Palhaça amazonense une arte e redes sociais para debater espaços de pessoas com deficiência

Ananda Guimarães usou a palhaçaria como forma de aceitação (Divulgação)

Malu Dacio – Da Revista Cenarium

MANAUS — Não é de hoje que a internet auxilia na democratização de conhecimento e na amplitude de debates de cunho social. Investindo num bem coletivo — e um pouco menos capacitista – a artista amazonense Ananda Guimarães viu na internet a oportunidade de falar sobre sua própria condição em um formato para lá de diferente no segmento. A palhaça Neneca, persona criada pela artista em 2016, fala didaticamente sobre assuntos que antes eram motivo de vergonha para Ananda.

Muitos nomes podem definir a doença ocular que Ananda descobriu na adolescência: condição de Stargardt, doença de Stargardt ou atrofia macular juvenil. A artista conta que nasceu com a condição e que esta podia ou não se desenvolver. Foi na escola que percebeu os primeiros sintomas.

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“Em uma aula de Português eu pisquei mais forte e minha visão ficou toda escura. Pensei que tinha ficado cega, fiz um escândalo no meio da sala. Foi horrível, mas depois foi voltando aos poucos. Depois de uma série de exames, fui diagnosticada”, lembra Ananda.

A Doença de Stargardt se caracteriza como a perda da visão do campo central. Ananda tem o suporte da visão periférica, mas o “meio” fica com uma espécie de borrão.

‘Enxergando o Invisível’

A ideia de usar a palhaça Neneca como voz para falar sobre as vivências de pessoa com deficiência surgiu porque a artista prepara seu solo de palhaçaria intitulado “Enxergando o invisível”, que deve estrear nos palcos entre março e abril. O processo de nascimento da persona veio bem antes da aceitação.

Neneca usa sua linguagem para compartilhar experiências (Arquivo Pessoal)

Sagitariana, Neneca nasceu em novembro de 2016. Ananda já era atriz e também sabia de sua condição quando a persona tomou vida. “Eu não falava sobre e era um gatilho para mim porque nos processos artísticos, às vezes, tocávamos em uns lugares e isso foi um ponto que sempre me afetou. Só tomei propriedade para falar sobre minha deficiência na universidade”, explica a artista.

Ananda é estudante de Teatro, na Universidade do Estado do Amazonas (UEA), desde 2018. “Como eu comecei a falar sobre isso há pouquíssimo tempo, ainda está no processo. É uma forma de chegar não só dentro da classe artística do teatro e usar as redes sociais. Pegamos dúvidas que existiam no nosso meio e foi muito boa a recepção das pessoas”, salienta Ananda.

Risível sim, mas não ridículo

Como definido antes, Ananda não tem Neneca como um mero personagem. “Para mim ela não é uma personagem, ela é uma persona. Não é só uma versão de mim, acredito que ela é a totalidade de mim. Quando eu tive meu processo de aceitação em outros lugares como o meu cabelo, meu dente ou em outros lugares que não a deficiência, foi a partir da palhaçaria que eu consegui aceitar, lidar e amar. Não foi diferente com a minha condição”, conta a artista.

“Eu sabia que conseguiria tornar algo risível sem ridicularizar ou reproduzir um discurso de opressão, mas trazendo a comicidade para pessoas que realmente não sabem o que é estar dentro dessa condição”, comenta.

Ela explica ainda que sentia muito medo e chegava a esconder a deficiência das outras pessoas. “Eu me virava por não querer incomodar, por ter vergonha e por uma centena de socialização que me fizeram achar que meu corpo não seria aceito, e sabemos que não é”, enfatiza a atriz.

Ananda Guimarães é a criadora da palhaça Neneca (Foto: Divulgação)

Redes sociais

Muitas pessoas que já conheciam Ananda souberam de sua deficiência pelas redes sociais e por meio da Neneca. “As pessoas associam deficiência a algo aparente. Muita gente falava que quando via ‘mulher com deficiência’ na biografia do meu Instagram, iam no meu feed procurar por algo físico”, lembra Ananda.

Para ela, a Neneca é uma ponte para alcançar pessoas que entendam o “rolê” da pessoa com deficiência de uma forma mais leve. “Existe uma visão que a pessoa com deficiência é um ser mágico, puro. Ou não, às vezes, há um vitimismo. A Neneca faz com que as pessoas não tenham medo de estar dispostos a aprender”, destaca.

“Acho também que a palhaça, por ter uma imagem muito forte e, às vezes, grotesca, pode alcançar um lugar de marginalização que vai reverberar na sociedade. Quando uma criança olha para um ser que é o palhaço, muito diferente esteticamente, e sente um amor, uma empatia, é muito mais tranquilo para ela entender que qualquer pessoa “diferente” que apareça, ela seguirá nesse mesmo caminho”, afirma a artista.

Importância de espaços

A artista lembra que o trabalho só foi possível pela rede de apoio que encontrou na Companhia Trilhares, a qual pertence. A irmã de Ananda, Rafaela Margarido, é a principal incentivadora da artista e produz as ações, vídeos e espetáculos.

“Foi a empresa e companhia de artes que me acolheu. A minha irmã, como coordenadora, usou o espaço de liderança que ela possui e a visão sensível para eu poder ocupar espaços onde hoje eu estou. Sei que em outros lugares eu não teria ou seria muito difícil”, finaliza

Ananda Guimarães e Rafaela Margarido são da Companhia Trilhares (Divulgação)

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