Paciente com câncer relata desaparecimento de guias de orixás em hospital no RJ
Por: Marcela Leiros
05 de outubro de 2025
MANAUS (AM) – Tainá Santos da Paz, de 33 anos, que enfrenta o tratamento contra um câncer de mama com metástase na coluna, relatou, em vídeo compartilhado pelo deputado estadual do Rio de Janeiro Átila Nunes, que foi vítima de intolerância religiosa no Hospital Universitário Gaffrée e Guinle, vinculado à UniRio. Ela afirmou que suas guias de orixás desapareceram do quarto da unidade de saúde durante sua internação e, ao questionar uma enfermeira, ouviu: “Só Jesus salva, só Jesus liberta”.
O caso ocorreu em abril. Segundo Tainá, ela deixou os fios, ligados aos orixás Oxumaré, Oyá e Oxum, em uma maca, junto ao celular, e foi tomar banho com suporte do companheiro. Quando retornou, as guias não estavam mais no mesmo lugar. Ao questionar uma enfermeira sobre os objetos sagrados, ouviu da mesma que “Só Jesus salva”.
“Só que essa enfermeira, ela me botou na cadeira pra tomar banho. E aí eu fui tomar banho junto com meu esposo e aí ela saiu. Eu deixei o meu telefone em cima da cama, junto com meus fios esticados. Aí nisso que eu fui tomar banho, que eu voltei, meu celular tava, meus fios não estavam. E aí eu comecei a perguntar: ‘Cadê meus fios?’, meu esposo procurando em bolsa e tudo, ‘mas eu me deixei aqui junto com o meu celular’. Meu marido foi no setor da ala de outras pessoas internadas, procurou tudo, revirou tudo, não achou”, relatou Tainá, acrescentando o diálogo com a enfermeira.
“Aí eu chamei ela e falei assim: ‘Ei, vem cá, meus fios que estavam aqui’. Ela chegou bem próximo da minha maca e falou assim: ‘só Jesus salva, só Jesus liberta’“, disse a paciente.
Repercussão
Tainá Santos da Paz registrou o desaparecimento das guias no dia 24 de abril, na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi). O caso repercussão nas redes sociais e chamou atenção de organizações que atuam em defesa da população negra e autoridades.
O Instituto de Defesa da População Negra (DPN) afirmou, na época, que disponibilizou suporte jurídico no caso de Tainá e manifestou repúdio contra a intolerância religiosa. “Jogar fora fios de conta é tentar descartar a nossa fé. Não deixaremos esse crime ser silenciado“, disse o instituto, por meio das redes sociais.
Nesta semana, o deputado estadual Átila Nunes afirmou ainda que apresentou denúncia ao Ministério Público para que os responsáveis sejam investigados. “Imagina alguém pegar uma Bíblia, imagina isso, pegar uma Bíblia e jogar no lixo. Olha que agressão isso, que absurdo isso. Tô me colocando no lugar de uma pessoa religiosa, qualquer que seja, não precisa ser do axé não“, disse ele.
Em nota, a UniRio reiterou compromisso com o respeito por todos os credos. A instituição disse se solidarizar com a paciente e que acompanhava o caso de perto, “esperando que sua apuração em andamento pela administração do HUGG identifique as responsabilidades e que sejam tomadas as devidas providências“. A CENARIUM questionou a UniRio, neste domingo, 5, sobre quais medidas foram tomadas desde então e aguarda retorno.
Intolerância religiosa
No Brasil, lei sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2023, tornou mais severas as penas para crimes de intolerância religiosa. A lei equipara o crime de injuria racial ao crime de racismo e também protege a liberdade religiosa.
A pena é de 2 a 5 anos para quem “obstar, impedir ou empregar violência contra quaisquer manifestações ou práticas religiosas“. A pena será aumentada a metade se o crime for cometido por duas ou mais pessoas, além de pagamento de multa. Antes, a lei previa pena de 1 a 3 anos de reclusão.