‘Cinismo excessivo’: lideranças criticam ‘Medalha do Mérito Indigenista’ concedida a Bolsonaro

Bolsonaro durante passagem em São Gabriel da Cachoeira, em 2021. (Marcos Correa/REUTERS)

Bruno Pacheco – Da Revista Cenarium

MANAUS – Em uma explicação contraditória de “reconhecimento pelos serviços relevantes” relacionados com o bem-estar, a proteção e a defesa das comunidades indígenas, o Ministério da Justiça e Segurança Pública concedeu a Medalha do Mérito Indigenista ao presidente Jair Bolsonaro (PL), que já foi denunciado no Tribunal Penal Internacional de Haia por genocídio. A portaria foi publicada nessa terça-feira, 15, no Diário Oficial da União (DOU), e está sendo criticada por lideranças dos povos originários.

Publicação do Diário Oficial da União desta terça-feira,15.

A homenagem, assinada pelo ministro Anderson Torres, também foi distribuída para outras 25 pessoas, entre autoridades ministeriais, como os ministros Walter Souza Braga Netto, da Defesa; Tereza Cristina, da Agricultura; Damares Alves, da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos; e Marcelo Queiroga, da Saúde; além de indígenas considerados aliados do presidente, como Gerson Warawe Xavante e Irisnaide de Souza Silva. Para lideranças do movimento indígena, a honraria foi concedida a todos os “inimigos dos indígenas brasileiros” e faz do Brasil o País da “piada pronta”.

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“Ministro da (in)Justiça está concedendo a Medalha do Mérito Indigenista a todos os inimigos dos indígenas brasileiros. Dizem e dizem certo: o Brasil é o País da piada pronta. Se os inimigos são amigos, os amigos dos inimigos também são amigos? Égua!”, escreveu o escritor e professor Daniel Munduruku, no Twitter.

Para o advogado indígena e coordenador da Assessoria Jurídica da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Eloy Terena, a concessão da honraria é um “cinismo excessivo”, produzido por um “governo truculento e genocida”. À REVISTA CENARIUM, Eloy afirmou que, ao tomar conhecimento da publicação, a reação do movimento indígena foi de questionar sobre que mérito é esse.

“Ao tomarmos ciência da publicação, a reação do movimento indígena foi justamente de se questionar sobre que mérito é esse. Seria o da destruição do meio ambiente, da utilização de agrotóxico como arma química, por incentivar garimpo e destruição nas terras indígenas? Trata-se de um ato carregado de um cinismo excessivo, produzido por um governo truculento e genocida”, declarou o advogado.

Para Eloy Terena, o presidente Bolsonaro deve ser reconhecido por suas tragédias (Vinicius Loures/Agência Câmara)

Eloy destacou ainda que o movimento indígena, ao contrário do que diz a homenagem concedida pelo Ministério da Justiça, tem observado constantes ataques aos povos originários e que o governo federal deve ser “reconhecido por suas tragédias”. O advogado lembrou também que uma das principais pautas de Bolsonaro no Congresso é a aprovação do Projeto de Lei 191/2020, que libera a mineração e o garimpo em terras indígenas.

“Desde a época de campanha, Bolsonaro prometeu não demarcar um único centímetro de terra indígena e vem cumprindo com louvor sua promessa. Não bastasse a omissão na defesa dos direitos indígenas, o que observamos são constantes ataques aos povos originários. Neste momento, uma das principais pautas que a gestão Bolsonaro defende no Congresso é justamente o PL 191/2020, que libera a autorização para mineração em Terras Indígenas. Ao invés de esbanjar medalhas em nosso nome, este governo genocida deve ser reconhecido por suas tragédias”, concluiu.

Inadmissível

Para o diretor-presidente da Federação dos Povos Indígenas do Alto Rio Negro (Foirn), Marivelton Baré, a homenagem do ministério ao presidente Bolsonaro é inadmissível e contraditório. A liderança do povo Baré afirma que o governo federal não apoiou, de nenhuma forma, as causas indígenas do País e que o ministério comete uma injustiça.

“É muita contrariedade e inadmissível uma situação dessa. Praticamente, é brincar com os direitos dos povos indígenas aqui, do Brasil. Para um governo que não apoiou de nenhuma forma as causas indígenas, onde tudo se paralisou, onde há perseguição, retaliação, invasão, ausência do Estado na proteção, fiscalização e na defesa dos direitos humanos dos povos indígenas e ainda é concedido essa medalha? O ministério da ‘injustiça’ acaba cometendo mais uma injustiça.

Para Marivelton Baré, honraria precisa ser cancelada (Juliana Radler/ISA)

Marivelton declara também que o ministério deveria ter vergonha de conceder a honraria ao governo e que a Foirn contraria e repudia a homenagem. Para o líder indígena, o ato deveria ser cancelado.

“A gente não admite, contraria e repudia esse ato, que não deveria nem ser oficial e publicado. Ele deve ser cancelado. [É preciso] acabar com essas ações que sempre têm sido feitas utilizando os povos indígenas. Não tem medalha de honraria em nada isso. Não tem mérito nenhum a medalha”, criticou Marivelton Baré, em entrevista à REVISTA CENARIUM.

Tribunal de Haia

A homenagem ao presidente foi concedida mesmo depois de Bolsonaro ser denunciado por crime de genocídio contra os povos indígenas e contra a humanidade no Tribunal Penal Internacional (Tribunal de Haia, na Holanda). No ano passado, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) reuniu relatos de crimes emitidos diretamente pelos povos indígenas afetados, pesquisas acadêmicas e notas técnicas para protocolar um comunicado para denunciar o governo federal.

Veja mais: Apib denuncia Bolsonaro, em Haia, por genocídio indígena

Em fevereiro deste ano, a Corte internacional criada para julgar pessoas que cometem crimes de alcance mundial recebeu o relatório da CPI da pandemia, que investigou durante seis meses a atuação do governo federal no combate à pandemia e acusa o presidente da República Jair Bolsonaro de crimes contra a humanidade. A CENARIUM adiantou, em capa de revista do mês de outubro/2021, as razões que levariam o presidente a ser julgado por atitudes tão graves.

Veja também: Denúncia sobre Bolsonaro por crime contra a humanidade é recebida no Tribunal de Haia

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