ONG denuncia uso ‘indevido’ de recursos do clima por secretário de Rondônia


Por: Camila Pinheiro

04 de novembro de 2024
ONG denuncia uso ‘indevido’ de recursos do clima por secretário de Rondônia
O secretário do Meio Ambiente de Rondônia e Edjales Benício, da ONG Kanindé (Composição: Paulo Dutra/CENARIUM)

PORTO VELHO (RO) – A Organização Não Governamental (ONG) Kanindé denunciou à CENARIUM o uso indevido de recursos do Fundo de Governança Climática e Serviços Ambientais (Funclima) para custear as viagens internacionais do Secretário Estadual de Desenvolvimento Ambiental, Marco Antônio Lagos. A CENARIUM solicitou nota do Governo de Rondônia e aguarda retorno.

De acordo com a ONG, os recursos do Funclima deveriam ser integralmente destinados a projetos de preservação e mitigação ambiental em Rondônia, uma vez que o Estado enfrenta desafios ecológicos, como a crise hídrica e a alta taxa de desmatamento.

A organização aponta que a utilização dos fundos para despesas de viagem desvia o foco do fundo de seu propósito original, prejudicando a aplicação de ações que beneficiem diretamente as comunidades locais e o meio ambiente.

Edjales Benício, gestor ambiental da Organização não Governamental Kanindé critica as últimas medidas do governo do Estado em relação a agenda ambiental: “Agora ficou claro o porquê das alterações de forma repetida da política de governança climática por meio de um pedido de superávit, que altera toda uma legislação para que os secretários possam fazer viagens internacionais com o Fundo do Clima, cujos recursos tem a finalidade de combater os efeitos das mudanças climáticas “, disse à CENARIUM.

A denúncia da ONG e pessoas ligadas à causa é de que o secretário tem utilizado recursos repassados pela Permian Brasil, subsidiária da Permian Global, que desenvolve projetos de conservação ambiental. A empresa faz parceria com governos, órgãos públicos, comunidades, organizações da sociedade civil e iniciativa privada. Outro ponto é o fato de não haver consultas ao Funclima quanto às viagens do secretário.

Fontes ligadas à Permian Brasil afirmaram à CENARIUM, em condição de anonimato, que o contrato prevê o repasse de recursos para a manutenção da Reserva Extrativista Rio Cautário, localizada nos municípios de Nova Mamoré e Guajará-Mirim. O contrato firmado com o Governo de Rondônia prevê um auxílio de R$ 1.524,79 para cada uma das 95 famílias.

A fonte esclareceu as circunstâncias do contrato: “A Permian destina um auxílio mensal às famílias que trabalham e contribuem para a manutenção da floresta na reserva. O proposito é que o recurso seja utilizado para conservação das áreas protegidas. Em geral, quem define como o dinheiro é utilizado é o governo, não a instituição“.

A ONG ainda reivindica transparência na gestão dos recursos públicos e pede auditorias para assegurar que o Funclima seja usado exclusivamente para ações que promovam a sustentabilidade e a proteção ambiental no Estado.

Viagens Internacionais do secretário

A primeira viagem do secretário foi para a 16ª Conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade, realizada na Colômbia de 21 a 29 de outubro, com diárias que totalizaram R$ 29.840,07, todas custeadas pelo Funclima.

Esta conferência, voltada para discussões ambientais globais, não teve uma agenda pública divulgada, e os temas abordados não foram apresentados ao Fórum Estadual de Mudanças Climáticas, órgão que deveria supervisionar tais iniciativas.

A próxima viagem programada é para a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP29), que ocorrerá de 11 a 22 de novembro em Baku, no Azerbaijão. A agenda de viagem, porém, estende-se de 8 a 24 de novembro, cinco dias além do período oficial da COP29, e até o momento, nenhuma justificativa para essa extensão foi apresentada. Veja documento:

Assim como na primeira viagem, não houve consulta ao Fórum Estadual de Mudanças Climáticas nem qualquer divulgação prévia das atividades do secretário.

Gastos e falta de transparência

A decisão de manter em sigilo informações sobre essas viagens segue o decreto de fevereiro deste ano, levantando suspeitas quanto à legalidade da medida, uma vez que a Lei 3166/2013 permite sigilo em viagens oficiais apenas em casos de risco à segurança do governador ou do vice-governador.

A nova medida também blinda informações sobre viagens financiadas com recursos públicos, incluindo aquelas voltadas a causas ambientais. Com o sigilo estabelecido, cidadãos interessados nos detalhes terão que esperar cinco anos para acessar informações sobre a viagem.

Até o momento, nenhuma justificativa de segurança foi apresentada, o que sugere que o sigilo possa estar sendo utilizado para evitar questionamentos públicos sobre a real eficácia e necessidade dessas viagens, especialmente em um momento de crise ambiental.

O advogado e especialista em Administração Pública Vinicius Valentin Raduan Miguel, professor da Universidade Federal de Rondônia (Unir) e membro do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, fez críticas ao sigilo imposto sobre viagens internacionais custeadas com recursos públicos. Miguel, que também é doutor em Ciência Política, abordou a necessidade de transparência e controle social em ações que envolvem tanto o meio ambiente quanto o dinheiro público.

O especialista esclareceu que, no setor público, a transparência é a regra e o sigilo, a exceção, ressaltando que o interesse público se sobrepõe a qualquer expectativa de privacidade em relação a recursos públicos.

Salários, viagens oficiais, decisões administrativas e licenças ambientais, por exemplo, devem ser públicos. No entanto, dados pessoais como informações médicas e endereços de servidores devem permanecer privados”, explicou.

Ele lembra que o Supremo Tribunal Federal (STF) define que “a transparência é a regra, e o sigilo é a exceção“, assegurando o direito da sociedade de fiscalizar o uso de recursos públicos sem comprometer direitos individuais.

Sobre o recente decreto que classificou como sigilosa a viagem do secretário, Vinícius foi enfático: “O sigilo é completamente absurdo e equivocado, por três razões principais: viola a Lei de Acesso à Informação, afronta preceitos constitucionais de publicidade e transparência, e fere a moralidade pública”.

Ele enumerou os principais pontos críticos:
  1. Violação da Lei de Acesso à Informação – Viagens oficiais custeadas com recursos públicos devem ser transparentes. A população tem o direito de conhecer o destino, os custos e os objetivos da viagem, especialmente por serem financiadas pelo Funclima, fundo destinado ao meio ambiente.
  2. Incompatibilidade com a Legislação Ambiental – A Lei 10.650/2003 exige total transparência em temas ambientais, e o uso de recursos ambientais demanda controle social rigoroso.
  3. Contrariedade aos Princípios Constitucionais de Gestão Pública – A Constituição Federal estabelece que a publicidade e a transparência são princípios fundamentais da administração pública. O sigilo excessivo interfere na prestação de contas à sociedade e no controle social dos gastos públicos.
Leia mais: Crise ambiental: Rondônia decreta estado de emergência por queimadas
Editado por Marcela Leiros

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