Oscar para ‘Ainda Estou Aqui’ é ‘tapa na cara’ da extrema direita, dizem críticos


Por: Letícia Misna

03 de março de 2025
Oscar para ‘Ainda Estou Aqui’ é ‘tapa na cara’ da extrema direita, dizem críticos
Fernanda Torres e Walter Salles (Composição: Lucas Oliveira/CENARIUM)

MANAUS (AM) – A noite do dia 2 de março de 2025 marcou um momento histórico para o Brasil: o País conquistou a primeira estatueta no Oscar, a maior premiação de cinema do mundo, com o filme “Ainda Estou Aqui“, avaliado por críticos de cinema e profissionais do audiovisual consultados pela CENARIUM como uma resposta à extrema direita e sua tentativa de minimizar ou negar os abusos cometidos na Ditadura Militar do Brasil.

O longa, estrelado por Fernanda Torres e Selton Mello, conta a história da família Paiva, afetada diretamente pela Ditadura Militar que comandou o Brasil por 21 anos. A vitória na categoria de “Melhor Filme Internacional” chega em um momento em que o País debate sobre a necessidade de defender a democracia e os direitos humanos, especialmente em tempos de ascensão de ideologias extremistas.

Cena do filme ‘Ainda Estou Aqui’ (Divulgação)

A amazonense Camila Henriques é afiliada à Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine), além de votante do Globo de Ouro, e para ela a resposta é clara. “Se é um tapa na cara da extrema direita? Com certeza. Eles não devem ter gostado nada. Principalmente por ser um filme sobre Eunice Paiva, Rubens Paiva, todo esse histórico que a gente conhece. Nos Estados Unidos ele teve essa recepção tão positiva porque ele conversa. Apesar de ser uma história sobre o Brasil, ele tem uma narrativa muito universal, é algo que é muito identificável em outros países”, disse.

Camila Henriques é afiliada à Abraccine e votante do Globo de Ouro (Arquivo pessoal)

Alberto Silva Neto é ator, diretor e professor de Teatro e Cinema na Universidade Federal do Pará (UFPA). Para ele, “Ainda Estou Aqui” se destaca por ser um “filme político sem ser panfletário”.

“O filme mostra a Ditadura por um aspecto que eu acho indestrutível: o modo como um sistema opressor, um regime totalitário, destrói vidas, famílias, humanidades. Sob esse aspecto, ‘Ainda Estou Aqui’ se coloca fora da curva, ainda que absolutamente integrado ao momento político do País onde ele foi produzido”, explicou Alberto Silva, acrescentando que é preciso lembrar para não se repetir.

O ator, diretor e professor de Teatro e Cinema Alberto Silva Neto (Arquivo pessoal)

Acho que nós precisamos falar cada vez mais sobre os horrores da Ditadura, que provocaram consequências não só políticas, mas econômicas. Nós não podemos esquecer as violências, a devastação da dignidade humana. Direitos humanos jogados no chão e pisados por patas de cavalos das polícias militares. Isso não pode ser esquecido”, pontuou.

Formulação de pensamento crítico

A amazonense Rebeca Almeida é jornalista e crítica de cinema. Para ela, a vitória do filme é “extraordinária porque é a razão da arte em sua essência: refletir a realidade e gerar pensamento crítico”.

“Politicamente o filme tem três razões para existir: sendo a primeira contar a vida de Eunice e Rubens Paiva retratando como eles sofreram com a Ditadura Militar mesmo após o período ter passado, representando tantas pessoas mortas, torturadas e, até hoje, desaparecidas. Segundo ponto é que apenas em 2011, com a Comissão da Verdade, criada pela presidente na época Dilma Rousseff, foram acessados documentos mais detalhados sobre a Ditadura, que motivaram a escrita do livro que hoje temos adaptado”, explicou Rebeca, referindo-se à obra literária “Ainda Estou Aqui”, de Marcelo Rubens Paiva, publicada em 2015, na qual o longa-metragem foi baseado.

Rebeca Almeida é jornalista e crítica de cinema (Arquivo pessoal)
Brasil se autorreferenciando

Rebeca lembrou, ainda, que o próprio diretor do filme, Walter Salles, chegou a comentar que a obra não poderia ter sido produzida no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), devido ao posicionamento do ex-mandatário. Para ela, a obra ganhou mais visibilidade por ter sido lançada em um contexto em que o Brasil acaba de passar por uma tentativa de golpe de Estado.

“E o filme que fala sobre um golpe de estado ganhou visibilidade nesse início de ano justamente quando foram revelados planos de golpe estatal após as eleições presidenciais de 2022, então temos a história do Brasil se autorreferenciando”, lembrou.

Bolsonaro, enquanto deputado, posa para foto com faixa em defesa do golpe militar de 1964 (Reprodução)

Segundo Rebeca, esse acumulado de fatos políticos levou o eixo de direita a pensar essa vitória como um ultraje. “Mas a realidade é que ‘Ainda Estou Aqui’ ganhar o Oscar falando sobre a Ditadura significa que essa é uma história que deve ser contada, e enfatiza a necessidade do povo brasileiro pensar criticamente, reconhecer seu passado para que nunca se repita no futuro”, conclui.

A arte existe e resiste

Na 97ª edição do Oscar, realizada neste domingo, 2, em Los Angeles, Califórnia, nos Estados Unidos, o filme brasileiro “Ainda Estou Aqui” venceu o prêmio de “Melhor Filme Internacional”, sendo a primeira estatueta do País.

Dirigido por Walter Salles e estrelado por Fernanda Torres e Selton Mello, o longa também foi indicado nas categorias de “Melhor Atriz” e “Melhor Filme”. Baseado em uma obra homônima de Marcelo Rubens Paiva, o filme acompanha Eunice Paiva (Fernanda Torres), que enfrenta a incerteza e a dor de não saber o paradeiro de seu marido, Rubens Paiva (Selton Mello), ex-deputado cassado após o golpe de 1964 e sequestrado pelo governo durante o regime militar.

Walter Salles dedicou o prêmio à advogada Eunice Paiva, interpretada pela atriz Fernanda Torres. Salles ressaltou a importância de Eunice Paiva na luta contra a Ditadura Militar e pela preservação da memória. “Dedico este prêmio a Eunice Paiva, cujos anos de luta pela justiça e pela memória nos ensinaram o verdadeiro significado de resistência”, disse.

Para a atriz paraense Giscele Damasceno, o filme conta uma história de força, de resistência e nada está ali em vão. “O que é mais bonito de tudo isso é que ninguém da equipe tem uma postura reacionária. Eles focam exatamente no que precisa de foco, que é a história daquela família, do horror que eles passaram. De uma forma muito poética isso é passado pra gente, de uma forma que a gente consegue sentir a angústia junto com a família, dessa perda tão dolorosa, mas que a mãe ali pelos filhos resistiu”, acrescentou.

A atriz paraense Giscele Damasceno (Arquivo pessoal)

Ela destaca, ainda, que a força do longa reverbera dentro e fora da tela. “É historicamente comprovado o horror que muitas pessoas viveram [durante a Ditadura Militar], não existe apelação nenhuma, as coisas são como são e isto é contado por um caminho riquíssimo. A arte existe e resiste e continuará seguindo seu fluxo”, concluiu.

Editado por Marcela Leiros
Revisado por Gustavo Gilona

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