Perseguição, tiroteios e naufrágio: leis e discursos antiambientais influenciam violência contra fiscalizadores, em RO

Para especialistas, discursos, alinhamentos políticos e leis de RO favorecem a impunidade e os ataques contra fiscalizadores (Reprodução/Ibama)
Iury Lima – Da Revista Cenarium

VILHENA (RO) – Rondônia, o Estado que mais matou em conflitos no campo, em 2021, de acordo com os dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), vive uma escalada de violência “fora do comum”. Troca de tiros durante fiscalizações, agentes da Polícia Militar Ambiental (PMA) perseguidos e coibidos na tentativa de apreender madeira irregular e até o naufrágio de uma embarcação utilizada por PMs em uma operação contra o garimpo, no Rio Madeira, protagonizam os mais recentes ataques. Um reflexo dos discursos, alinhamentos políticos e leis estaduais aprovadas a favor de invasores de terras públicas, na avaliação de especialistas e defensores da causa ambiental. 

“É um absurdo o que vem ocorrendo em Rondônia e no Brasil. Não é à toa que este é o Estado que mais mata lideranças do campo, lideranças ambientalistas e lideranças indígenas”, lamentou o ex-secretário de Meio Ambiente de Porto Velho e tecnólogo em Gestão Ambiental Edjales Benício, em entrevista à REVISTA CENARIUM.

Dragas de garimpo ilegal sobre o Rio Madeira, em Porto Velho (Reprodução/Jota Gomes)

‘Naufrágio’ no Rio Madeira

O mais recente ataque ocorreu em Porto Velho, na madrugada do dia 8 de julho, uma sexta-feira, e segue em investigação desde então. Naquela ocasião, quatro policiais do Batalhão Ambiental de Rondônia foram reprimidos por garimpeiros no Rio Madeira. Os criminosos afundaram a lancha voadeira em que os agentes estavam, utilizando uma embarcação maior.

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O “naufrágio” do barco da polícia foi uma resposta à operação de fiscalização contra o garimpo ilegal, realizada pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Ambiental (Sedam-RO), com apoio da PM, em uma Área de Preservação Permanente (APP), nas proximidades da Usina Hidrelétrica Santo Antônio, onde a extração de minérios não é permitida. De acordo com a Polícia Ambiental, a região estava tomada por 10 dragas garimpeiras em pleno funcionamento – drenando o fundo do rio.

Ainda conforme o registro de ocorrência, ao perceber a aproximação da polícia, pelo menos dez garimpeiros fugiram em uma voadeira; foi quando teve início a perseguição dos PMs contra os infratores. Logo em seguida, a guarnição foi surpreendida por um segundo barco – este ainda maior -, que impediu a continuidade do trajeto sobre o Rio Madeira e conseguiu virar a lancha dos agentes fiscalizadores.

Os homens foram resgatados por um barco rebocador particular que passava pela área. A embarcação dos PMs também foi recuperada e nenhum policial ficou ferido. Os garimpeiros – 20 homens, no total – conseguiram fugir. Ninguém foi preso ou, ao menos, identificado.

Toda a ação foi filmada pelos agentes em um celular, mas o aparelho foi danificado pela água, segundo a polícia. A Sedam-RO, procurada pela reportagem da CENARIUM, não se manifestou.

Descalabro

Este não é um caso isolado. Uma semana antes, fiscais da Sedam e policiais militares foram atacados a tiros durante uma fiscalização de rotina no Parque Estadual (PES) de Guajará-Mirim, distante mais de 200 quilômetros de Porto Velho.

Os disparos foram feitos por homens encapuzados, enquanto os fiscalizadores passavam por uma estrada aberta, dentro da reserva, por criminosos interessados em tomar posse, ilegalmente, de lotes da área. Houve troca de tiros entre os invasores e os PMs que faziam a segurança dos fiscais. Os agentes da secretaria ambiental tiveram de se esconder atrás da viatura da Polícia para se proteger do fogo cruzado. Também, ninguém ficou ferido.

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Agentes da Sedam-RO se escondem atrás de viatura da PM durante troca de tiros em reserva ambiental (Reprodução/Polícia Militar)

Para Edjales Benício, que também é conselheiro da ONG Kanindé, apesar de alarmante, a situação não apresenta nenhuma novidade. “É o que a gente sempre vem denunciando: em Rondônia, o crime organizado e crime ambiental prosperam. São verdadeiras milícias organizadas e armadas. Bem se vê que nem as forças policiais os invasores respeitam, imagine, então, se vão respeitar quem luta a favor do meio ambiente. É um verdadeiro descalabro o que vem acontecendo”, disse o especialista.

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Para o ex-secretário de Meio Ambiente de Rondônia, a escalada de violência já não é novidade no Estado (Reprodução/Acervo Pessoal)

Violência inflada por políticos

No mês passado, outro episódio: madeireiros cercaram uma viatura da Polícia Militar que tentava apreender um carregamento de madeira ilegal. A situação foi gravada por um dos próprios integrantes do grupo criminoso, na região do município de Cujubim, próximo da fronteira entre Rondônia e Amazonas.

O vídeo abaixo mostra vários carros cercando o veículo da polícia para impedir que a PM persiga um caminhão carregado com toras de madeira. Neste caso, o problema não foi a violência, mas a escancarada falta de respeito – e de limites – dos infratores, mesmo diante das autoridades. “Tampa aí, tampa aí, ó [a passagem dos policiais] (…) não pode deixar passar”, diz um dos madeireiros.

Vídeo gravado por madeireiro mostra ação do grupo contra policiais militares, em Rondônia (Reprodução/Redes Sociais)

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Presidente da ONG Kanindé, a indigenista Ivaneide Bandeira Cardozo, mais conhecida por Neidinha Suruí, no meio do ativismo ambiental, vê relação dessa escalada de violência e de crimes contra os ecossistemas com a retórica de representantes do povo. “O incentivo de políticos em seus discursos fortalecem os infratores, que se veem protegidos e fortalecidos para continuarem a promover o crime ambiental”, disse a ativista à reportagem.

A indigenista, ambientalista e presidente da ONG Kanindé, Ivaneide Bandeira Cardozo (Gabriel Uchida/Kanindé/Reprodução)

Para ela, são falas como as do secretário de Meio Ambiente de Rondônia, Marco Antonio Lagos, que criticou, durante a maior feira de agronegócio da Região Norte, a criação de novas Unidades de Conservação (UCs), bem como as declarações do deputado estadual – atualmente, com mandato cassado – Geraldo da Rondônia (PSC), feitas aos berros, incentivando a população, em nome dele, a incendiar veículos de órgãos fiscalizadores que inflam a sensação de conforto com a impunidade.

Leia também: Vídeo: em feira agro, secretário de Meio Ambiente de RO diz que é ‘desumano’ criar UCs e defende apoio a ruralistas 

“A violência ficou banalizada nas falas de quem deveria se contrapor. Quando uma campanha política e, depois, todo um mandato é feito com o discurso de armar a população, isto só gera mais violência. Quando os órgãos de controle e comando são enfraquecidos e sucateados, isto só gera falta de respeito e violência, e estamos vendo isso refletido nos ataques às equipes de fiscalização”, disse ainda Cardozo.

Rondônia em (tristes) números

Segundo relatório da Comissão Pastoral da Terra, publicado em abril deste ano, Rondônia foi, em 2021, o Estado campeão em mortes geradas por conflitos no campo, com um total de 11 assassinatos.

RO lidera mortes no campo

EstadoMortes por conflitos no campo em 2021
Rondônia11
Maranhão 9
Roraima:3
Tocantins3
Rio grande do Sul3
Pará2
Bahia2
Mato Grosso1
Goiás1
Fonte: Comissão Pastoral da Terra (CPT)

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Naquele mesmo ano, a CPT contabilizou 35 crimes contra a vida por conflitos de terra em todo o território nacional, sendo que 10 vítimas, a maioria delas, eram indígenas. 

Além disso, Rondônia se tornou, em 2021, palco de um novo massacre fruto de uma ação policial, segundo a pastoral: três trabalhadores sem-terra acabaram mortos. Para a entidade, enquadram-se como massacre “toda ocorrência de violência em que três ou mais pessoas são assassinadas”

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