Pesquisador aponta Pará como principal braço do CV na Amazônia
Por: Fabyo Cruz
31 de outubro de 2025
BELÉM (PA) – O avanço do Comando Vermelho (CV) na Amazônia e a consolidação no Pará, Estado-sede da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), como principal base da organização criminosa na região foram temas abordados pelo geógrafo Aiala Colares Couto, professor da Universidade do Estado do Pará (Uepa) e pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em entrevista à CENARIUM. Para ele, o Estado tornou-se um ponto estratégico para o crime organizado, articulando rotas do narcotráfico, garimpo ilegal e contrabando, em meio à ausência de políticas públicas e à expansão das facções pelo Norte do País.
As declarações do pesquisador ganham relevância diante da megaoperação policial realizada no Rio de Janeiro, na última terça-feira, 28, que mirou cerca de 100 suspeitos – entre eles 32 paraenses investigados por crimes de tráfico de drogas, homicídios, extorsão e ataques às forças de segurança. A Operação Contenção resultou em mais de 120 mortes, incluindo quatro policiais, e motivou críticas de organizações da sociedade civil e de especialistas em segurança pública.
Aiala Couto, que também é presidente do Instituto Mãe Crioula (IMC), aponta que a presença do Comando Vermelho no Pará é fruto de um processo iniciado há mais de uma década, dentro do sistema prisional. “Em 2012, traficantes paraenses foram transferidos para o presídio federal de Mossoró (RN), onde ocorreu o chamado ‘batismo’ desses detentos pelo CV”, afirmou. “A partir daí, houve a adesão formal de facções locais à organização carioca, o que deu origem a um braço amazônico do Comando Vermelho”.

De volta ao Estado, esses detentos comunicaram o “salve” – a autorização para a facção atuar oficialmente em território paraense. O movimento coincidiu com a disputa pelas rotas de drogas no Rio Solimões, até então controladas pela Família do Norte (FDN) – organização criminosa que atuava principalmente na região Norte do País, com forte presença no Amazonas. Desde então, o Pará passou a integrar o mapa da expansão territorial do CV, com presença consolidada em diversas regiões, incluindo áreas urbanas e comunidades ribeirinhas.

“Hoje o Comando Vermelho se articula com redes ilícitas ligadas ao tráfico, ao garimpo e ao contrabando, o que faz do Pará um ponto-chave na estrutura criminal amazônica”, observou o pesquisador Aiala Couto.
Ausência do Estado
Para o pesquisador, a eficácia das operações contra facções é limitada porque o foco recai sobre os níveis mais baixos da hierarquia criminosa, enquanto os chefes e financiadores permanecem intocados: “Grande parte das ações repressivas se concentra nas comunidades vulnerabilizadas, na materialização do tráfico territorializado em favelas e periferias”, avalia. “Enquanto isso, os reais articuladores — que movimentam bilhões de dólares e vivem em conforto e status social — seguem protegidos por esquemas de lavagem de dinheiro e ausência de controle financeiro”.

Aiala Couto destaca, ainda, que a ausência do Estado em áreas periféricas e a falta de políticas de segurança, educação e inclusão social criam o ambiente ideal para o avanço das facções. “Nesses territórios, o crime passa a exercer uma espécie de ‘gestão local’, criando laços de pertencimento e proteção, ainda que baseados na coerção e na violência”, afirmou.
O resultado, segundo ele, é a criminalização da pobreza e a naturalização da necropolítica estatal. “Há mais de três décadas, essas operações se repetem no Brasil e na América Latina, sem reduzir a violência nem o poder das facções. O mercado global de drogas, estimado pela ONU entre US$ 450 e 650 bilhões, continua alimentando essas redes ilícitas”, pontua.
Trinta e dois alvos paraenses
O Governo do Pará confirmou à imprensa que 32 mandados de prisão e busca e apreensão expedidos pela Justiça paraense foram cumpridos no âmbito da Operação Contenção, deflagrada no Rio de Janeiro. O secretário de Segurança Pública e Defesa Social do Pará, Ualame Machado, informou que até a tarde de quarta-feira, 29, cinco paraenses foram presos e outros 15 morreram em confronto com as forças de segurança. Os investigados atuavam em municípios como Belém, Ananindeua, Cametá, Tucuruí, Castanhal, Abaetetuba, Ipixuna do Pará e Irituia.

Segundo Machado, a operação teve papel fundamental na identificação de criminosos de alta periculosidade. “Todos os alvos localizados são pessoas de relevância na organização criminosa, envolvidas em extorsões, ataques a viaturas, tráfico e homicídios. Seguiremos trabalhando com forte investigação para localizar os demais”, declarou. O governo estadual informou, ainda, que segue atuando por meio de agências de inteligência e na troca de informações entre Estados, para combater o crime organizado e prender suspeitos foragidos.
ONG condena ação
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública, organização da qual Aiala Colares é integrante, divulgou uma nota de repúdio à operação nos complexos da Penha e do Alemão. O texto critica a magnitude da letalidade – mais de 120 mortos – e questiona a ausência de coordenação federativa e de integração entre investigação criminal e inteligência financeira, como as do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e da Receita Federal.
Para o Fórum, ações como essa não atingem as estruturas do crime organizado, mas reproduzem a violência nas periferias. “Os mortos, muitos dos quais eram crianças em 2010, quando da última grande operação no Complexo do Alemão, serão rapidamente repostos pelo crime organizado, que não será afetado pela operação”, diz o comunicado.
A entidade também criticou a forma como os corpos foram deixados na mata, sem isolamento da cena do crime. “Não é sobre ideologia, é sobre a observância da lei”, diz o texto, apontando que a ação teria sido conduzida com viés político, mais voltado à retórica do “morticínio” do que ao planejamento técnico.