Os Invisíveis do Amazonas: Onde Estão os Verdadeiros Guardiões da Floresta?
Por: Inory Kanamari - Especial para Cenarium **
13 de outubro de 2024
Vivemos em um Estado democrático de direito, regido por uma Constituição garantista, que assegura a qualquer pessoa o respeito à dignidade, o direito à vida e à liberdade. A promulgação da Constituição de 1988 trouxe uma inovação histórica, ao incluir os artigos 231 e 232, que pela primeira vez reconheceram a existência dos povos indígenas, assegurando seus direitos ao território e à preservação de sua identidade cultural.
Contudo, de seus 250 artigos, apenas dois mencionam os povos originários. Isso nos leva a questionar: quem estava aqui antes da chegada dos portugueses? A história que nos foi ensinada insiste que os colonizadores trouxeram progresso e civilização ao Brasil, uma narrativa que ignora os horrores vividos pelos povos indígenas.
A partir de 1500, com a chegada dos portugueses, inicia-se um pesadelo que persiste há 524 anos. Desde então, os povos indígenas lutam por sua sobrevivência. Ao longo dos séculos, adaptaram-se à cultura imposta pelos invasores, sendo expulsos de suas terras e forçados a se refugiar na floresta para escapar de um verdadeiro genocídio. Para os colonizadores, os indígenas eram considerados seres sem alma, selvagens e indignos de habitar suas próprias terras. Foram escravizados, perseguidos e exterminados em uma tentativa deliberada de apagálos da história.
O Brasil de hoje, no entanto, é fruto dessa violência. A colonização portuguesa, especialmente na Amazônia, foi marcada pela exploração e pela brutalidade. Em 1637, quando os portugueses adentraram a região amazônica em busca de riquezas naturais como a borracha, madeira e minérios, muitos vieram sem mulheres. As indígenas foram vistas como objetos para saciar seus desejos.
Não houve respeito ou cortesia; as mulheres indígenas foram caçadas, estupradas e, muitas vezes, assassinadas. Aquelas que sobreviveram foram forçadas à escravidão sexual, e quando engravidavam, seus filhos eram roubados e elas, abandonadas à própria sorte na floresta.
A história da Amazônia é uma história de sangue e exploração. Durante o governo Vargas, entre 1930 e 1945, houve uma nova onda de migração para o Amazonas, com a chegada de nordestinos e acreanos. Novamente, o ciclo de violência contra as mulheres indígenas se repetiu. Nasceram os primeiros mestiços, fruto de estupros e abusos sistemáticos. Até hoje, os descendentes dessa miscigenação carregam o estigma de serem considerados “misturados” ou “não puros”, em uma sociedade que se recusa a reconhecer a sua herança indígena.
O Amazonas, o Estado com a maior população indígena do Brasil, paradoxalmente, carrega uma história de exclusão e racismo contra os povos originários. Muitos amazonenses preferem se identificar como descendentes de europeus, negando suas raízes indígenas. Em cidades do interior, como Itamarati, os indígenas são praticamente invisíveis, exceto durante o período eleitoral, quando seus votos são cobiçados em troca de migalhas.
Ser indígena no Amazonas, ou aparentar traços indígenas, pode ser uma sentença de morte. O racismo contra os povos indígenas persiste, silencioso e letal. Os indígenas são tratados como cidadãos de segunda classe, marginalizados e excluídos dos espaços de poder. Manaus, uma das cidades com maior população indígena segundo o último censo do IBGE, não reflete essa realidade. Em nenhum espaço de visibilidade, seja no Judiciário, Legislativo ou Executivo, vemos a presença indígena. Nas ruas, nos bairros periféricos, as línguas indígenas ainda são faladas, mas quase exclusivamente dentro das comunidades étnicas.
A cultura indígena é explorada como mercadoria barata, como na famosa festa de Parintins, onde a riqueza cultural dos povos originários é usada para entreter e gerar lucro. No entanto, os próprios indígenas são excluídos dessas festividades, sendo representados por pessoas que, muitas vezes, desconhecem ou até desprezam sua verdadeira existência.
Precisamos nos perguntar: onde estão os indígenas do Amazonas? Porque nos espaços de poder, eles não estão.