Pesquisa indica que 60% dos brasileiros tem preferência por candidato gay à Presidência

Após quatro anos de indiferença, políticas voltadas à população LGBTQIAP+, negros e imigrantes voltam a ser contempladas em ministérios do governo federal (Antonio Cruz/ABr)
Priscilla Peixoto – Da Cenarium

MANAUS – A possível eleição de um presidente gay pode representar equidade e respeito aos direitos LGBTQIA+ no Brasil. A conclusão parte de especialistas entrevistados nesta quinta-feira, 12, a partir da análise da pesquisa Impacto da orientação sexual dos candidatos sobre a intenção de voto ― Posicionamento político do eleitorado LGBT, realizada pelo Instituto Atlas.

O material revelou que 60% dos eleitores declaram que votariam em um candidato à Presidência da República assumidamente homossexual. O material foi divulgado pelo El PAÍS na quarta-feira, 11. O resultado do levantamento surpreende pelo fato do Brasil ser justamente um dos países que mata e maltrata pessoas LGBTQIA+ no mundo e, atualmente, ser governado por um líder que dispara falas homofóbicas.

Na interpretação do professor de Serviço Social da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e militante social, Jeffeson William, a pesquisa mostra um certo amadurecimento. “Vejo um amadurecimento que deve ao trabalho do movimento LGBTQIA+ que vem atuando intensamente desde a década de 80. Sem as iniciativas que o movimento vem fazendo, essa percepção seria impossível e inviável”, ressalta Jeffeson.

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Para o profissional, a preferência também representa uma reação ao governo na medida em que ele representa um “desfinanciamento” da população LGBTQIA+. “Muita gente que votou no Bolsonaro, dentre eles pessoas da comunidade, que hoje se veem arrependidas, pois constataram que esse voto não se reverteu em melhoria na qualidade de vida. O preconceito só aumentou, o custo de vida está altíssimo e as pessoas continuam desempregadas, sobretudo a população LGBT”, explica o educador.

Dados

A pesquisa traz em detalhes alguns dados ligados ao posicionamento e intenção de voto dos 2.884 entrevistados entre os dias 26 e 29 de julho. Parte dos entrevistados, por exemplo, votar em um candidato homossexual ainda é algo fora de cogitação. Cerca de 17% não apresentaram opinião formada sobre o assunto. Outro ponto exposto no levantamento é que mulheres são mais progressistas que homens.

Entre o eleitorado feminino, o apoio a possíveis candidatos políticos LGBTQIA+ somou 69%, frente a 50% entre os homens. Se tratando de rejeição, as mulheres também se mostraram menos resistentes ao assunto com 19% declarando que não escolheria um candidato declaradamente homossexual. No caso dos homens, a porcentagem subiu para 29% dos entrevistados.

Quando se mescla política com religião, o resultado tende a ser mais conservador, isso porque o eleitorado evangélico compõe uma parte da base apoiadora do governo liderado por Jair Bolsonaro. Segundo a pesquisa, eles correspondem em média 30% dos 210 milhões de brasileiros. A soma dos que não votariam em um candidato gay chega a 42%. Entre os católicos, por exemplo, a taxa cai para 17%, seguidos de 14% de outras religiões e 7% de agnósticos e ateus.

Em via contrária, 76% dos entrevistados adeptos de outras religiões afirmaram que ajudariam a eleger um homossexual. Seguidos de 74% agnósticos ou ateus, 66% católicos e 38% evangélicos que responderam sim ao apoio de um candidato gay.

A pesquisa foi realizada pelo Instituto Atlas e ouviu 2.884 pessoas durante quatro dias (Reprodução/Internet)

Diálogos e pluralidade

Com relação aos dados detalhados, Jeffeson faz considerações pontuais. Dentre elas, a necessidade de diálogos e representações plurais aliadas a uma implementação de educação pública de qualidade possibilitando fazer uma leitura mais ampla e diversa.

“As religiões evangélicas são umas das mais conservadoras do nosso País, mas não devemos generalizar. Penso que um dos direcionamentos, sobretudo a esquerda brasileira, possa estabelecer diálogos com o segmento evangélico, pois é fundamental para estabelecermos diálogos sobre estado laico, pluralidade religiosa para que o Brasil tenha uma reciprocidade maior entre as religiões”, avalia Jeffeson.

O levantamento segundo o professor, possivelmente expressa a ânsia de pessoas historicamente invisibilizadas por uma atuação e representação mais plural tanto no Executivo quanto no Legislativo que devem expressar a pluralidade nos modos de existência.

“A gente precisa ter mulheres LGTBTs, negros, PCDs, amazônidas, população jovem, pessoas do Norte e Nordeste do País. É importante que estejamos representados por todos”, ressalta o professor que chama a atenção para a questão da representatividade.

“É importante dizer que não basta só apoiar, tem que ser uma representatividade que possa trazer essa perspectiva dos direitos e fortalecimentos das políticas públicas e uma compreensão da classe trabalhadora como um todo. É construir algo que represente a comunidade, mas que tenha essa dimensão de ampliação de direitos, classes e que atenda a maioria da população”, pontua Jeffeson.

Desgaste

Para o professor e educador comunitário, Gabriel Mota, o resultado das pesquisa representa um possível desgaste que o governo esteja passando em consequência da trajetória que vem trilhando e a necessidade de por em prática um pensamento mais progressista.

“Isso expressa que a política não está, mas a sociedade sim, ainda que devagar, avançando quanto ao entendimento dos direitos civis dos grupos minoritários. Mostra um certo cansaço quanto à postura deste governo. Ainda que o Brasil esteja ‘estagnado’ no campo legislativo por pessoas que seguem uma agenda fundamentalista, acredito que as adversidades que passamos abrem um campo para termos outras perspectivas sobre a política, direitos sociais entre outras”, defende Mota.

O apoio a possíveis candidatos políticos LGBTQIA+ somou 69%, frente a 50% entre os homens (José Cruz/Agência Brasil)

Educação liberta

No fator educação, os resultados percentuais mostram a fundamental importância do estudo como ferramenta de combate ao preconceito e entendimento de que o mundo é diverso e plural. Entre os que detêm maior nível de escolaridade, como o ensino superior, a propensão para escolher um candidato gay para assumir a Presidência da República chega a 73%.

As pessoas que possuem ensino médio bateram um índice de 60% de aceitação, já a com nível fundamental chegaram a 51% que apoiariam a candidatura. A rejeição soma 16% dos entrevistados com ensino superior, 25% daqueles que disseram ter ensino médio e fecha com 27% para os que afirmaram ter ensino fundamental. A pedagoga Francisca Ernesto explica que os números positivos no âmbito da educação se dá por conta do despertar de um novo olhar que ela possibilita.

“A educação em todos os sentidos liberta, abre a mente, quebra barreiras e nos torna mais autocríticos. Quanto mais você se informa e se aprofunda, mais você compreende o outro e tende a não dar espaço para práticas preconceituosas e entende que dentro de uma sociedade o respeito e empatia é o melhor caminho, por isso quando falo aqui de educação também me refiro à criação que vem de casa. Escola, universidades, educadores contribuem muito, mas a educação e criação e vem de casa é primordial para formar um cidadão que contribua positivamente para a sociedade”, explica a pedagoga.

Representatividade

Na análise da ativista e presidente da parada do orgulho LGBT em Manaus, Bruna La Close, o desempenho do atual governo e as situações constrangedoras que a comunidade passa constantemente têm contribuído para o interesse da população LGBTQIA+ e aliados para imergir na política em busca de representatividade.

“A população LGBTQIA+ vem buscando ao passar dos anos se politizar e ser mais participativa na política partidária. Como foi mostrado no resultado da última eleição no Brasil, nossa comunidade vem ocupando cada vez mais espaços. Esse interesse político partiu da falta de políticas públicas voltada para nós, o avanço da LGBTFobia e esse desgoverno totalmente descontrolado em todas as áreas tornou o interesse ainda mais profundo dos LGBTQI+ de participar”, declara Bruna.

Há mais de 20 anos na luta pela causa LGBTQIA+, Bruna que também já se candidatou ao cargo de vereadora em Manaus, aspira que a pesquisa se torne, enfim, uma realidade vivida principalmente por aqueles que anseiam uma representação política.

“Mesmo com os diversos ataques direcionados a nós, desmoralizando nossa luta por espaços, vamos continuar firmes! Buscando melhorar o cenário, por meio de um acento no legislativo. Nossa luta é por dignidade respeito, inclusão e que o nosso Brasil tão imenso cheio de cores, tão farto de diversas culturas tenha de fato representantes que represente seu povo”, finaliza La Close.

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