Pará premia invasores de terras públicas com subsídio de R$ 6,7 bi, mostra cálculo do Imazon

Área devastada em Pacajá, no Sudoeste do Pará; foram mais de 53,3 mil hectares desmatados em todo o estado no ano passado (EVARISTO SA / AFP)

Com informações do Infoglobo

SÃO PAULO – Estado onde se registra o maior desmatamento do País, o Pará está premiando invasores com um subsídio estimado em R$ 6,7 bilhões para regularizar terras públicas ocupadas, desde que tenham entre 100 hectares e 2.500 hectares, segundo o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). O cálculo do instituto é baseado no impacto do decreto n° 1.684, editado em junho pelo governo paraense.

Segundo o estudo, o preço do hectare custa, em média, R$ 3.684 no mercado de terras privadas do Pará. Antes do decreto, as terras públicas do Estado podiam ser privatizadas por apenas R$ 137 o hectare. O preço caiu para R$ 44 por hectare, o que significa apenas 1,2% do valor no mercado privado. O preço é inferior ao de um botijão de gás.

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Pesquisadora do Imazon responsável pelo levantamento, Brenda Brito explica que a chave do baixo valor está nos descontos aplicados ao preço de referência do decreto, em média, de R$ 549 por hectare.

“O que fizemos foi aplicar a metodologia completa de cálculo a imóveis inseridos no Cadastro Ambiental Rural e passíveis de regularização de posse. Há inúmeros descontos que reduzem drasticamente o preço de referência inicial, como o fato de não ter estrada asfaltada e a distância da área requerida com a sede do município, por exemplo”, explica.

O cálculo foi feito aplicando as regras do decreto a 5.450 imóveis inscritos no Cadastro Ambiental Rural e sobrepostos a áreas públicas estaduais ainda sem uso definido. Brenda lembra que são justamente essas áreas as preferidas dos grileiros. Eles desmatam as florestas públicas, ocupam com bois e depois reivindicam a posse, conta a pesquisadora.

A discussão para mudar as regras de privatização das terras públicas no Pará começou com o preço de referência em R$ 923 por hectare, acima dos R$ 618 definidos pelo Incra. Na ocasião, os representantes do agronegócio queriam a redução porque diziam que o preço era alto. Porém, Brenda verificou que mesmo antes do decreto o preço pago era de apenas R$ 137. No ano passado, o Pará foi responsável por 40% do desmatamento na Amazônia.

Brenda ressalta que não há também, para a legalização da terra, exigência de regularização de passivos ambientais em nome dos futuros proprietários, seja na própria terra a ser adquirida ou em outras propriedades no Estado.

Embora o decreto cite que o valor vale para áreas ocupadas até 2014, há brecha para a regularização de invasões mais recentes, segundo a pesquisadora: a decisão sobre elas será da Câmara Técnica de Destinação de Terras Públicas, ainda não instalada, que terá maioria de representantes do governo do Estado e de empresários do agronegócio. A representação de indígenas, estudiosos e quilombolas será menor.

Para a pesquisadora, o debate sobre a venda de terras públicas costuma ser mascarada pela discussão da posse. Os que se apresentam como posseiros foram anteriormente invasores ou favorecidos por grilagem realizada por terceiros. Na avaliação dela, a cada ciclo de regularização fundiária a regra acaba fortalecendo ainda mais o esquema de invasão de terras públicas.

Brenda cita como exemplo propriedades dentro da Área de Proteção Ambiental do Xingu, foco de regularização fundiária no Pará. É a mais desmatada da Amazônia. Foram 43,6 mil hectares de floresta destruídos em 2020 e 53,3 mil hectares em 2021.

Brenda avalia que o alcance do decreto pode ser ainda maior, porque impede apenas a privatização de áreas com 100% de cobertura vegetal. Mesmo que o invasor invista para desmatar apenas 1%, consegue a posse de uma área mais vasta do que a de fato ocupou. Ou seja, florestas quase intactas poderão ser vendidas.

O anúncio do decreto foi feito durante o 55° Encontro Ruralista, em junho. O governador Helder Barbalho (MDB) afirmou na ocasião que dialogava com o setor para “potencializar a construção do ambiente de investimento” e desburocratizar. No mesmo evento, o secretário de Desenvolvimento Agropecuário e da Pesca, Alfredo Verdelho Neto, acescentou que o decreto facilita a vida dos produtores rurais e que o valor da terra nua era “anseio antigo para quantificar o valor das terras sem dono”, como se referiu às áreas públicas do estado.

O governo do Pará informou que a medida é “um avanço para contribuir na regularização fundiária do produtor rural e do agricultor familiar que cumprem os requisitos legais”. “O Estado entende que não promover a regularização fundiária daqueles que cumprem os requisitos legais é uma característica de poder público ausente e, consequentemente,  estímulo a grilagem, desmatamento e demais crimes ambientais”, informou, por meio de nota.

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