Ornitólogo das palafitas domina pássaros da Amazônia


Por: Alinne Bindá

16 de julho de 2025
Ornitólogo das palafitas domina pássaros da Amazônia
O artista empreendedor Antônio Marcos dá vida aos pequenos pássaros coloridos da região amazônica (Ricardo Oliveira/CENARIUM)

MANAUS (AM) – Em meio à estrutura de madeira suspensa de uma casa palafita sobre o igarapé do Beco 10 de Julho, Antônio Marcos, de 55 anos, transforma o pó de gesso em esculturas de pássaros nativos da Amazônia. A residência do artesão, que também é seu espaço de trabalho, fica localizada no bairro Alvorada 3, Zona Centro-Oeste de Manaus. Natural do Acre, o homem vive há décadas na capital amazonense.

O profissional, que se dedica há 15 anos a um ofício singular, empreende a partir da criação de réplicas vibrantes de pássaros da Amazônia, sonha com um local fixo e diz aceitar encomendas dos artesanatos, que são vendidos a, em média, R$ 30. Considerado o ornitólogo das palafitas, o artista falou com a CENARIUM sobre as raízes da profissão que exerce em sua oficina flutuante, um farol de cores onde a arte vence a fragilidade.

Os pássaros são dispostos no espaço da residência para secagem da tinta no acabamento final (Ricardo Oliveira/CENARIUM)

O relógio marcava 10h06 de 28 de maio, uma quarta-feira ensolarada na capital amazonense, quando a primeira pergunta lhe foi feita pela equipe de reportagem, que passou cerca de duas horas no espaço usado para a confecção dos pássaros. Enquanto usava o gesso para lapidar o que também se tornou sua principal fonte de renda, Antônio Marcos conversou sobre o caminho que percorreu até se tornar o ornitólogo das palafitas.

Eu me considero empreendedor, trabalho por conta própria, a divulgação é boca a boca e eu entendo que o meu trabalho é até escondido, ninguém vê. Eu moro em um beco, em uma ponte, a [avenida] principal é lá e às vezes a pessoa não quer nem entrar aqui dentro. Aí eu vou deixar a compra lá na frente”, pontua.

Iury Trindade, de 7 anos, se diverte com os pássaros multicoloridos (Ricardo Oliveira/CENARIUM)
A ponte de madeira das palafitas serve de cenário para as brincadeiras no Beco 10 de Julho (Ricardo Oliveira/CENARIUM)

O calor entra pela madeira e um ventilador ronca no canto do espaço, combatendo o vapor que sobe do igarapé, quando o homem responde que o interesse pelo artesanato veio ainda na adolescência. Alimentada pelas lembranças das viagens do pai, um marítimo que navegava pelos rios que cortam a floresta amazônica, a inspiração do jovem de 14 anos chegava por meio de pequenas peças de artesanato, adquiridas nos lugares durante as viagens.

No ateliê, o artista, com precisão cirúrgica, dá o acabamento final nos pássaros da Amazônia (Ricardo Oliveira/CENARIUM)

Aquelas formas rústicas, carregadas de histórias e da simplicidade dos ribeirinhos, despertaram Antônio. Esse foi o ponto de partida do artesão, que passou a ter o desejo de também criar e esculpir a matéria com as próprias mãos. Dois anos depois, aos 16, Antônio Marcos se aventurava a vender algumas peças pela vizinhança.

Tudo vem da natureza, é de onde vem a minha paixão. Lembro que, por volta dos meus 14 anos, o meu pai fazia viagens pelos interiores. Ele sempre voltava com alguma peça de artesanato”, diz Antônio, enquanto pinta um Azulão sobre um pano estendido no assoalho de madeira, seu altar rodeado por pincéis e potes de margarina reutilizados.

Canarinho, azulão, tangará de cabeça vermelha e pipira-vermelha ganham forma no ateliê de Antônio Marcos (Ricardo Oliveira/CENARIUM)

Mas foi o encontro com um colega na capital amazonense, que vendia ninhos de passarinhos na região central da cidade, que direcionou o seu caminho. A atuação do homem chamou a atenção de Antônio Marcos e, aliado a seu gosto pela natureza, o impulsionou a buscar aprimoramento.

Entre os meus 16 pra 17 anos, eu peguei umas peças, saí vendendo pela vizinhança mesmo. O tempo foi passando, eu vi um colega meu, que conheci ele fazendo esculturas carnavalescas lá no sambódromo, vendendo ninho de passarinho no centro. Eu acho que foi isso que me chamou a atenção”, lembra.

A providência, como ele mesmo diz, colocou em seu caminho um escultor experiente, que generosamente lhe ensinou os segredos da modelagem, ajudando-o a refinar as primeiras criações. “Meus primeiros trabalhos com passarinhos eram feios, cabeçudos. Fui lapidando até ficar redondo”, relembra sorrindo.

Periquitos confeccionados pelo ornitólogo das palafitas (Ricardo Oliveira/CENARIUM)
Materiais usados

A criação de cada pássaro é um processo que envolve uma mistura peculiar de materiais. A base é o gesso, mas Antônio Marcos adiciona cimento para dar mais resistência e Durapox – adesivo termofixo que endurece quando se mistura a resina epóxi com um agente catalisador – para os acabamentos finos, como o bico.

Por dentro, há uma estrutura de arame que garante a sustentação e permite moldar as perninhas das aves, conferindo realismo e durabilidade às esculturas. “O corpo dele é feito de gesso e ainda tempero com cimento branco, o bico faço com massa colante que é Durapox, também coloco o ferro por dentro, é arame galvanizado para fazer a perninha dele aqui […] tudo feito à mão”, comentou Antônio, com as mãos calejadas e sujas de tinta.

Reprodução da pipira vermelha é tão real que encanta quem olha (Ricardo Oliveira/CENARIUM)

A magia está no acabamento. Com pincéis finos como fiapos e rodeado de potes de margarina cheios de tintas vibrantes, Antônio banha as crias em verniz acrílico, “capa protetora contra a chuva amazônica”, como ele define. As cores são a memória viva do verde-alface do periquito, o amarelo do canarinho e o vermelho que ilumina as penas invisíveis.

Os desafios

Apesar da beleza de seu trabalho, a rotina de Antônio é marcada por desafios. O grande desejo de Antônio Marcos é conseguir um espaço fixo, um box em uma feira de artesanato, para ter mais estabilidade e sair das ruas. A falta de encomendas regulares torna a sobrevivência difícil do empreendedor das palafitas.

Tenho vontade de ter um box, sim, dentro de uma feira. Às vezes eu não vendo nada, não é todo dia que eu pego encomenda, demora para alguém pedir. Então, eu tenho que pegar e ir para o sol quente, é um sofrimento pra mim. Mas tenho que ir, é disso que eu sobrevivo. Só queria um lugar coberto“, confessa, acariciando a asa de um periquito como se afagasse um filhote.

O empreendedor sai às ruas de Manaus para vender sua arte (Ricardo Oliveira/CENARIUM)

Vendido por valores que variam entre R$ 15 e R$ 30, cada pássaro de Antônio Marcos carrega não apenas a beleza da fauna amazônica, mas também a história de resistência e dedicação de seu criador. Em meio às dificuldades, ele segue transformando gesso e arame em arte, uma expressão de sua paixão pela natureza e o meio encontrado para garantir o sustento no dia a dia da comunidade onde vive.

Para adquirir as obras de Antônio Marcos é possível contatá-lo pelo número (92) 99458-6683.

Editado por Jadson Lima
Revisado por Gustavo Gilona

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