Oportunistas da causa? No ‘Mês do Orgulho LGBTQIA+’, integrantes da comunidade falam sobre apropriação da causa por interesse

Integrantes citam o oportunismo daqueles que se incluem na pauta apenas durante o Mês do Orgulho LGBTQIA+ (Reprodução/ Internet)
Priscilla Peixoto – Da Revista Cenarium

MANAUS — A chegada do mês de junho traz a temporada voltada para a visibilidade da população LGBTQIA+, mais precisamente no dia 28, quando é celebrado o Dia Internacional do Orgulho LGBT. Neste período, é comum ver grandes empresas e marcas aderirem às cores que representam a comunidade, mudando identidades visuais e se declarando aliadas à causa. Em entrevista à CENARIUM, integrantes do movimento falam sobre o assunto e citam o oportunismo daqueles que se incluem na pauta apenas durante o “Mês do Orgulho”.

Durante o mês ‘pride’, muitas marcas criam publicidades mais humanizadas e são sensíveis à causa LGBT, até para poder ter uma conexão com o público, mas é hora de fazer mais porque só fazer a propaganda no mês de junho não adianta e não cola mais para gente,” declara a produtora de eventos Loren Luniere.

Aos 43 anos e assumidamente lésbica, a profissional dedicada a mobilizações culturais e entretenimento atenta para o apoio além do marketing em redes sociais. “A gente quer que as empresas se importem com a nossa vida, invistam e apoiem eventos e mobilizações pela causa, por essas pessoas e vidas. Espero que ano que vem mais marcas possam estar conosco verdadeiramente“, considera Loren.

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(Reprodução/ Internet)

‘Visibilidade LGBTQIA+ em cima da pauta’

A cuidadora de idosos Melissa Castro, 33, ressalta que, normalmente, as organizações se utilizam não só do período de junho, como também do mês de maio, período em que se comemora a luta contra a LGBTfobia. Meses consecutivos que engajam visibilidade em cima da pauta, mas, em contrapartida, não investem em diversidade e inclusão.

Noto que diversas empresas se aproveitam do engajamento e amplitude que a causa traz. Os meses de maio e junho são o momento ideal para se aproveitar dessa questão, mas isso nos prejudica muito, uma vez que várias das empresas sequer se preocupam em como tratar essas pessoas, quais termos são corretos. Somos uma população que temos nossas especificidades, assim como todas as outras. O nome social, por exemplo, é algo importante para nós, mas retificação é algo demorado e caro, não são todas que têm condições e tem empresas que nem ao menos respeitam isso“, desabafa a transexual.

Sentindo na pele

Dedicada aos cuidados com o próximo, Melissa conta que vivenciou situações de preconceito dentro de uma unidade de saúde que se dizia “acolhedora”. De acordo com a cuidadora social, a discriminação ainda se sobressai frente ao discurso de acolhimento à pluralidade e direitos iguais.

No hospital, passei por situações que comecei a perceber, toda às vezes que precisavam de mim eu estava ali, prontamente para fazer algo que não era para eu fazer. Certo dia, vi que outras pessoas foram contratadas para fazer o mesmo serviço que, modéstia à parte, eu fazia muito bem. Ou seja, ‘gosto de você, mas na hora de contratar, eu chamo outra pessoa’, entende? É uma forma de nos excluir dos espaços e depois se utilizam das nossas questões para benefício próprio. Mas as pessoas vão ter que se acostumar a nos ver em todos os espaços que também nos pertencem, como qualquer cidadão”, pontua.

Pink Money’ e promessas aos LGBTQIA+

A presidente da casa de acolhimento para pessoas refugiadas e LGBT Casa Miga, Karen Arruda, 33, cita o chamado “Pink Money” (nome voltado para o poder de compra, poder de mercado, que parte da população LGBTQIA+ detém). Em 2020, o “pink money” movimentou uma média de R$ 450 milhões só no Brasil. Os dados são de uma pesquisa desenvolvida pelo Instituto Brasileiro de Diversidade Sexual (IBDSEX).

Embora o termo seja a priori, algo positivo, é visto com restrições pelos movimentos ativistas por conta das estratégias de negócio que se aproveitam de um determinado público, sem necessariamente adotar ou promover uma mudança de postura e ações positivas.

Para Karen, é extremamente saudável que marcas e empresas levantem a bandeira, promovam a causa, porém, de modo verdadeiro, o que geralmente não acontece. “Infelizmente, isso é algo muito comum, nós, da Casa Amiga, vivemos muito isso. Empresas nos procuram, prometem mundos e fundos, usam nossas pautas e não cumprem 1% daquilo que se comprometem, estragando sonhos, abalando psicológicos e mexendo com a esperança dos nossos acolhidos. Por isso, ficamos mais criteriosas diante dessa realidade“, conta Karen.

(Reprodução/ Internet)

Apropriação do capitalismo

Na leitura do integrante do movimento LGBTQIA+, psicólogo e doutor em educação Adan Renê Silva, este comportamento é o resultado direto do sistema capitalista em que a sociedade vive. Para o profissional, o capitalismo tem o poder de apropriar de todas as pautas visando a geração de lucro.

“Ele se apropria das questões ambientais, prometendo que vai preservar as florestas, se aproxima do feminismo e então gera o ‘feminismo liberal’, que é o das mulheres no topo; se apropria também das questões do racismo, com o objetivo de exacerbar o lucro como um grande ‘trator’ passando para se apropriar de ideologias, o mesmo acontece com o LGBTQIA+”, explica Adan.

“Leitura política do processo”

Autor do livro multidisciplinar intitulado ‘Gênero, Sexualidade e Educação: perspectivas, cidadania e saberes para a inclusão da diversidade., Adan atenta para a necessidade de formação da educação e senso crítico para que a comunidade LGBTQIA+ não seja cooptada por discursos rasos e esqueçam que é na prática que as empresas e as pessoas demonstram, de fato, se são aliadas ou não.

Não me assusta que as empresas queiram passar essa imagem, pois, na verdade, elas querem maximizar os lucros. O que, na verdade, me amedronta é justamente a ingenuidade de parte da comunidade que não tem essa leitura política do processo e acaba embarcando nisso. Um exemplo simples é quando você vê uma determinada loja de departamento vendendo camisa colorida de alusão em apoio à causa, e quando se aproxima das eleições apoia certo candidato totalmente contrário à comunidade, ou seja, não bate”. pondera Adan.

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