Com apoio do PT de Lula e do PL de Jair Bolsonaro, a proposta revoga a determinação de que negros devem receber verba eleitoral de forma proporcional ao número de candidatos — em 2022, pretos e pardos somaram 50,27% das candidaturas —, concede perdão a irregularidades e abre ainda um generoso e perpétuo programa de refinanciamento de débitos aos atuais 29 partidos políticos.
A PEC precisa ser aprovada ainda em segundo turno, o que deve ocorrer ainda nesta quinta. Depois disso, segue para o Senado. Por ser uma emenda à Constituição, caso seja aprovada pelos senadores ela é promulgada diretamente, sem necessidade de veto ou sanção presidencial.
Sobre a questão de negros, a PEC tem o objetivo de derrubar a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que obriga os partidos a distribuir a bilionária verba de campanha de forma proporcional ao número de candidatos brancos e negros (pretos e pardos).
Deputados durante a sessão que votou a PEC da Anistia (Vinicius Loures/Câmara dos Deputados)
A proposta aprovada agora estabelece uma redação que sofreu diversas modificações nos últimos dias, várias delas feitas nesta quinta-feira. Pelo texto que acabou sendo votado, os partidos aplicarão 30% dos recursos nas candidaturas de negros —ou seja, reduzindo o percentual de cerca de 50% para 30%.
Para as demais eleições, o projeto diz que os partidos que descumpriram a cota racial em 2020 e 2022 podem compensar essa distorção nas quatro disputas seguintes, de 2026 em diante, escapando assim de punição.
Apesar de reduzir a verba que visa estimular a participação de negros na política, o relator da PEC, Antonio Carlos Rodrigues (PL-SP), tentou passar em seu parecer a impressão de que a medida é benéfica a pretos e pardos.
“A destinação de uma cota constitucional de 30% do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e do Fundo Partidário para candidaturas de pessoas pretas e pardas é um importante avanço na democracia brasileira. Essa medida visa a promover a inclusão e valorizar a diversidade racial, reconhecendo-as como pilares constitucionais no âmbito dos direitos políticos“, declarou.
Apesar de dizer que não tem nenhum interesse pessoal na medida, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), foi o responsável por levar a medida a votação no plenário. De todos os partidos com representação na Câmara, apenas o esquerdista PSOL e o direitista Novo se colocaram contra a medida.
O presidente da Câmara, Arthur Lira, durante a sessão da PEC (Gabriela Biló/Folhapress)
Nesta quinta, Lira defendeu a PEC e disse que ela não visa perdoar anistiar penalidades, mas dar previsibilidade aos partidos para cumprimento das cotas.
Mesmo com o amplo apoio partidário, a tramitação da PEC não teve quase nenhuma discussão pública e nem chegou a ser votada na comissão especial pela qual toda emenda à Constituição tem que passar. Como isso não aconteceu no prazo regimental, Lira levou o tema diretamente a plenário.
A redação original da PEC estabelecia o maior perdão da história a irregularidades cometidas pelos partidos, incluindo o descumprimento das cotas para mulheres e negros.
Diante da impopularidade da medida, o texto foi sendo alterado ao longo da tramitação, mas entidades da sociedade civil que acompanham o assunto afirmam que a redação aprovada mantém a possibilidade de uma ampla anistia a fraudes partidárias.
O texto coloca na Constituição que a imunidade tributária aos partidos estende-se a todas as sanções de natureza tributária, exceto as previdenciárias, abrangendo os processos de prestação de contas eleitorais e anuais.
“Na prática, estariam anulados todos os tipos de sanções aplicadas, configurando-se uma anistia ampla e irrestrita para todas as irregularidades e condenações de partidos políticos e campanhas eleitorais”, diz nota pública encabeçada pelas ONGs Transparência Partidária e Transparência Internacional.
A nota diz que a PEC tem potencial de “comprometer de maneira insanável o aprimoramento” da democracia”. “A proposta de emenda é uma ameaça para a candidatura de mulheres e pessoas negras, à integridade dos partidos políticos e à Justiça Eleitoral”, diz o documento.
“No fecho legislativo do semestre, volta a PEC 9, sinistra! Lira disse que ia pautar essa autoanistia aos partidos ’em agosto’. Ao vê-la pautada para hoje, percebemos que era… ‘ao gosto’ dele! E de quase todos os partidos, do PT ao PL, que apoiam essa PEC escandalosa”, escreveu o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) em suas redes sociais.
O texto final da PEC acabou não tratando do caso das mulheres. Permanece a determinação de aplicação de recursos proporcional ao número de candidatas, que não deve ser inferior a 30%.
As cotas visam estimular a participação na política. Apesar de serem maioria na população, mulheres e negros são minoria no Congresso e no Executivo.
Mudanças
Além da questão dos negros e do perdão tributário, a PEC da Anistia abre um Programa de Recuperação Fiscal (Refis) específico para partidos políticos, seus institutos ou fundações, “para que regularizem seus débitos com isenção dos juros e multas acumulados” em prazo de até 180 meses.
A redação deixa a possibilidade de os partidos aderirem a esse Refis a qualquer tempo, o que foi classificado pela deputada Adriana Ventura (Novo-SP) como um “Refis eterno”. O texto também autoriza os partidos a usar recursos públicos do Fundo Partidário para pagar penalidades, entre elas oriundas de uso de caixa dois.
Por fim, a PEC coloca na Constituição até previsões que, normalmente, constariam apenas em leis ou resoluções. Se a PEC for aprovada de forma definitiva, por exemplo, o Pix, criado em 2020, entrará para a Constituição.
Constará na Carta Magna da República a determinação de que “é dispensada a emissão do recibo eleitoral” na hipótese de “doações recebidas através de Pix pelos partidos, candidatos e candidatas”.
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