Padre Lancellotti cria livros para combater ‘aporofobia’, aversão a pessoas pobres
22 de outubro de 2023

Da Revista Cenarium Amazônia*
SÃO PAULO (SP) – Subir o vidro do carro quando alguém se aproxima ou trocar de calçada se uma pessoa vem na outra direção são atitudes comuns nas cidades grandes. E, de tão comuns, elas podem parecer corretas — até porque, quem quer se arriscar diante de uma situação de perigo?
Mas será que estamos falando de perigo real? As pessoas que se aproximam dos carros ou dos pedestres são sempre criminosos violentos, ou elas são só… diferentes? Ter medo de pessoas empobrecidas ou em situação de rua, ou simplesmente não gostar delas, é um sentimento que tem nome: aporofobia.

E, por mais que essa seja uma palavra complicada e pouco falada, muita gente sabe como é se sentir assim, desconfiado e desconfortável diante de quem tem menos oportunidades na vida. Não é algo bonito de se admitir, realmente, mas é um assunto de que se precisa falar.
Para debater isso, a escritora Blandina Franco e o ilustrador José Carlos Lollo fizeram dois livros com o tema. “Aporofobia” já está disponível nas livrarias, e “Os Pombos” está em pré-venda no site da editora.
“Acho que todo mundo já passou por uma dessas situações, a gente passa pelos moradores de rua, os vê espalhados e vê as coisas acontecendo, algumas vezes nós mesmos nos comportamos dessa maneira”, diz Blandina, contando que a ideia dos projetos partiu do padre Júlio Lancellotti, que cuida de pessoas em situação de rua e as apresentou a ela e a José.

“Não foi difícil encontrar situações de aporofobia, mas deu um certo trabalho escolher dentre tantas. Algumas foram escolhidas pelos próprios moradores de rua, como por exemplo a frase: ‘Eles são uns infelizes’, que foi uma sugestão de um deles”, completa o ilustrador.
Em “Aporofobia”, há várias colocações como esta. De um lado, pessoas apontam para três personagens e dizem que eles são fedidos, que sujam a cidade, que fingem sentir fome e que só estão ali porque fizeram “más escolhas”. Uma coisa curiosa é que não há diferenças visíveis entre os dois grupos, exceto que os que ouvem as ofensas vão ficando cada vez menorzinhos.
Padre Júlio convive com pessoas em situação de vulnerabilidade. Ele sabe, portanto, como elas podem chegar à ruína material e, em muitos casos, não ter acesso à comida (e, por isso, reviram os sacos de lixos), à água potável (e, por isso, pedem ajuda para se hidratar), nem à água para se lavar (e, por isso, podem ficar dias sem tomar banho).
“É claro que aquele homem pode ser fedido. Mas aí o adulto diz para a criança que ele é fedido, mas não diz por quê. É como se ele estivesse escolhido estar daquele jeito. Só que o motivo é que ele não tem acesso a sabonete e água. Ter que dar uma explicação me questiona e coloca o foco em mim, e isso pode ser desconfortável”, diz Júlio.

Pessoas acabam tendo que ir viver nas ruas por muitos motivos: dificuldades econômicas, de relacionamento com outros membros da família, violência, etc. “São razões muito variadas. Mas o motivo, em geral, é alguma perda. São pessoas que vão perdendo, perdendo afeto, amizade, laço, condições de subsistir”, afirma o padre.