação é fruto da adaptação de um código originalmente usado para detectar derramamentos de óleo no mar. A equipe de pesquisa do Greenpeace reconfigurou a ferramenta, antes voltada à navegação oceânica, para outro propósito urgente na proteção dos ecossistemas. Grégor Daflon defendeu o uso de tecnologia para combater as atividades em regiões remotas e de difícil acesso, como o Rio Madeira. 

“Com o uso da nova tecnologia, essas estruturas não conseguem mais se esconder. Sabemos onde estão, quando chegam e como se movem. É um passo decisivo para responsabilizar os culpados e pressionar as autoridades por uma resposta à altura da destruição que está em curso”, destacou.

A Polícia Federal realizou a operação que destruiu mais de 270 dragas no sul do Amazonas com base em informações obtidas pela tecnologia de monitoramento por satélite. Segundo a corporação, o “levantamento do Greenpeace Brasil identificou mais de 500 balsas de garimpo ilegal em atividade no Rio Madeira, incluindo áreas próximas a unidades de conservação e terras indígenas”. A PF informou que “continuará promovendo ações permanentes de combate ao avanço das atividades ilegais na região”.

Leia mais: Satélite flagra 130 balsas no AM e aponta retomada do garimpo ilegal
Editado por Adrisa De Góes

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