Petro conquista vitória histórica e leva esquerda pela primeira vez ao poder na Colômbia

Presidente eleito da Colômbia, Gustavo Petro, ao lado de sua vice, Francia Márquez, durante cerimônia da vitória (JUAN BARRETO/AFP)
Com informações do InfoGlobo

MANAUS — Pela primeira vez na História, a Colômbia terá um presidente de esquerda. Em sua terceira tentativa de chegar ao poder, Gustavo Petro, que na juventude atuou no grupo guerrilheiro M-19, foi eleito com mais de 11,2 milhões de votos, superando amplamente os 8 milhões obtidos no segundo turno de 2018, quando foi derrotado pelo presidente Iván Duque.

Segundo dados oficiais, Petro, ex-prefeito de Bogotá e ex-senador, obteve 50,48% do total de votos, derrotando de forma clara seu rival, Rodolfo Hernández, um populista de direita que ficou com 47,26%. A participação eleitoral, num país no qual o voto não é obrigatório, atingiu 57,88%, a mais alta desde meados da década de 1970. No primeiro turno, 54% dos 39 milhões de eleitores colombianos, dos quais 20 milhões são mulheres, votaram.

“A História que escrevemos neste momento é uma História nova para a Colômbia, para a América Latina e para o mundo”, disse Petro, em seu primeiro discurso como presidente eleito. “A partir de hoje, a Colômbia muda, é outra, uma mudança real que nos leva a algumas das abordagens que há tanto usamos nas praças públicas”, completou ele, que falou por pouco mais de 40 minutos, cercado de parentes e aliados na Movistar Arena, em Bogotá.

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Petro prometeu “iniciar um governo da vida, um governo que quer construir a Colômbia como uma potência global da vida”, baseando-se na paz, na justiça social e na justiça ambiental. A polarização política, afirmou ele, “mostrou duas Colômbias” que, para serem uma só, precisam de uma “política de amor” feita a partir do entendimento e no diálogo:

“Não é uma mudança para nos vingarmos, construir mais ódio ou aprofundar o sectarismo. Nossos pais e avós, em suas próprias vidas, nos ensinaram o que significa o sectarismo e o ódio na História da Colômbia. A mudança consiste em deixar o ódio e os sectarismos para trás”, afirmou Petro. “Depois de 214 anos, conquistamos o governo do povo, o governo popular, o governo da gente com as mãos calejadas, o governo dos ninguém e das ninguém na Colômbia.”

Com Petro à frente da coalizão Pacto Histórico, também desembarcará no Palácio de Nariño a primeira mulher negra que chega ao Executivo colombiano, a ativista social Francia Márquez. Um dos fenômenos eleitorais dos últimos meses, ela será a partir do próximo 7 de agosto, a nova vice-presidente.

Francia, que em março passado obteve mais de 700 mil votos na eleição interna que consagrou Petro como candidato à Presidência (superando todos os pré-candidatos de centro e direita, em suas respectivas primárias), é militante pelos direitos humanos, das mulheres e dos afrodescendentes. Num país ainda profundamente conservador e racista, sua eleição é revolucionária.

‘Conquistamos um governo do povo, um governo popular, um governo da gente”, disse Marquez, em seu discurso da vitória. “Vamos, irmãs e irmãos, reconciliar este país. Vamos pela paz, sem medo e com alegria.”

Temor de Petro

O medo de que a eleição colombiana terminasse em disputa judicial — temor alimentado pelo próprio Petro, que alertou sobre riscos de fraude – desapareceu rapidamente. Hernández aceitou o triunfo de seu adversário e o presidente Duque se comunicou telefonicamente com Petro e assegurou que ambos acordaram “uma transição “harmoniosa institucional e transparente”.

A eleição de Petro bateu vários recordes e provocou reações eufóricas, dentro e fora da Colômbia. Os presidentes do Chile, Gabriel Boric, e da Argentina, Alberto Fernández, expressaram suas satisfação pelas redes sociais. Também o fez o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que conta com o apoio explícito de Petro para sua campanha presidencial.

Entre militantes da esquerda colombiana como o historiador e professor da Universidade Nacional, Gonzalo Sánchez, o clima é de grande expectativa, mas, também, de consciência sobre o tamanho dos desafios.

“A notícia é a vitória histórica de um líder de esquerda, mas que receberá uma Colômbia dividida”, ressalta Sánchez, lembrando que Hernández alcançou 10,5 milhões de votos, mais do que Duque há quatro anos.

Direita desorganizada

A diferença e o que favorece Petro, amplia o historiador, é que o engenheiro de 77 anos, que surpreendeu os colombianos conquistando uma vaga no segundo turno, não tem capacidade de liderar esses 10,5 milhões de eleitores. Ontem, ficou claro que uma campanha pode decolar graças a redes sociais como Instagram e TikTok, mas isso não é garantia de vitória.

“Petro tem muitos opositores, mas que não estão organizados. O ex-presidente Álvaro Uribe (2002-2010) definitivamente não estão mais no comando da direita nem da oposição”, frisa Sánchez.

Petro vem conservando e articulando com setores do centro, empresariais e políticos tradicionais. Nos últimos dias, propôs um grande Acordo Nacional sobre temas essenciais que devem ser encarados pelo país, entre eles, o aumento da pobreza e do desemprego. Nas próximas semanas, será essencial observar o comportamento das elites políticas e econômicas para entender até que ponto as propostas do futuro governo serão facilmente implementadas, ou enfrentarão resistências.

“Se me perguntarem para que serve um Acordo Nacional, diria que é para construir o máximo de consensos que permitam reformas que façam a vida familiar melhor, que deem aos idosos uma pensão, que os jovens possam ir à universidade, que as crianças possam ter leite e pão e que a carne não seja uma artigo de luxo. O grande Acordo Nacional é construir a paz”, disse Petro.

O mapa eleitoral de domingo mostrou uma Colômbia periférica que apoia Petro em massa, mas um grande setor do país, excluindo Bogotá, que votou por Hernández. Em seu discurso de vitória, o presidente eleito fez um aceno, convidando o ex-adversário a discutir os problemas do país e deixando as portas de seu governo abertas para os eleitores da oposição, afirmando que “não haverá perseguição política, apenas respeito e diálogo”.

O presidente eleito deverá conversar com adversários para garantir sua governabilidade, alerta Sergio Garcia, pesquisador do Centro Internacional de Estudos Políticos e Sociais (Cieps, com sede no Panamá).

“Um dos primeiros desafios de Petro será articular acordos no Congresso. Acho que isso pode fluir bem. Depois virão outros, como avançar com propostas como a reforma agrária, que poderiam ter dificuldades”, analisa Garcia.

Dúvidas e certezas

Quando se fala sobre as primeiras medidas de governo de Petro, existem algumas certezas, entre ela a recomposição das relações com a Venezuela de Nicolás Maduro. O futuro governo também deverá anunciar no curto prazo medidas de combate à desigualdade social, que poderiam implicar mudanças no sistema tributário.

Petro também defende uma reforma dos sistemas de saúde e educação, a legalização das drogas e a consolidação do processo de paz. Neste último ponto, poderia buscar um acordo com o Exército de Liberação Nacional (ELN), nos moldes do selado em 2016 com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia.

“Quanta gente não pôde nos acompanhar hoje, quanta gente desapareceu nos caminhos da Colômbia, que morreu, que está detida. Tantos jovens nas prisões por terem esperança, por terem amor. Peço que a procuradora-geral liberte nossa juventude”, disse o presidente eleito, referindo-se aos detidos durante protestos antigoverno.

Em um breve momento, cedeu o microfone a Jenny Medina, mãe do menino Dilan Cruz, que morreu durante as manifestações de 2019. A mulher, que criticou a violência das forças de segurança, deu boas-vindas a Petro, classificando-o como a “esperança de todos nós”.

O presidente eleito é ainda um forte defensor da proteção do meio ambiente, e propõe a redução drástica dos projetos de exploração de petróleo e na busca de novas fontes de energia.

“No caso do petróleo, teremos de ver se seu programa poderá ser aplicado. O contexto internacional, a alta da inflação, nada disso é favorável”, aponta Garcia, que dá como certo um crescimento expressivo do Estado, novas contratações, condição para implementar uma política social mais abrangente, em todo o país.

Já se especula sobre nomes que ocuparão ministérios considerados chaves, com destaque para Fazenda e Defesa. Alguma reação das Forças Armadas é esperada. O presidente eleito conseguiu apoios importantes, entre eles o de Alejandro Gaviria, derrotado no primeiro turno, que estaria colaborando na elaboração de um programa econômico que acalme os mercados.

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