PL da mineração em Terras Indígenas rende mais uma denúncia internacional para Bolsonaro

A fim de identificar as áreas de mineração em terras indígenas, os pesquisadores usaram um conjunto de dados referentes ao período de 1985 a 2020 fornecido pelo projeto MapBiomas (Reprodução/ISA)

Yusseff Abrahim – Da Revista Cenarium

BRASÍLIA — Nesta semana, mais uma denúncia em âmbito internacional recaiu sobre o Governo de Jair Bolsonaro. Dessa vez, seis organizações brasileiras da sociedade civil denunciaram, na 49ª reunião do Conselho de Direitos Humanos (CDH 49) da ONU, o Projeto de Lei nº 191/2020, de autoria do Poder Executivo, que flexibiliza as regras de mineração em Terras Indígenas.

A denúncia das organizações Conectas Direitos Humanos, Instituto Socioambiental (ISA), Associação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Instituto Maíra, Kowit e Observatório do Clima foi transmitida para Genebra, por videoconferência, na última terça-feira, 22.

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Na mensagem, lida pelo assessor de Advocacy Internacional da Conectas, Gustavo Huppes, a denúncia descreve o PL como “um ataque direto aos povos indígenas e uma franca violação do direito constitucional aos seus territórios e das obrigações internacionais assumidas pelo Brasil”.

Sustentação oral da denúncia feita por Gustavo Huppes, assessor de Advocacy Internacional da Conectas Direitos Humanos (Reprodução)

No âmbito internacional, a denúncia é mais uma que chega ao CDH/ONU acerca de violações dos direitos indígenas. Em março de 2020, o porta-voz dos Ianomami, Davi Kopenawa, criticou ações do governo que elevariam de forma grave os riscos de genocídio e etnocídio aos povos isolados. Em março de 2020, o tema foi o descaso do governo na pandemia da Covid-19.

Em outra instância, a do Tribunal Penal de Haia, Bolsonaro já acumula seis denúncias de crime contra a humanidade.

Leia também: Denúncia sobre Bolsonaro por crime contra a humanidade é recebida no Tribunal de Haia

A coordenadora do “Programa de Defesa dos Direitos Socioambientais da Conectas”, Julia Neiva, falou nessa quinta-feira, 24, com exclusividade para a REVISTA CENARIUM, sobre a gravidade do PL 191/2020 e as perspectivas da disputa da sociedade civil, dentro e fora do País, pelo respeito aos direitos dos povos indígenas.

“Com certeza a denúncia pode gerar um constrangimento ao governo brasileiro no espaço das Nações Unidas, que vai ser instado a responder sobre o perigo que o PL 191/2020 pode significar para os povos indígenas”, analisa.

Julia Neiva, coordenadora do “Programa de Defesa dos Direitos Socioambientais da Conectas” (Ascom/Conectas)

Neiva destacou que a profusão de denúncias, ainda que em instâncias diferentes, pode servir de parâmetro ao mundo do nível das medidas do governo sobre a sua população.

“Evidente que quanto mais denúncias são feitas em órgãos internacionais como as Nações Unidas, OEA ou mesmo no âmbito da OCDE, isso acaba corroborando para que as denúncias feitas sobre Jair Bolsonaro no Tribunal Penal de Haia tenham mais embasamento, contribuindo para a compreensão do contexto de atuação do governo”.

Perspectivas internas

Apesar de ter sido aprovada pela Câmara a tramitação do PL 191/2020 no regime de urgência, no último dia 9, por 279 votos a favor e 180 contra, Neiva apontou alguns aspectos por trás do resultado.

“Há um número considerável de parlamentares que normalmente teriam votado em favor da proposta, mas que ficaram reticentes ao PL. Já não há tanta segurança assim de que este PL tem amplo apoio do Congresso. Isso já é um dado bastante importante para gente”, revela.

Na expectativa de que os parlamentares estejam mais atentos aos impactos que o PL 191/2020 tragam aos povos originários, a coordenadora criticou o nível de permissividade que a proposta concede à mineração.

“O PL ignora o modelo de mineração que temos no Brasil, que é predatório e absolutamente insustentável, incluindo garimpos nas Terras Indígenas, a geração de energia elétrica, a exploração e produção de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos”, comenta.

Neiva informa que as organizações seguem acompanhando o processo na Câmara dos Deputados, na vigilância sobre todos os possíveis ataques aos direitos dos povos indígenas.

“Por fim, é preciso lembrar que os povos indígenas têm o direito de opinar e decidir sobre o que vai acontecer em seus territórios”, conclui.

Interesse isolado

Um fato que chama atenção na repercussão do PL 191/2020 é a sua rejeição pública. No último dia 15, o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) abandonou o apoio que mantinha desde o lançamento da proposta. A instituição, que representa gigantes como Samarco, Vale, Anglo American, Rio Tinto e Vallourec, considerou em nota que o PL “não seria adequado para os fins que se destina e que deveria ser amplamente debatido pela sociedade brasileira e especialmente pelos povos indígenas”.

Ainda antes da votação do regime de urgência, o Ministério Público Federal já advertia que o PL contém um “vício insanável”, em nota divulgada no último dia 8, qualificando-o como “inconstitucional e inconvencional”.

Nem nos espaços públicos a proposta parece agradar. No Parque Olhos d’Água, em Brasília, criado em 1994 para a conservação de uma área rica em nascentes, matas ciliares e vegetação nativa do cerrado, um anúncio assinado pelos “Produtores Rurais da Amazônia” que agradece prematuramente a “aprovação do PL 191/2022” – que ainda não ocorreu – foi alvo de protesto com tinta vermelha.

Propaganda que exalta o PL 191/2020 em espaço público de Brasília foi alvo de protesto (Yusseff Abrahim/Cenarium)

Incoerência e jogo de palavras

O sócio-fundador do Instituto Socioambiental (ISA), Marcos Santilli, destacou a controvérsia contida no PL 191/2020 e lembrou que a proposta é apenas uma, entre várias iniciativas do governo, que investe contra populações originárias e meio ambiente.

“O PL 191 quer estabelecer uma política mineral incoerente, que por um lado, mantém o conjunto de regras e condições para a mineração formal e, ao mesmo tempo, facilita a legalização da garimpagem empresarial predatória com um grau muito menor de exigências ambientais, sanitárias e trabalhistas. Vem na mesma rota do recente decreto presidencial (Decreto nº 10.966/2022) que pretende instituir a “garimpagem artesanal”, que é um jogo de palavras para encobrir grandes invasões garimpeiras”.

Marcio Santilli, sócio-fundador do ISA (Divulgação/ISA)

A atuação da sociedade civil traz a lembrança de como Bolsonaro sempre se manifestava sobre ONGs, talvez já imaginando as dificuldades que estas organizações ofereceriam para a implementação da sua visão de País.

Leia também: Saiba quais foram os deputados da Amazônia que votaram pelo PL do Garimpo em Terras Indígenas

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