‘Pessoas desmaiaram’: brasileiros deportados dos EUA relatam humilhação ao desembarcarem algemados


Por: Ana Pastana e Maria Eduarda Furtado

25 de janeiro de 2025
‘Pessoas desmaiaram’: brasileiros deportados dos EUA relatam humilhação ao desembarcarem algemados
Brasileiros deportados saindo algemados de avião (Composição de Paulo Dutra/Cenarium)

MANAUS (AM) – Os 158 passageiros deportados dos Estados Unidos da América (EUA), durante a noite desta sexta-feira, 24, desembarcaram no Aeroporto Internacional Eduardo Gomes, em Manaus (AM), em condições degradantes. Usando algemas nas mãos e nos pés, eles saíram da aeronave, que tinha como destino Belo Horizonte (MG), após uma pane elétrica. Os registros foram obtidos com exclusividade pela CENARIUM.

Do total, 88 passageiros são brasileiros que, além das falhas na aeronave, relataram má alimentação e agressões durante o voo que saiu da cidade de Alexandria, localizada no Estado da Virgínia, nos EUA.

Nas imagens exclusivas obtidas pela CENARIUM, é possível notar os deportados caminhando com dificuldade por estarem utilizando algemas nos pés e nas mãos. Um grupo de um pouco mais de sete pessoas são os primeiros a deixarem a aeronave que aparece ao fundo da filmagem, da empresa privada GlobalX, nas cores azul e branco.

“Agrediram os meninos. Eu fiquei sentado até chegar ao meu limite, mas não aguentei mais. Pessoas desmaiaram. Eu pedi para sair e ele [um agente] me enforcou. Puxou minha algema, e eu estava algemado no pé e na barriga, não tinha como fazer nada. O meu braço de segurança ficou sangrando porque puxaram minha corrente, me apertando“, relatou o vigilante Jeferson Maia que estava no voo.

De acordo com Jeferson, as agressões começaram logo após o pouso da aeronave no aeroporto de Manaus. Segundo ele, enquanto o avião estava sendo abastecido, problemas no sistema de ar-condicionado geraram desconforto entre os deportados, fazendo com que alguns brasileiros pedissem para sair do avião, o que foi negado pelos agentes americanos. 

Imagens de brasileiros deportados dos EUA com sinais de escoriações (Reprodução/Arquivo Pessoal)

A prática da deportação em massa, que já vinha sendo denunciada por entidades de direitos humanos, após o presidente Donald Trump tomar posse do governo americano, ganhou visibilidade após o governo brasileiro, tomar conhecimento da situação e agir de forma enérgica. Outro relato foi do deportado Carlos Vinícius Jesus, de 29 anos de idade, onde afirmou, ao desembarcar no destino, aeroporto de Confins, que o agentes americano queriam matá-los. “Nós que rebelamos contra eles, porque eles iriam nos matar. O avião parou três vezes, lá em Louisiana, no Panamá e em Manaus. Nós que paramos o avião, se não ia cair tudo”, relatou.

A Polícia Federal (PF), após tomar conhecimento da situação, proibiu que os deportados fossem detidos novamente pelas autoridades americanas. Segundo nota, todos os brasileiros foram recebidos e imediatamente liberados.

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, também informou ao presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), sobre a tentativa do governo dos Estados Unidos de manter os brasileiros algemados durante a deportação.

Em nota divulgada, o ministério afirmou que enfatiza a dignidade da pessoa humana, e que a prática desconfigura “valores inegociáveis”. Ainda segundo a pasta, ao tomarem conhecimento da situação, o presidente Lula determinou que uma aeronave da Força Aérea Brasileira (FAB) fosse mobilizada para transportar os brasileiros até o destino final.

A dignidade da pessoa humana é um valor inegociável”, declarou o Ministério da Justiça em nota à imprensa. “O governo brasileiro repudia práticas que violam os direitos dos seus cidadãos, mesmo em processos de deportação”.

Mulheres e crianças algemadas

Entre os 158 deportados, sendo 88 brasileiros, estavam: 11 mulheres; seis crianças; e 62 homens. Todos foram acomodados em uma sala improvisada dentro do aeroporto Eduardo Gomes, com o apoio da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania do Amazonas (Sejusc), Corpo de Bombeiros Militar do Estado (CBMAM) e da Defesa Civil do Amazonas.

A reportagem apurou que pelo menos duas crianças chegaram algemadas junto aos pais, gerando revolta entre os servidores que fizeram o acolhimento no terminal. “Elas estavam assustadas, chorando. Uma delas tinha cinco anos”, revelou um funcionário que pediu anonimato por medo de retaliação.

Os passageiros deportados dos Estados Unidos foram auxiliados no atendimento com a disponibilização de colchões, atendimento médico, alimentação e água.

A ministra de Direitos Humanos e da Cidadania, Macaé Evaristo, afirmou que “são muito graves as denúncias dos brasileiros que dizem ter sido agredidos por agentes norte-americanos durante o voo de repatriação. 

Além disso, a ministra reforça que a aeronave transportava famílias, crianças com autismo e outras deficiências.  Os brasileiros também afirmaram ter ficado por mais de quatro horas dentro da aeronave, sem ar-condicionado, o que foi considerado pela ministra como “situações muito graves” e que as pessoas estavam sofrendo com um “calor insuportável”.

Ministra Direitos Humanos e da Cidadania, Macaé Evaristo (Divulgação)

A aeronave

A aeronave com os passageiros deportados decolou da cidade de Alexandria, na Virgínia, e tinha como destino o aeroporto de Confins, em Minas Gerais (MG). No entanto, uma falha mecânica obrigou o pouso de emergência em Manaus. O desembarque dos passageiros deportados não estava previsto, informou o chefe da Polícia Federal do Amazonas (PF/AM), no Aeroporto Eduardo Gomes, Júlio César Queiroz. “Foi um pouso técnico para reabastecimento, mas por problemas na aeronave gerou um princípio de tumulto. Mulheres, crianças e idosos, pessoas em vulnerabilidade, tiveram de desembarcar para que prestássemos toda a ajuda. Estão bem alojados em uma sala do aeroporto até que uma outra aeronave possa seguir com eles até o aeroporto de Belo Horizonte, em Confins”, disse.

Deportação

A porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, utilizou a rede social X, antigo Twitter, para destacar que a operação representa a maior deportação em massa da história recente, com 538 imigrantes ilegais detidos desde que Trump assumiu a presidência.

As medidas migratórias de Donald Trump incluem a retomada da política “Permaneça no México”, que obriga imigrantes a aguardarem fora dos EUA enquanto seus pedidos de asilo são analisados, além do envio de tropas militares para reforçar a segurança na fronteira sul. Decretos da gestão anterior que permitiam a reunificação de famílias separadas foram revogados e marcaram uma guinada na política migratória do país.

Histórico de direitos humanos no Brasil

O Brasil tem uma trajetória complexa no que se refere à proteção dos direitos humanos, especialmente no tratamento de migrantes e deportados. Desde a promulgação da Constituição de 1988, que estabelece princípios fundamentais de dignidade humana e proteção aos direitos básicos, o País tem buscado se alinhar aos padrões internacionais de direitos humanos. No entanto, casos recentes de deportação expõe fragilidades na aplicação.

A legislação brasileira sobre deportação, estabelecida no Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/80) e regulamentada pelo Decreto 86.715/81, prevê procedimentos específicos para a retirada de estrangeiros que entraram clandestinamente no território nacional. Contudo, essa normativa não contemplava adequadamente situações em que os deportados chegam ao País em condições degradantes, como algemados e acorrentados.

Histórico de Casos de Deportação no País

O Brasil tem recebido deportados dos Estados Unidos há décadas, mas o volume se intensificou nos últimos anos.Entre 2023 e 2025, ao menos 3.660 pessoas de diferentes nacionalidades foram deportadas para o Brasil durante o governo do ex-presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. Os dados são da BH Airport, concessionária que administra o Aeroporto Internacional de Confins, em Belo Horizonte.

Historicamente, os processos de deportação envolviam acordos bilaterais entre Brasil e Estados Unidos que estabelecem protocolos de tratamento humanitário. No entanto, a prática recente de algemar deportados durante todo o voo internacional representou uma ruptura significativa com esses entendimentos, caracterizando o que o governo brasileiro classificou como “tratamento degradante”.

Leia mais: Trump chama imigrantes de animais e anuncia deportação em massa

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