Pandemia força brasileiros a vender tocha dos Jogos Olímpicos do ‘Rio 2016’

A ex-atleta Isabel Salgado, do vôlei, ergue a tocha olímpica em frente ao Cristo Redentor (Foto: Mauro Pimentel/Folhapress)

Com informações da Folha de São Paulo

SÃO PAULO – A funcionária pública Bianka Acsa Rosa da Fonseca, de 31 anos, viu sua renda cair pela metade, reduzida apenas ao salário mínimo que recebe da Prefeitura de Curvelo (MG), depois de ficar impedida de dar aulas particulares devido à pandemia.

Após passar por uma depressão e perder seu negócio próprio de entrega de lanches, Ygor Marcel da Cruz Santos, de 29 anos, conseguiu em agosto emprego num frigorífico em Ji-Paraná (RO). Comprou uma moto para chegar ao trabalho e um celular novo. Ainda endividado, foi demitido em novembro, em meio à forte alta da arroba do boi, que desequilibrou o mercado de proteína animal.

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Também trabalhadora da indústria frigorífica em Campo Grande (MS), onde embala carnes por cerca de um salário mínimo, Camila Micaela de Oliveira Fonseca, de 19 anos, mora com os pais e sonha em juntar dinheiro para um dia ter sua própria casa.

Dificuldades

Em comum, além das dificuldades financeiras, os três foram alguns dos 12 mil brasileiros que conduziram a tocha durante os 95 dias que antecederam os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016. Agora, tentam vender o símbolo olímpico como forma de conseguir algum dinheiro extra.

Em outra coincidência, dois deles foram procurados por Carmelo Maia, ator, produtor e filho do cantor Tim Maia. Colecionador, ele começou seu acervo com o legado que herdou do pai. “Se eu pudesse, pegava todas as tochas e botava dentro da minha casa”, diz Maia.

Primeira trans a conduzir a tocha

Atualmente servidora municipal na área de serviços gerais, Bianka conta com orgulho que foi a primeira mulher trans a conduzir a tocha olímpica no país. Em 2016, ano da Olimpíada no Brasil, ela respondeu a uma promoção da fabricante de automóveis Nissan contando sua história.

“Contei um pouco da minha vida: o fato de eu ser trans, de na época estar cursando a faculdade de Letras e argumentei sobre a quebra de tabus. Aí fui escolhida”, conta Bianka.

Bianka Acsa Rosa da Fonseca, hoje com 31 anos, foi a primeira trans a conduzir a tocha no Brasil (Arquivo Pessoal)

“No dia, achei que só iria lá, como qualquer pessoa, conduzir a tocha. Mas quando cheguei no ponto em que eu iria conduzir, vi um monte de repórteres e um monte de gente. Eu não tinha noção de que era a primeira trans a conduzir a tocha e a responsabilidade que isso representava.”

“Fiquei muito orgulhosa”, diz a servidora pública. “Foi maravilhoso, um momento único na minha vida. Naquele momento, sinto que eu estava representando todas nós, porque nós que somos trans queremos ser reconhecidas como pessoas.”

Com a perda de renda na pandemia e a necessidade de uma reforma urgente na sua casa, Bianka diz que não viu alternativa, a não ser tentar vender sua tocha. “Dói muito eu ter que me desfazer dela”, afirma.

Ela também lamenta as mudanças pelas quais o país passou de 2016 para cá. “Acho que houve uma decadência total”, avalia. “Naquele momento, ainda havia uma luz, uma esperança de dias melhores. Infelizmente, não é isso que estamos vendo. Antes havia algumas políticas públicas voltadas à população trans e hoje o que vemos é que estamos perdidos em termos de apoio do governo, ele nos virou as costas.”

Quem compra a tocha olímpica?

Carmelo Maia, “45 anos, ator, produtor e filho do gênio Tim Maia”, como descreve a si próprio na rede social LinkedIn, conta que já falou com quase dez desses potenciais vendedores. Entre eles, Bianka e Ygor, que relataram a conversa com o herdeiro à BBC News Brasil.

“Sou um colecionador”, conta Maia, que acumula, entre outras coisas, camisas de basquete de times dos Estados Unidos e uniformes de futebol de clubes brasileiros e europeus. “Tudo que herdei do meu pai guardo com muito carinho, com muito amor. Então, quando li que a tocha olímpica estava sendo vendida, me interessei.”

O ator diz que, ao conversar com os vendedores, ficou em dúvida se realmente todos estão passando por necessidades. Na sua avaliação, a venda é parte de uma falta de apreço dos brasileiros por objetos que representam a memória. Ele avalia que, idealmente, as tochas não deveriam ser vendidas, mas passadas de geração para geração.

“Quem não recebeu a tocha de um patrocinador pagou por ela R$ 1.985. Há pessoas vendendo por desde R$ 4.000 a R$ 60 mil”, conta Maia. “Quero a tocha, pois sou um colecionador de qualquer objeto raro —apesar que a tocha não é rara, foram distribuídas 12 mil delas, o que é coisa para caramba—, mas eu gostaria de ter uma porque foi feito um evento no meu país e eu sou super patriota.”

Maia conta, porém, que alguns vendedores, ao saberem que ele é filho de Tim Maia, tentaram inflacionar o preço do objeto. Por conta disso, segundo ele, até agora não fechou negócio.

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