Operação Sangria: vazamento seletivo de lista desconexa de deputados aponta para interesses políticos no AM

A procuradora Lindôra Araújo e o governador Wilson Lima: operação Sangria no alvo do debate político (Reprodução)

Paula Litaiff – Da Revista Cenarium

O vazamento seletivo de uma lista desconexa com os nomes de oito deputados estaduais do Amazonas apreendida no gabinete do governador do Estado, Wilson Lima (PSC), pela Polícia Federal (PF), durante a operação Sangria, aponta para suspeitas de interesses políticos na investigação por dois principais motivos: a escolha “a dedo” dos veículos de comunicação que vazaram os dados e o tipo de informação divulgada. A operação investiga o sobrepreço de respiradores no valor de R$ 2,9 milhões.

A REVISTA CENARIUM apurou em Brasília que o vazamento partiu da Procuradoria Geral da República (PGR), representante do Ministério Público Federal (MPF). Na PGR, a responsável pela operação Sangria é a subprocuradora Lindôra Maria Araújo, suspeita de realizar manobra ilegal para copiar bancos de dados sigilosos de maneira informal na nova fase da operação Lava Jato, além de vazar informações a aliados do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

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Saiba quem é a subprocuradora da República Lindôra Araújo

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2016, aprovou a Resolução 217, que dispõe o vazamento seletivo de informações nas investigações criminais. Segundo o CNJ, uma série de medidas deve ser adotada para tentar coibir o chamado “vazamento seletivo” de informações sigilosas colhidas em investigações criminais.

Desde a operação Lava Jato, em 2014, acirrou a polêmica sobre a imparcialidade da PGR que ficou sob a suspeita de misturar procedimento técnico com interesse político ao vazar investigações. A PGR, inclusive,  vem sendo objeto de investigação dentro do Supremo Tribunal Federal (STF), com a conduta do procurador da República Deltan Dallagnol. Ele atuou na Lava Jato, na fase que levou à prisão o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Em 2019, conversas entre o procurador e o ex-juiz da Lava Jato e ex-ministro de Justiça Sério Moro – divulgadas pelo site The Intercept Brasil – revelaram que além de Dallanol, outros procuradores da Lava Jato admitem terem usado a imprensa como ferramenta para manipular suspeitos da operação e coagi-los a ceder delações premiadas, mediante a exposição ou na obtenção de apelo popular para validar as ações do Judiciário.  

Manobra e ilegalidade

Segundo jornais e portais de circulação nacional, como o site Uol Notícias, Folha de S. Paulo, Estado de S. Paulo e Revista Época, Lindôra está no centro de uma celeuma com integrantes da força-tarefa da Lava Jato, após uma tentativa de acesso ilegal a provas e documentos sigilosos em Curitiba (PR).

Considerada o “braço direito” do procurador-geral da República, Augusto Aras, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para o cargo, é ela que comanda também a investigação sobre irregularidades na compra de respiradores e outros itens para combate à Covid-19 nos estados e municípios.

De acordo com o site Uol, a investigação dos respiradores mirou até agora adversários políticos do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e políticos com pouca simpatia a Bolsonaro. O site cita como exemplos os governadores do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC-RJ), e do Pará, Helder Barbalho (MDB-PA).

Dois meses antes da operação dos respiradores ocorrer, a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), aliada do presidente Bolsonaro, chegou a adiantar a uma rádio que operações da PF sobre o tema iriam acontecer em breve.

Na Lava Jato, Lindôra é vista com suspeição pelos colegas de força-tarefa e coleciona polêmicas com eles. Ela substituiu na coordenação o procurador José Adonis Callou de Araújo Sá, que pediu demissão. Três integrantes do grupo na PGR pediram demissão após procuradores da Lava Jato reclamarem publicamente da tentativa de acesso por parte da subprocuradora a material sigiloso da operação.

Operação Sangria

Antes de a CNN Brasil divulgar uma lista que, segundo a TV, foi apreendida pela PF no gabinete de Wilson Lima, com nomes de deputados estaduais, senadores e deputados federais já haviam informado sobre o documento a jornalistas do Amazonas. Para obter autorização da operação Sangria no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a subprocuradora Lindora Araújo usou, principalmente, depoimentos de envolvidos.

Na lista dos deputados, escrita a mão, aparecem os nomes que seriam referências aos parlamentares: Joana Darc (PL), Roberto Cidade (PV), Carlinhos Bessa (PV), Mayara Pinheiro (PP), Therezinha Ruiz (PSDB), Saullo Vianna (PTB), Abdala Fraxe (Podemos) e Belarmino Lins (PP). O valor de 5% está escrito junto aos nomes.

 A reportagem da REVISTA CENARIUM chegou a mandar email e telefonar para Procuradoria Geral da República e para a Superintendência da Polícia Federal (PF) no Amazonas, com o objetivo de obter informações sobre a veracidade da lista, mas não obteve retorno das perguntas.

O mesmo procedimento de vazamento seletivo ocorreu com o depoimento da empresária Luciane Andrade, proprietária da empresa Sanoar, que acusou o marido da secretária de Comunicação, Daniela Assayag, Luiz Avelino Júnior, de ser suspeito de intermediar a compra de respiradores para o Amazonas a pacientes com Covid-19.

A declaração de Luciana foi noticiada pelo Jornal Nacional nesta sexta-feira, 3. O empresário nega a acusação e diz que nunca foi sócio da empresa, conforme registros da Receita Federal.

Quem se beneficia

Logo após a operação Sangria e o vazamento das investigações, o presidente da Assembleia Legislativa do Estado (ALE/AM), Josué Neto (PRTB), convocou os deputados para “ressuscitarem” os pedidos de impeachment do governador do Amazonas, Wilson Lima, e de seu vice, Carlos Almeida (PTB) para ser votado na próxima terça-feira, 7. No mês passado, o processo de destituição de Wilson e Carlos foi suspenso pela Justiça por irregularidades.

Josué Neto é aliado de Bolsonaro e beneficiado direto com a saída do governador e do vice dos respectivos cargos. No ano passado, o presidente da República fez um posto sobre o parlamentar, dizendo que o deputado estava “alinhado” ao governo federal.

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