Organizações citam sabotagem e prometem ir à Justiça contra licença na Foz do Amazonas
Por: Ana Cláudia Leocádio*
20 de outubro de 2025
BRASÍLIA (DF) – Organizações da sociedade civil e cientistas ligados ao clima criticaram e prometem ir à Justiça contra o governo brasileiro após a emissão da licença de operação concedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), nesta segunda-feira, 20, que autoriza a perfuração de petróleo no bloco FZA-M-59, na bacia sedimentar da Foz do Amazonas. Para a coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima (OC), Suely Araújo, a concessão da licença é uma dupla sabotagem a poucas semanas da realização da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), que será realizada em Belém (PA), entre os dias 10 e 21 de novembro.
“Por um lado, o governo brasileiro atua contra a humanidade, ao estimular mais expansão fóssil contrariando a ciência e apostando em mais aquecimento global. Por outro, atrapalha a própria COP30, cuja entrega mais importante precisa ser a implementação da determinação de eliminar gradualmente os combustíveis fósseis. Lula acaba de enterrar sua pretensão de ser líder climático no fundo do oceano na Foz do Amazonas. O governo será devidamente processado por isso nos próximos dias”, afirmou Suely Araújo.

O Observatório do Clima é a instituição que conseguiu suspender, na Justiça Federal, neste ano, a Licença Prévia (LP) concedida pelo Ibama, em julho de 2022, para as obras doe repavimentação do trecho do meio de 406 quilômetros da BR-319, que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO). Para a organização, a licença para o bloco da Foz do Amazonas cria dificuldades para o presidente da COP, embaixador André Corrêa do Lago, que precisará explicar o ato aos parceiros internacionais do Brasil, durante as negociações da conferência.
O governo federal anunciou na tarde desta segunda-feira, que o Ibama emitiu a Licença de Operação (LO) 1.684/2025, que autoriza a perfuração marítima do poço Morpho, no bloco FZA-M-59, na bacia da Foz do Amazonas, de interesse da Petrobras, para pesquisa de petróleo na área. “Após o indeferimento do requerimento de licença em maio de 2023, Ibama e Petrobras iniciaram uma intensa discussão, que permitiu significativo aprimoramento substancial do projeto apresentado, sobretudo no que se refere à estrutura de resposta a emergência”, informou o Ibama em nota
A Petrobras terá cinco meses para realizar a pesquisa e, em caso de viabilidade, deverá apresentar novo pedido de licença ambiental ao Ibama para explorar petróleo na região. Conforme nota do Ibama, “as exigências adicionais para a estrutura de resposta foram fundamentais para a viabilização ambiental do empreendimento, considerando as características ambientais excepcionais da região da bacia da Foz do Amazonas” e que, durante a atividade de perfuração, realizará novo exercício simulado de resposta à emergência com foco no atendimento à fauna.

Para o climatologista e copresidente do Painel Científico para a Amazônia, Carlos Nobre, a Amazônia está muito próxima do ponto de não retorno, que será irreversivelmente atingido se o aquecimento global atingir 2°C e o desmatamento ultrapassar 20%. “Além de zerar todo desmatamento, degradação e fogo na Amazônia, torna-se urgente reduzir todas as emissões de combustíveis fósseis. Não há nenhuma justificativa para qualquer nova exploração de petróleo. Ao contrário, deixar rapidamente os atuais combustíveis fósseis em exploração é essencial”, declarou o renomado cientista.
O físico, especializado em crise climática e Amazônia e integrante do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), Paulo Artaxo, avalia que, abrir novas áreas de produção de petróleo vai auxiliar a agravar ainda mais as mudanças climáticas e certamente vai contra o interesse do povo brasileiro.

“O agravamento da crise climática, causada pela produção e queima de combustíveis fósseis, não deixa dúvidas de que temos que acelerar a transição energética para produção solar e eólica. O Brasil tem a oportunidade de explorar seu enorme potencial de geração energética solar e eólica e se tornar uma potência mundial em energias sustentáveis. Não devemos desperdiçar esta oportunidade”, ressaltou Artaxo.
Decisão coloca em risco a Amazônia
A deputada estadual do Pará Livia Duarte (PSOL-PA) considera a liberação da licença ao FZA-M-59 uma escolha perigosa para o Brasil, uma vez que o País precisa trilhar o caminho inverso, de eliminação gradual dos combustíveis fósseis. “Enquanto isso não acontece, as petroleiras não deveriam abrir mais poços de exploração de petróleo e gás. E isso deve começar pela Amazônia, que é uma área crítica para a biodiversidade e o clima global. O lucro das empresas não deveria jamais ser mais importante do que a vida no planeta”, afirmou.

Para a coordenadora de Campanha no Brasil da Iniciativa do Tratado de Não Proliferação de Combustíveis Fósseis, Clara Junger, é inaceitável que o governo brasileiro continue promovendo a exploração de petróleo e gás na Bacia Amazônica, considerada área vital para a proteção do clima e da biodiversidade.
“Essa decisão contraria os compromissos com a transição energética e coloca em risco as comunidades, os ecossistemas e o planeta. Ao contrário do que alegam, os recursos do petróleo pouco investem na transição, sendo apenas 0,06%. Precisamos de um acordo global para eliminar a extração de petróleo de forma justa, equitativa e sustentável. Até lá, o mínimo que temos que fazer é impedir sua ampliação”, disse.
Na avaliação do diretor da 350.org para a América Latina e Caribe, Ilan Zugman, a autorização para novas frentes de petróleo na Amazônia reforça um modelo econômico concentrador e marcado por desigualdades. Ele destacou que, historicamente, a exploração petrolífera no Brasil gerou lucros restritos a poucos e impactos negativos para comunidades locais. Zugman defendeu a criação de um plano de transição energética baseado em fontes renováveis e que inclua a participação de povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos nas decisões sobre clima e energia, especialmente no contexto da COP30.

“A história do petróleo no Brasil mostra isso com clareza: muito lucro para poucos, e desigualdade, destruição e violência para as populações locais. O país precisa assumir uma liderança climática real e romper com esse ciclo de exploração que nos trouxe até a crise atual. É urgente construir um plano de transição energética justa, baseado em renováveis, que respeite os povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos, e que garanta a eles o papel de protagonistas nas decisões sobre clima e energia, inclusive na COP30”, reiterou.
Senadores comemoram
Em nota, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), principal defensor da exploração do petróleo na Margem Equatorial, comemorou a licença de operação e disse se tratar de “uma conquista que consagra a boa técnica, o diálogo e a responsabilidade, valores que sempre defendi ao longo dessa caminhada”.
“O Brasil tem condições de explorar suas riquezas naturais de forma responsável, com segurança e transparência. A autorização do Ibama reafirma que é possível conciliar crescimento econômico e preservação ambiental, garantindo que os benefícios dessa atividade cheguem às populações locais e fortaleçam a soberania energética nacional”, diz a nota pelo parlamentar do Amapá.

Outro amapaense que celebrou a licença do Ibama foi o líder do governo no Congresso Nacional, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP). “Recebo com grande entusiasmo a autorização do Ibama para a pesquisa exploratória na Margem Equatorial. Essa decisão marca um passo histórico para o desenvolvimento do Brasil, em especial para o meu Estado, o Amapá, e para toda a região Norte”, afirmou.
O deputado Ivan Valente (PSOL-SP), autor do projeto de lei na Câmara dos Deputados que, torna a Amazônia zona livre da exploração de combustíveis fósseis, disse que a licença é uma “uma péssima notícia” a poucos dias da COP30 e que “o Brasil está perdendo uma grande oportunidade para ser campeão na defesa do meio ambiente”.
“É preciso estabelecer zonas prioritárias de exclusão da proliferação dos combustíveis fósseis, protegendo ecossistemas críticos para a vida no planeta. Por sua imensa relevância para o clima e para a biodiversidade, que enfrentam crises globais, a Amazônia deve ser uma destas zonas, a liberação da licença no bloco FZA-M-59, na bacia sedimentar da foz do Amazonas, é um caminho que será irreversível e desastroso para o clima e a biodiversidade”, declarou.