PMs do Amazonas deixaram indígena ferido em viatura antes de morrer
Por: Jadson Lima
14 de fevereiro de 2025
Tadeo Kulina morreu após ficar preso dentro de uma viatura da Polícia Militar em Manaus (Composição: Élio Lima/CENARIUM)
MANAUS (AM) – Um ano após o registro da morte do indígena de recente contato da etnia Kulina, Tadeo Kulina, em Manaus, novas informações sobre o caso vieram à tona. A Polícia Militar do Amazonas (PM-AM) o manteve preso, por quase seis horas, dentro de uma viatura da corporação em 6 de fevereiro do ano passado, após ele ser detido por policiais com ferimentos graves, depois que despencou de uma altura de sete metros sobre entulhos de construção de um lava jato da capital amazonense.
As informações constam em um documento do Ministério Público Federal (MPF), datado de 7 de fevereiro deste ano e assinado pela procuradora Janaina Mascarenhas, o qual aponta que os militares atenderam a ocorrência às 11h08 daquele dia e só encaminharam o indígena para o Hospital e Pronto-Socorro João Lúcio às 16h55. De acordo com a instituição, a equipe de PMs deixou Tadeu Kulina sozinho dentro da viatura, mesmo verificando que ele possuía vários machucados pelo corpo.
Tadeo Kulina, que morreu horas após ficar preso em uma viatura da PM do Amazonas (Divulgação)
Tadeo Kulina era natural do município de Envira (AM), localizado a 1.208 quilômetros de Manaus e estava na capital amazonense acompanhando a esposa dele, Ccorima Kulina, que estava grávida do quarto filho do casal. Eles, que não falavam português, são indígenas de recente contato e chegaram a Manaus no dia 1° de fevereiro do ano passado após cruzarem o Amazonas em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) aérea. Quando ele morreu, a esposa estava internada na Maternidade Ana Braga, localizada na Zona Leste.
A ficha de atendimento do indígena, emitida na unidade de saúde a qual ele deu entrada, mostra que Tadeo Kulina chegou ao local, às 16h55, desacordado e foi vítima de agressão. Conforme o exame inicial, o paciente apresentou quadro de “sangramento vesical, escoriações por todo o corpo e rebaixamento no nível de consciência”. Ele foi levado ao Hospital João Lúcio, localizado na Zona Leste de Manaus, pelos próprios policiais militares.
Corpo do indígena morto após ficar preso por quase seis horas em viatura da PM-AM (Divulgação)
A avaliação dos profissionais de enfermagem que conduziram o atendimento de Tadeo Kulina, o indígena tinha sinais de agressão física e tortura, com vários hematomas em diversas partes do corpo. De acordo com o documento, o homem de 34 anos também estava com os pés e as mãos amarrados quando deu entrada na unidade hospitalar.
“Na avaliação da enfermagem, consta que Tadeo, quando chegou ao hospital trazido pela polícia militar, possuía sinais de agressão física e tortura, com vários hematomas em diversas partes do corpo e os pés e mãos amarrados. Após a realização de tomografia computadorizada do crânio, identificou-se hematoma subdural e intenso edema cerebral, oportunidade em que foi solicitada intervenção cirúrgica”, diz trecho do documento. Veja:
Documento do MPF que fala sobre omissão das autoridades no tratamento do indígena (Reprodução)
No exame de tomografia computadorizada, a equipe médica do Hospital João Lúcio identificou hematoma subderal,quando acontece um acúmulo de sangue entre o cérebro e o crânio e solicitou intervenção cirúrgica. O procedimento não chegou a ser feito, porque, após o paciente sofrer uma parada cardiorrespiratória, os profissionais identificaram “a ausência de sinais de viabilidade cerebral”. A morte de Tadeo Kulina foi confirmada às 1h da madrugada de 7 de fevereiro de 2024.
A CENARIUM pediu esclarecimentos da PM-AM e da Secretaria de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM) sobre os fatos apresentados pelo MPF, bem como quais procedimentos foram adotados pelos policiais que atenderam a ocorrência naquele dia. A corporação e a pasta que coordena a polícia no Amazonas não comentam o caso.
Indenização à viúva
O MPF defende, na Ação Civil Pública (ACP) ingressada pela instituição na Justiça Federal contra a União e o Estado do Amazonas, que sejam pagos R$ 200 mil à viúva de Tadeo Kulina por indenização por dano moral individual. Além disso, o órgão também pede que a viúva receba indenização de R$ 100 mil pela violação dos seus direitos durante o atendimento prestado à ela enquanto estava em Manaus no tratamento médico.
Família de Tadeo Kulina retorna à comunidade dos madihas kulinas, no Amazonas, com o corpo do indígena de recente contato (Divulgação)
A ACP foi apresentada após a constatação de falhas graves no acolhimento e tratamento do grupo vulnerável, que culminaram na morte do indígena e no abandono da esposa dele. A ação judicial baseia-se em um inquérito civil que apurou omissões na implementação da Portaria 4.094/2018 do Ministério da Saúde, que estabelece diretrizes específicas para a atenção à saúde dos povos indígenas isolados e de recente contato.
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