Pesquisadora é a primeira pessoa não-binária do Amazonas a conseguir reconhecimento em cartório; ‘Oficialmente a Álex existe’
18 de abril de 2022
Aléx Sousa conquistou a identificação de pessoa não-binaria na certidão de nascimento. (Imagens: Yasmin Siqueira)
Ívina Garcia – Da Revista Cenarium
MANAUS – Após seis meses de jornada, a estudante e pesquisadora Álex Souza de Sá, 20 anos, se tornou a primeira pessoa não-binária do Amazonas registrada em cartório. O anseio pelo reconhecimento já existia dentro de Álex. Há anos, a vontade de ter seu gênero respeitado e registrado levaram a jovem recorrer à Justiça.
No Amazonas, a pesquisadora encontrou pouco amparo das leis e quase nenhum apoio judicial para a mudança no registro, foi então após uma publicação da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, no qual o órgão estava realizando uma ação, disponibilizando sentença judicial para os cartórios retificarem nome e gênero, que a jovem enxergou uma chance de ter seu reconhecimento oficial.
Pessoas não-binárias são aquelas que não se identificam exclusivamente com os gêneros masculino e feminino e atendem por pronomes neutros, ou do gênero que se sentirem confortáveis.
Certidão de Álex Souza (Reprodução)
Como estudante e pesquisadora do Pibic/Ufam, Álex conta que o processo começou antes mesmo da viagem, quando economizou meses de bolsa para viajar de Manaus ao Rio de Janeiro. Recebendo apenas R$ 400,00, ela conseguiu viajar em fevereiro deste ano para a capital carioca.
“E deu tudo certo, cheguei no RJ, participei da ação, e peguei a sentença. Naquele momento, eu era, parcialmente, uma cidadã não-binária brasileira, só precisava efetivar a retificação no Amazonas”, relembra.
Obstáculo
Ao chegar em Manaus, Álex se deparou com mais um obstáculo, o cartório em que constava seu registro não possuía no sistema o gênero não-binário.
“Eu tive que ouvir dizerem que “esse gênero não existe”, me disseram que iam consultar um juiz, e foi isso que recebi de retorno. Eu tinha que ficar mandando mensagem perguntando sobre a alteração no sistemas de registros, pois são configurados no binário masculino e feminino”.
Após mais um mês de insistência, Álex recorreu à Defensoria Pública do Amazonas, solicitando o cumprimento da sentença por parte do cartório, que seguia sem atualizar o sistema.
“E só assim eu finalmente consegui retificar meu nome e gênero, oficialmente a Álex existe, a primeira amazonense não-binarie retificada juridicamente no Estado e, possivelmente, a primeira da Região Norte também.”
Reconhecimento e aceitação
Desde pequena, Álex se reconhecia como fora da heteronormatividade. Ela conta que, apesar de não entender e identificar suas nuances, quando criança, a sociedade moldou Álex a agir como um menino, mas a natureza dela era diferente. Em uma primeira descoberta, ainda na adolescência, ela acreditou ser um menino gay, e embora tenha se assumido como um, a sensação de não pertencimento ainda existia.
“Um fato que me marcou muito, foi no ensino fundamental. Em um dia específico eu estava brincando de ‘trissilomé’ com uma colega, e a mãe de um aluno chegou comigo e disse que eu não podia estar brincando daquilo porque era brincadeira de menina, eu fiquei revoltada e naquele dia eu disse para ela: ‘eu não quero ser menina nem menino, eu só quero brincar em paz’”.
Porém, foi somente no ensino médio que as questões de identidade de gênero voltaram com força e causaram uma confusão maior na cabeça de Álex. Ela não se reconhecia como homem e sequer se via como uma mulher.
“Em um determinado dia, fui pesquisar sobre esse sentimento de não pertencimento, e eu cheguei na Bryanna Nasck, uma influencer que falava sobre a não-binariedade. E quando eu ouvi o que ela dizia nos seus conteúdos, eu me senti contemplada, completamente, com o termo. Percebi que eu não sou obrigada a ser algo que a sociedade tenta nos impor sempre. A não binariedade me trouxe a paz que eu queria, ela me deu a liberdade para que eu possa construir a minha identidade com as minhas próprias mãos”.
(Foto: Yasmin Siqueira)
A jornada de Álex é mais uma das milhares de pessoas não-binárias em busca da retificação de sua identidade. Por ser a primeira do Estado, abre espaço para que outres consigam garantir seus direitos com menos dificuldades. Ela acredita que sua luta nada mais é do que um ato político e crítico.
“Saliento que essa minha jornada não deve ser romantizada, quero que seja um motivo de crítica e um motivo de luta. O Amazonas tem muito que avançar em quesito de amparo às pessoas trans, e muito mais quando se trata de pessoas não-binárias. A largada está dada! Nós vamos fazer as instituições se adaptarem às nossas realidades, silenciadas na colonização, com o extermínio dos povos indígenas que carregavam consigo outros gêneros para além de masculino e feminino”, conclui.
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