Operação deixou ‘marcas e cicatrizes profundas’ em comunidades ribeirinhas no AM, diz comissão

Nesta quarta-feira, entidades divulgaram nota contra a violência no rio Abacaxis e o massacre a indígenas e comunidades tradicionais (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)

Bruno Pacheco – Da Revista Cenarium

MANAUS — A atuação da Polícia Militar (PM) em comunidades no rio Abacaxis, no interior do Amazonas, deixou marcas e cicatrizes profundas que ainda abalam o psicológico de ribeirinhos, indígenas e demais moradores da região. A afirmação é de integrantes de uma comissão do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), do Ministério Público Federal (MPF) e representantes de entidades.

Na manhã desta quarta-feira, 9, a comissão apresentou uma nota à imprensa assinada por 53 entidades sobre a violência no local e disse que a operação da PM foi um verdadeiro “massacre a indígenas e comunidades”, que estão assolados pelo iminente perigo de serem confundidos com traficantes ou marginais.

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De acordo com o padre Geraldo Ferreira, da Arquidiocese de Manaus, o objetivo dos membros da comissão é denunciar os fatos e injustiças que foram cometidas contra os moradores da localidade.

Padre Geraldo Ferreira (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)

No documento, as entidades relatam que voltaram horrorizadas com o que presenciou durante visita em cinco comunidades, entre os dias 21 e 24 de agosto, no Rio Abacaxis. Segundo eles, com depoimentos coletados, é possível perceber que as populações estão profundamente abaladas com o que viveram ou presenciaram.

Na nota, a comissão exige proteção aos moradores e testemunhas, assim como o imediato afastamento do comando da Polícia Militar e da Secretaria de Segurança Pública para garantir a apuração dos crimes cometidos pelas autoridades.

“Execuções, torturas, prisões ilegais, perseguições e destruição de patrimônio são alguns dos crimes e ilegalidades elencadas preliminarmente. Em depoimento, moradores da localidade disseram que não estão mais se alimentando, não conseguem dormir direito e qualquer ruído de lanchas trafegando na localidade causa medo”, diz trecho da nota.

Segundo as entidades, mesmo com a presença da Polícia Federal e da Força Nacional de Segurança na região, ainda não há sensação de paz para moradores da cidade e comunidades do interior.

A comissão pontuou que são animadoras as notícias de que as investigações estão em andamento e que há um empenho das autoridades federais na apuração dos crimes ali cometidos, mas que o mesmo não se percebe por parte das autoridades estaduais do Amazonas.

Para as entidades, violência deixou traumas psicológicos a ribeirinhos (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)

“A violência policial que houve no Rio Abacaxis deixa marcas a essas populações e, muitas das vezes, essas cicatrizes, que são físicas ou psicológicas, a grande diferença é que uma cicatriz física pode curar e uma psicológica fere a alma”, disse Dione Torquato, membro do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS).

De acordo com o extrativista, para essas populações que vivem em situação de tamanha vulnerabilidade, ser confundido com marginais ou traficantes, é uma situação igual ou pior a uma sentença de morte.

“Queremos que o Estado mude sua postura de atuação. Não podemos aceitar que líderes de populações tradicionais, indígenas, quilombolas, ribeirinhos sejam tratadas com tamanha brutalidade. Vidas indígenas, de comunidades e negras importam. Nenhuma gota de sangue a menos”, finalizou.

Execuções e torturas

Segundo o representante da Comissão Pastoral da Terra, Maiká Schwade, durante o período de visita ao Rio Abacaxis, após as comunidades serem ouvidas, foi constatado o que se mais temia: as execuções e torturas.

“Para nosso horror, outras violações do mesmo tipo foram constatadas. Aquelas denúncias de execuções e aquelas denúncias de tortura, inclusive com a participação dos autos comandos da PM, foram constatados. Mas se constatou, também, que, à medida que a polícia subia o rio e comunidade a comunidade, fazia o mesmo tipo de prática. Cometia os mesmos tipos de violações, ou seja, torturas que foram feitas individualmente e coletivamente contra as comunidades”, elencou Schwade.

Comissão pediu o afastamento imediato da Polícia Militar (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)

Foram visitadas cinco comunidades. De acordo com Maiká Schawade, um trecho das comunidades do Rio Abacaxis foram violentadas de alguma maneira. As investigações e tomadas de provas têm sido centrada nas autoridades públicas competentes. Para resguardar a vida dos ribeirinhos e indígenas, a comissão preferiu não detalhar o assunto.

“As comunidades que estão isoladas, por quilômetro, uma das outras, relatam fato semelhante durante o período de ocupação da PM, por policiais fardados. Isso é fundamental para as entidades, essas falas das comunidades, que é incorruptível. Você não pode corromper a fala de cinco ou seis comunidades. O que temos de concreto é isso, as comunidades foram violadas. Existem muitas provas dessas investigações”, afirmou.

Relembre

Os conflitos na região começaram no fim do mês de junho, depois que o secretário Saulo Moyses Costa, do Governo do Estado, foi baleado enquanto pescava. Uma operação contra uma organização criminosa ligada ao tráfico de drogas foi montada pela Secretaria de Segurança.

Na noite de três de agosto deste ano, um confronto de policiais militares com criminosos no Rio Abacaxis resultou na morte de dois PMs, o cabo Márcio Carlos de Souza e o sargento Manoel Wagner Silva Souza, além de ferir outros dois. No dia seguinte, a Secretaria de Segurança Pública do Amazonas enviou reforço policial uma nova operação na região.

A operação também recebeu o apoio da Força Nacional (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)

Familiares de um traficante de Nova Olinda do Norte, apontado como líder de uma organização criminosa que atua na região e suspeito de matar dois policiais militares, chegaram a ser presos pela Companhia de Operações Especiais (COE), da Polícia Militar do Amazonas (PMAM).

O caso levou o Ministério Público Federal (MPF) a instaurar inquérito Civil para apurar os danos aos povos indígenas e comunidades tradicionais decorrentes da operação.

A REVISTA CENARIUM acompanhou in loco a situação de moradores de comunidades ribeirinhas e produziu uma série de reportagens sobre o Vale do Madeira: Rio da Morte e o cotidiano das populações.

Confira:

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