Petrópolis deveria ter sido evacuada após alerta, há 2 dias, diz especialista

Defesa Civil foi avisada de risco de 'deslizamentos pontuais' na segunda-feira; magnitude foi surpresa, diz meteorologista (Carl de Souza/AFP)

Com informações da Folhapress

SÃO PAULO (SP) – No dia anterior aos temporais, que já deixaram ao menos 66 mortos em Petrópolis (RJ), a Defesa Civil do Rio de Janeiro recebeu um alerta de possibilidade de “chuvas isoladas ao longo do dia, podendo deflagrar deslizamentos pontuais, especialmente nas regiões de serra e/ou densamente urbanizadas”, na região Serrana do Rio de Janeiro, onde fica a cidade.

O aviso foi dado na segunda-feira, 14, pelo Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais) e deveria ter levado as autoridades a retirarem os moradores do local, diz Paulo Artaxo, professor titular do Instituto de Física da USP e vice-presidente da Academia de Ciências do Estado de São Paulo.

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“O governo do Rio de Janeiro deveria ter evacuado Petrópolis quando recebeu o alerta de risco de desastre. Isso é óbvio”, afirma.

Choveu na região, em poucas horas, mais do que era esperado para todo o mês de fevereiro. Foram 258 mm, e a previsão é de mais chuva forte na quinta-feira, 17, e sexta-feira, 18.

“Se há um alerta de chuva forte, em uma região sabidamente de risco, a primeiríssima coisa a se fazer é retirar todo mundo desse local”, disse Artaxo.

Na realidade da crise climática, na qual já estamos inseridos —o mundo já aqueceu mais de 1°C em relação ao período pré-industrial—, os eventos extremos, como chuvas fortes concentradas em um curto espaço de tempo ou secas intensas (duas situações que o Brasil viveu do último ano para cá) são esperadas com cada vez mais frequência.

O relatório mais recente do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) já mostrava a situação e apontava quais as áreas deviam ser mais afetadas, por diferentes tipos de fenômenos, com o aumento da temperatura média da Terra.

Por exemplo, a região Sudeste (além de partes dos Estados centrais do País e o Sul), onde se encontra o Rio de Janeiro e Petrópolis, deve sofrer com as chuvas pesadas. Ao mesmo tempo, Amazônia e Nordeste devem enfrentar períodos de secas mais severos.

Para o físico, não houve evacuação porque a Defesa Civil do Rio de Janeiro não está preparada para lidar com uma situação como essa. “Uma década depois do desastre de 2011 e isso volta a acontecer. O contexto climático, chuva e região de risco é similar ao de dez anos atrás e ainda assim vivemos mais um desastre”.

Artaxo avalia que, apesar de ter havido avanços, como a instalação de sirenes na região e o monitoramento de áreas de risco após a criação do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais), “de nada adianta monitorar o risco se a Defesa Civil não for capaz de atuar. As defesas civis brasileiras precisam quadruplicar de tamanho, urgentemente”, afirma.

Os deslizamentos foram previstos e notificados à Defesa Civil do Estado, mas a magnitude pegou a todos de surpresa, diz José Marengo, meteorologista e coordenador-geral de Pesquisa e Desenvolvimento do Cemaden.

A violência e intensidade dos deslizamentos remetem à tragédia de 2011, na região serrana do Rio. Na ocasião, mais de 900 pessoas morreram. O caso foi classificado pela ONU como um dos dez piores deslizamentos do mundo, em 111 anos.

Para Marengo, não há dúvida de que os eventos climáticos estão cada vez mais extremos, mesmo em comparação à tragédia de 2011. “Menos pessoas morrem, hoje, porque se criou uma cultura de monitoramento de desastres com a criação do Cemaden. Até 2011, os alertas tratavam apenas da chuva e não de movimentação de massa (deslizamentos, escorregamentos e correlatos)”.

O meteorologista reflete sobre a importância do monitoramento para evitar mortes —uma vez que, apesar de ser possível gerar alertas, é praticamente impossível evitar os deslizamentos—, e compara a tragédia de 2011 à da Bahia, em dezembro de 2021. “As chuvas, na Bahia, foram piores do que as de Petrópolis, mas morreram menos pessoas do que em 2011”.

Alguns pontos da região serrana do Rio de Janeiro registraram cerca de 200 mm de chuva em um dos dias mais chuvosos de janeiro de 2011. Em 24 de janeiro, as prefeituras já haviam resgatado mais de 800 corpos. Em Itamaraju, no sul da Bahia, uma década mais tarde, em um único dia, foram registrados cerca de 324 mm de chuva. No fim do mês, o número de mortos chegava a 24 e, pelo menos, 58 cidades haviam sido afetadas.

Ainda assim, o País não aprendeu o que deveria, diz Artaxo.

“Escolas foram varridas do mapa, ontem, em Petrópolis. Essas crianças vão perder um ano de suas vidas por causa de um desastre que poderia ter sido evitado se o Brasil tivesse aprendido a lição após 2011. O Cemaden precisa crescer e receber verba”.

O Cemaden foi criado em julho de 2011, por decreto da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), menos de seis meses após o maior desastre na região Serrana.

As verbas insuficientes destinadas para adaptação climática são uma realidade global. Em geral, os países implementam medidas adaptativas (aquelas que, de forma geral, tentam evitar problemas maiores) em ritmos inferiores ao necessário para acompanhar as mudanças climáticas.

Recentemente, o dinheiro destinado à adaptação se manteve o mesmo ou até mesmo diminui—em parte, por causa da pandemia de coronavírus—​, ao mesmo tempo em que a crise climática se aprofunda.

A Defesa Civil não respondeu aos e-mails e mensagens da reportagem com pedidos de informação e posicionamento enviados às 8h25 e às 11h02 desta quarta-feira (16).

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