PM-AM apura conduta de agentes por morte de indígena após ação policial
Por: Jadson Lima
07 de março de 2025
Tadeo Kulina morreu após ser levado pelos policiais militares ao Hospital e Pronto-Socorro Dr. João Lúcio com sinais de tortura (Composição: Paulo Dutra/CENARIUM)
MANAUS (AM) – A Polícia Militar do Amazonas (PM-AM) determinou, nessa quinta-feira, 6, a instauração de um procedimento administrativo para apurar a conduta de policiais militares envolvidos na operação que deixou o indígena de recente contato, da etnia Kulina, Tadeo Kulina, preso por cerca de seis horas dentro da viatura da corporação, no dia 6 de fevereiro de 2024. Ele foi detido pelos PMs com ferimentos graves, após despencar de uma altura de sete metros sobre entulhos da construção de um lava jato de Manaus.
Tadeo Kulina, que morreu horas após ficar preso em uma viatura da PM do Amazonas (Divulgação)
Tadeo Kulina morreu, na madrugada do dia seguinte, após ser levado pelos policiais militares ao Hospital e Pronto-Socorro Dr. João Lúcio, na Zona Leste da capital amazonense, com sinais de tortura, de acordo com a ficha de atendimento registrada na unidade hospitalar. A informação foi revelada em 14 de fevereiro deste ano, em um documento do Ministério Público Federal (MPF), o qual pede indenização para a família da vítima.
A CENARIUM teve acesso, com exclusividade, à portaria que foi enviada pelo chefe do Comando de Policiamento Metropolitano da Área Leste (CPA Leste), tenente-coronel Wener Vieira dos Santos, à Ouvidoria da PM-AM. O ofício foi encaminhado nesta quinta-feira, 7, após a reportagem acionar a Lei de Acesso à Informação (LAI), depois que a informação foi negada pela assessoria de imprensa da corporação. Veja trecho do documento:
De acordo com o documento da PM-AM, a sindicância investigativa contra os policiais tem a finalidade de apurar possíveis irregularidades funcionais praticadas por agentes da PM-AM, em um prazo inicial de 30 dias. A PM-AM, no documento aponta que os militares que atuaram na ação ainda não foram identificados. Além disso, o comandante do CPA Leste cita o crime de homicídio.
O oficial responsável pela apuração do caso é o 3° sargento da PM-AM Antônio Luiz Rufino de Souza. No mesmo documento, o tenente-coronel Wener Vieira dos Santos negou instaurar inquérito policial militar porque, segundo ele, não foram identificados “indícios veementes” de autoria ou materialidade que justificassem o procedimento. Ele usou como justificativa a Lei de Abuso de Autoridade, que criminaliza investigação “sem indícios de prática de crime”. Veja trecho do documento:
Entenda o caso
O indígena Tadeo Kulina foi mantido preso, por quase seis horas, dentro de uma viatura da corporação em 6 de fevereiro do ano passado, após ele ser detido por policiais com ferimentos graves. As informações constam em um documento do Ministério Público Federal (MPF), datado de 7 de fevereiro deste ano e assinado pela procuradora Janaina Mascarenhas, o qual aponta que os militares atenderam a ocorrência às 11h08 daquele dia e só encaminharam o indígena para o Hospital e Pronto-Socorro Dr. João Lúcio às 16h55.
Kulina era natural do município de Envira (AM), localizado a 1.208 quilômetros de Manaus e estava na capital amazonense acompanhando a esposa dele, Ccorima Kulina, que estava grávida do quarto filho do casal. Eles, que não falavam português, são indígenas de recente contato e chegaram a Manaus no dia 1° de fevereiro do ano passado após cruzarem o Amazonas em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) aérea. Quando ele morreu, a esposa estava internada na Maternidade Ana Braga, localizada na Zona Leste.
A ficha de atendimento do indígena, emitida na unidade de saúde a qual ele deu entrada, mostra que Tadeo Kulina chegou ao local, às 16h55, desacordado e foi vítima de agressão. Conforme o exame inicial, o paciente apresentou quadro de “sangramento vesical, escoriações por todo o corpo e rebaixamento no nível de consciência”. Ele foi levado ao Hospital João Lúcio, localizado na Zona Leste de Manaus, pelos próprios policiais militares.
Corpo do indígena morto após ficar preso por quase seis horas em viatura da PM-AM (Divulgação) A avaliação dos profissionais de enfermagem que conduziram o atendimento de Tadeo Kulina, o indígena tinha sinais de agressão física e tortura, com vários hematomas em diversas partes do corpo. De acordo com o documento, o homem de 34 anos também estava com os pés e as mãos amarrados quando deu entrada na unidade hospitalar.
“Na avaliação da enfermagem, consta que Tadeo, quando chegou ao hospital trazido pela polícia militar, possuía sinais de agressão física e tortura, com vários hematomas em diversas partes do corpo e os pés e mãos amarrados. Após a realização de tomografia computadorizada do crânio, identificou-se hematoma subdural e intenso edema cerebral, oportunidade em que foi solicitada intervenção cirúrgica”, diz trecho do documento. Veja:
Documento do MPF que fala sobre omissão das autoridades no tratamento do indígena (Reprodução) No exame de tomografia computadorizada, a equipe médica do Hospital João Lúcio identificou hematoma subdural, quando acontece um acúmulo de sangue entre o cérebro e o crânio e solicitou intervenção cirúrgica. O procedimento não chegou a ser feito, porque, após o paciente sofrer uma parada cardiorrespiratória, os profissionais identificaram “a ausência de sinais de viabilidade cerebral”. A morte de Tadeo Kulina foi confirmada às 1h da madrugada de 7 de fevereiro de 2024.
Indenização à viúva
O MPF defende, na Ação Civil Pública (ACP) ingressada pela instituição na Justiça Federal contra a União e o Estado do Amazonas, que sejam pagos R$ 200 mil à viúva de Tadeo Kulina por indenização por dano moral individual. Além disso, o órgão também pede que a viúva receba indenização de R$ 100 mil pela violação dos seus direitos durante o atendimento prestado a ela enquanto estava em Manaus no tratamento médico.
Família de Tadeo Kulina retorna à comunidade dos madihas kulinas, no Amazonas, com o corpo do indígena de recente contato (Divulgação)
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