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Orçamento para Ciência e Tecnologia no Brasil sofre corte de 90% e revolta pesquisadores
Contingenciamento de recursos e cortes prejudicam ciência no Brasil (Josué Damacena (IOC/Fiocruz)
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14 de outubro de 2021
Cassandra Castro – Da Cenarium
BRASÍLIA – Desesperança e revolta expressam um pouco do sentimento generalizado que tomou conta da comunidade científica brasileira com o recente corte de 90% do orçamento que seria encaminhado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), por meio do Projeto de Lei do Congresso Nacional (PLN) nº 16/2021. Instituições científicas e entidades representativas afirmam que o corte é apenas mais uma das inúmeras ações coordenadas pelo Governo Federal com o propósito de canalizar a maior quantidade de recursos possíveis para as chamadas “agendas de ocasião” e “emburrecer” o Brasil por intermédio do desmonte do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI).
O Projeto de Lei do Congresso Nacional previa, na sua ementa, a abertura ao Orçamento Fiscal da União, em favor do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, de crédito suplementar no valor de R$ 690 milhões. A notícia nada animadora para a ciência no Brasil não é algo pontual ou “um mero ajuste corriqueiro que vai ser corrigido em breve”, como tem justificado o ministro da Economia, Paulo Guedes.
Na opinião de Marcelo*, que atua no segmento científico, os sucessivos boicotes e manobras orçamentárias passam uma mensagem de que a ciência não representa algo de valor e de que é uma “pedra no sapato”. Ele relembrou à CENARIUM que a tentativa de precarizar a ciência brasileira começou com mais intensidade entre 2019 e 2020 e que o corte de R$ 600 milhões é a “gota d’água” no processo de desmantelamento do SNCTI.
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“A gente fica desesperançoso, a gente sabe o poder que a ciência e tecnologia têm para fazer um País prosperar. O Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação só está de pé devido ao esforço das entidades e de pessoas comuns como eu, que lutam contra essa onda destrutiva que estamos vivendo”, desabafa Marcelo.
Fuga de cérebros e agravamento de desigualdades
Na opinião do epidemiologista da Fiocruz/Amazônia Jesem Orellana, os ataques à ciência, tecnologia e inovação no Brasil acontecem há anos e o severo corte de 2021 deve tornar ainda mais complicado o fazer científico no País. “Isso deve aprofundar ainda mais esta crise, já que boa parte dos recursos voltados para bolsas de pesquisa, por exemplo, escasseará ainda mais, ocasionando o desperdício de talentos ou a ‘fuga de cérebros’ para outros países”, afirma.
O especialista destaca ainda que os cortes vão prejudicar, ainda mais, regiões do País que já sofrem com a escassez da produção científica e que estão distantes dos grandes centros de pesquisa.
“Em regiões com menor tradição em pesquisa, como a região Norte, o dano é ainda maior, já que aprofunda desigualdades e desperdiça anos de duro investimento. Não há desenvolvimento pleno sem geração de conhecimento de ponta, parece que o Brasil há anos vem trilhando o caminho da dependência tecnológica e científica de países mais desenvolvidos, condenando as futuras gerações a uma servidão intelectual e a perda cada vez maior de nossa soberania”, pontua Orellana.
Retrospectiva de ataques à ciência
O primeiro ataque, no início de 2019, se deu por meio da MP 870/19 que, dentre outras medidas, propunha a transferência das atribuições da Secretaria-Executiva do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), para o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, por meio de alteração na Lei nº 11.540/2007. Na prática, essa medida representava grave risco de paralisação e descontinuidade de ações em curso no âmbito do FNDCT, pois passaria atribuições complexas e específicas, executadas pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) há mais de 50 anos, para o MCTI, sem qualquer planejamento ou estudo prévio.
O segundo, em meados de 2019, aconteceu por meio de uma série de críticas feitas pelo presidente Jair Bolsonaro ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), por divulgar dados de medição sobre o desmatamento no Brasil. O presidente rebateu as informações oficiais do Inpe e o episódio resultou na demissão do diretor da instituição, Ricardo Galvão.
O terceiro ataque, também em 2019, foi uma tentativa de se fundir instituições do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI) como Capes e CNPq, com uma alegação de “redução de custos”. Além disso, houve uma nova tentativa de se acabar com a Finep, desta vez com uma proposta de “incorporação” ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Tudo seria feito por intermédio de uma Medida Provisória, sem quaisquer estudos de viabilidade e impacto no sistema e sem considerar aspectos técnicos e especificidades dos papéis desempenhados por cada uma das instituições no SNCTI. Tal movimento gerou críticas e divergências inclusive dentro do próprio governo.
O quarto ataque ocorreu através da PEC 187/19, a “PEC dos Fundos”, nos últimos meses de 2019, e seria um dos mais duros para a CT&I nacional, pois decretaria o fim do FNDCT, fundo essencial para o financiamento de toda estrutura científica nacional e uma das principais fontes de apoio à tecnologia e à inovação no País.
A quinta investida contra a Ciência e Tecnologia brasileira ocorreu ao longo do ano de 2020, quando deputados da base do governo e até ocupantes de cargos estratégicos de dentro do Ministério da Economia (ME) e do MCTI tentaram, sem sucesso, sabotar o andamento do PLP 135/20, que acabou sendo aprovado por ampla maioria na Câmara e, posteriormente, no Senado, com um único voto contrário: do senador Flávio Bolsonaro (Patriota/RJ).
O Projeto de Lei Complementar 135/2020 propunha, basicamente, a transformação do FNDCT em fundo financeiro, a liberação imediata de quase R$ 26 bilhões contingenciados ao longo dos últimos anos e a proibição de futuros contingenciamentos derecursos, ou seja, um marco histórico para a Ciência, Tecnologia e Inovação brasileiras.
Presidente Bolsonaro não cumpre promessa
O sexto ataque foi realizado diretamente pelo presidente Bolsonaro que, no final de 2020, em uma de suas transmissões ao vivo pela internet, prometeu ao ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações, Marcos Pontes, que sancionaria o PLP 135/20. No entanto, já no início de 2021, o presidente quebrou a “promessa” e vetou os principais pontos da proposta, como o que proibia o contingenciamento dos recursos do FNDCT e o que disponibilizava integralmente os recursos alocados em reserva de contingência.
Para onde vão os recursos retirados do FNDCT?
Com os vetos presidenciais e outras mudanças feitas pelo Legislativo e Executivo, os recursos da ciência, em especial os do FNDCT, vão poder ser utilizados para o pagamento de outras contas que vêm sendo assumidas pelo governo federal. O montante não utilizado em 2021 poderá ser novamente alocado em reserva de contingência, graças ao artigo 56-A da Lei 14.212 de 5 de outubro de 2021. E os recursos contingenciados do FNDCT, ao final de 2022, poderão ser queimados no abatimento da dívida pública, conforme passou a ser permitido pela Emenda Constitucional 109/2021.
Dia de Mobilização em Defesa da Ciência
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) vai realizar, nesta sexta-feira, 15, uma mobilização em Defesa da ciência brasileira e convoca a todos as entidades ligadas à educação, ciência, tecnologia e inovação a participarem.
A mobilização será realizada justamente no dia em que uma comitiva do governo brasileiro, que conta com integrantes do MCTI, entre eles o próprio ministro Marcos Pontes, viaja a Dubai, nos Emirados Árabes, para participar de um grande evento. Uma agenda muito oportuna no momento em que a comunidade científica luta para recompor os recursos retirados do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações.
(*) Nome alterado para preservar a identidade da fonte.
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