PF defende operação contra garimpo ilegal no Madeira, alvo de diligência do Senado
Por: Ana Cláudia Leocádio
22 de outubro de 2025
BRASÍLIA (DF) – A Superintendência da Polícia Federal no Amazonas (PF) defendeu a Operação Boiúna, que mirou o garimpo ilegal no Rio Madeira e foi realizada nos municípios de Humaitá e Manicoré, no sul do Amazonas, em setembro deste ano. A ação foi alvo de diligência externa da Comissão de Direitos Humanos do Senado (CDH). Nesta quarta-feira, 22, a comissão aprovou o relatório da visita dos senadores Damares Alves (Republicanos-DF) e Plínio Valério (PSDB-AM) aos dois municípios, com uma série de providências e pedidos de informações ao governo federal.
O Centro de Cooperação Policial Internacional da Amazônia (CCPI-Amazônia), gerido pela PF, em Manaus (AM), coordenou a Operação Boiúna, entre os dias 10 e 24 de setembro de 2025, para combater a mineração ilegal de ouro no leito do Rio Madeira, entre os municípios de Calama, em Rondônia, e Novo Aripuanã, no Amazonas, o que também envolveu Humaitá e Manicoré. Executada pela PF, a ação contou com o apoio de diversas instituições, como a Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) e a Polícia Rodoviária Federal (PRF), o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Ministério Público do Trabalho e Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam).

O relatório da diligência da CDH, realizada nos dias 25 e 26 de setembro em Humaitá e Manicoré, a pedido dos moradores e do senador Plínio Valério, concluiu, dentre outros pontos, que a operação utilizou explosivos de grande poder destrutivo, resultando em uso desproporcional da força contra o que ela chama de extrativistas minerais. O texto também aponta que houve graves impactos sociais, psicológicos, econômicos e humanitários nas comunidades ribeirinhas, que perderam moradias e meios de subsistência. Há um trecho indicando que, até mesmos indígenas, tiveram suas balsas queimadas na operação.
Após a aprovação do relatório, a presidente da CDH, senadora Damares Alves, disse à CENARIUM que entre os vários pedidos de informações, está o que solicita esclarecimentos sobre a presença de estrangeiros na operação, uma vez que não haveria previsão legal para isso. Quando foi inaugurado em Manaus, no dia 9 de setembro deste ano, foi informado que o CCPI-Amazônia reúne representantes de nove estados da Amazônia Legal e de nove países sul-americanos que compartilham fronteiras na região.
Damares também questiona a informação recebida pela comissão de que a operação tenha sido realizada por recomendação do Ministério Público Federal (MPF), a partir de indicações da localização das balsas, pela organização internacional Greenpeace. Para ela, recomendação não é sentença judicial.

Em nota enviada à CENARIUM pela assessoria de imprensa da PF no Amazonas, o CCPI-Amazônia explicou como se deu a operação. A instituição afirmou que todos os atos realizados durante a Operação Boiúna ocorreram em estrito cumprimento de ordem judicial expedida pela Justiça Federal no Amazonas, a partir de representação apresentada pela autoridade policial.
“Todos os atos praticados durante a execução da Operação Boiúna foram realizados no estrito cumprimento de ordem judicial expedida pela Justiça Federal no Amazonas em face de representação apresentada pela autoridade policial, conforme consta nos autos do inquérito policial em trâmite na Superintendência Regional da Polícia Federal do Amazonas. Outrossim, assevera-se que todos esses atos foram praticados zelando pela segurança da equipe policial e de todas as pessoas do povo que se encontravam no entorno dos locais onde ocorreu a operação”, declarou o CCPI-Amazônia.
A instituição de segurança também ressaltou que, “sob nenhuma circunstância a Polícia Federal deixará de cumprir seu mister legal de combater os crimes ambientais, tais como o garimpo ilegal que era – e certamente ainda continua a ser – praticado na região onde ocorreu a Operação Boiúna com o uso dos equipamentos que foram destruídos”.

“Mormente porque tal prática ilícita é, de forma notória, extremamente danosa ao meio ambiente e às comunidades onde ela é praticada, na medida em que contamina a água que é consumida pelas pessoas e por animais terrestres; causa mortandade de peixes; e envenena – literalmente – pessoas devido ao uso de metais pesados e outras substâncias químicas perigosas; além de submeter trabalhadores a condições insalubres e, muitas vezes, degradantes, em prol do alto lucro auferido pelos mantenedores da atividade”, conclui a nota do Centro.
Extrativismo mineral é ilegal
A senadora Damares Alves afirma que o relatório da CDH ainda vai dar muita margem para que a Polícia Federal se explique. Questionada se as pessoas, durante a diligência, apresentaram licença para atuar como extrativista mineral nos rios da região, a senadora respondeu: “Não, porque isso tudo está em fase de regulamentação e essa é uma das recomendações do Congresso Nacional”.
Ao ser perguntada se o fato de estar em regulamentação não torna a atividade ilegal, a senadora devolveu com perguntas que questionam o fato de a PF vincular os alvos da operação ao crime organizado: “Mas usar o crime organizado para explodir? Esses pequenos extrativistas estão ali há 200 anos. Por que agora tem que explodir as embarcações deles, se está sendo legalizado?”, devolveu.

Sem autorização legal para realizar extrativismo mineral, uma das recomendações do relatório é acelerar a tramitação do Projeto de Lei 763, apresentado em março de 2024 pelo senador Mecias de Jesus (PSB-RR), e que aguarda relatório na Comissão de Meio Ambiente do Senado. A proposta regulamenta a atividade de extração de substâncias minerais garimpáveis por pessoas físicas de nacionalidade brasileira, atuando individualmente ou em forma associativa, em regime de economia familiar.
A senadora questiona a operação por não ter apresentado prisões ou apreensões que liguem as pessoas daquela região a organizações criminosas. “Quantos garimpeiros ilegais eles prenderam? Nenhum. Quantas armas eles prenderam? Quantos bandidos eles encontraram? Nenhum. Quantas drogas? Eles ainda quiseram associar esses pequenos extrativistas minerais ao crime organizado”, alegou.
Damares acredita que, no mínimo, não houve bom senso e sim violação dos direitos humanos. Por isso, o relatório faz indicações pedidos de informações e pede a aprovação imediata do extrativismo mineral familiar. “Eu fui lá, não vi ninguém com rifle nas costas, no meio da rua dançando, fazendo festa regada a droga e álcool. Eu vi pai e mãe de família, extrativista mineral, que é previsto no ordenamento jurídico. Garimpo ilegal é uma coisa e eram pequenos extrativistas”, justificou a presidente da CDH.
Alguns pontos aprovados no relatório:
- Solicitação ao Ministério Público Federal (MPF) de informação sobre os motivos e justificativas da utilização de dados produzidos por organização internacional sobre localização de balsas, em detrimento dos dados oficiais;
- Pedido ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) para prestar informações sobre a participação de organizações internacionais e de estrangeiros no monitoramento das áreas de extração mineral na Amazônia, no âmbito da Operação Boiúna, em especial nos municípios de Humaitá e Manicoré/AM;
- Pedido ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) para informar sobre a participação de estrangeiros nas ações da Operação Boiúna em Humaitá e Manicoré; dados da Operação Boiúna, com a remessa dos relatórios do trabalho realizado pelas Forças de Segurança empregadas;
- Pedido ao Ministério dos Povos Indígenas para prestar informações sobre as ações de proteção às comunidades indígenas que sofreram impactos com as ações da Operação Boiúna. O relatório diz que indígenas tiveram balsas de extração mineral queimadas;
- Indicações ao Executivo federal sobre a necessidade de regulamentação e criação de procedimentos para futuras operações; sugestão à Casa Civil para a regulamentação da atividade profissional de extrativismo mineral familiar para fins de subsistência de famílias de baixa renda;
- Celeridade na tramitação do Projeto de Lei n° 763, de 2024, que tramita no Senado e visa regulamentar a atividade de extração de substâncias minerais garimpáveis em regime de economia familiar;
- Solicitação de celeridade na tramitação do Projeto de Resolução do Senado 127/2023, que propõe a criação da Comissão Permanente da Amazônia;
- Sugestão para que a bancada do Amazonas destine emenda orçamentária para a recuperação dos portos e barreiras de contenção danificadas nas ações da Operação Boiúna em Humaitá e Manicoré.
Greenpeace se manifesta
Em nota divulgada à imprensa após a aprovação do relatório que questiona a participação estrangeira em ações no Rio Madeira, o Greenpeace Brasil afirma que seu trabalho tem caráter técnico e independente, voltado a promover transparência e “pressionar por respostas rápidas e eficazes dos órgãos” competentes.

A organização, que atua no Brasil desde 1992 na defesa pacífica do meio ambiente, reforçou que as informações coletadas podem auxiliar autoridades públicas no cumprimento de seus deveres institucionais. O documento também destaca o princípio previsto no artigo 225 da Constituição Federal, que estabelece como dever comum do Estado e da coletividade proteger e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações.
Veja a nota na íntegra:
“Em julho deste ano, um sobrevoo realizado pelo Greenpeace Brasil revelou uma concentração de 542 balsas de garimpo operando ilegalmente no leito do Rio Madeira, em 22 pontos entre Calama (RO) e Novo Aripuanã (AM). As imagens aéreas registraram ‘paredões’ de balsas dragando o fundo do rio em busca de ouro, muitas delas próximas a áreas protegidas, como a Reserva Extrativista Lago do Cuniã, a Terra Indígena Lago Jauari e a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Madeira.
Cada balsa identificada significa mercúrio lançado nos rios, peixes contaminados e água de pior qualidade para comunidades rurais e urbanas que dependem desses recursos. O Greenpeace Brasil monitora e denuncia violações socioambientais na Amazônia, utilizando imagens públicas de satélite e sobrevoos de validação desses achados. O trabalho da organização é de caráter técnico e independente, voltado a fortalecer a transparência e pressionar por respostas rápidas e eficazes dos órgãos do poder público.
O Greenpeace Brasil é uma organização ativista ambiental sem fins lucrativos, que atua desde 1992 na defesa pacífica do meio ambiente. As informações produzidas pela organização são de interesse público e podem ser usadas pelos órgãos competentes para o cumprimento de seus deveres institucionais. A defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado é dever de todos e está determinada no artigo 225 da C.F/88, que impõe ao poder público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações.”