‘Pode ocupar terra pública e desmatar, que o governo legaliza’, diz Imazon sobre nova proposta do ‘PL da Grilagem’

O texto recebeu o pedido de “vistas” e, por isso, a análise só deve ocorrer na próxima quarta, 15 de dezembro. (Reprodução/Reuters)

Iury Lima – Da Revista Cenarium

VILHENA (RO) – Em novo relatório sobre os Projetos de Lei (PLs) nº 2.633/2020 e 510/2021, integrantes do pacote do ‘PL da Grilagem’, o senador relator da matéria, Carlos Fávaro (PSD-MT), apresentou propostas que, se aprovadas, devem resultar em mais retrocessos do que os já estabelecidos nos textos originais. É o que aponta a análise do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), que alerta para o aumento das ocupações ilegais e do desmatamento em terras públicas federais. “A aprovação desse novo texto, ou mesmo dos textos anteriores, que já tinham problemas, vai acabar passando essa mensagem de que pode ocupar terra pública e desmatar que, em algum momento, o governo brasileiro ou o Congresso Nacional vai lá afrouxar as regras para que isso seja legalizado”, declarou Brenda Brito, pesquisadora do Imazon.

Após a leitura da nova proposta, que ocorreu nesta última quarta-feira, 8, durante a sessão conjunta das comissões de Meio Ambiente e Agricultura, o texto recebeu o pedido de “vistas” e, por isso, a análise só deve ocorrer na próxima quarta, 15 de dezembro.

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O senador Carlos Fávaro (PSD-MT) defende o projeto da regularização fundiária, conhecido como ‘PL da Grilagem’. (TV Senado/Reprodução)

Repúdio

“Imagine alguém roubado uma viatura de polícia, vendendo as peças para justificar o uso e ainda solicitando a posse legalizada do carro ao governo. E o que você acharia se o governo ainda incentivasse a transferência da posse da viatura para o ladrão, a vendendo por um preço muito menor do que no mercado?”, foi com esta  metáfora que o Imazon praticamente desenhou o que ocorre com as terras públicas da União – constantemente invadidas e desmatadas – e criticou o relatório de Carlos Fávaro, que promove, por meio dos PLs, a venda a “preço de banana” dos lotes para os próprios invasores. 

O documento de análise publicado pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia destacou também que, entre os principais problemas do relatório, estão a promoção do avanço do “roubo de terras públicas e do desmatamento ilegal”, quando deveria apresentar soluções para impedir os retrocessos. 

Nova proposta, velho retrocesso

Na avaliação da pesquisadora do Imazon, Brenda Brito, a nova proposta do ‘PL da Grilagem’ “passa a dizer que vai ser permitido titular áreas que foram ocupadas em até cinco anos antes de uma nova lei”. “Toda vez que a gente tem uma mudança nesse tipo de data limite de ocupação, isso acaba levantando a expectativa de que novas ocupações vão também ser perdoadas se eventualmente legalizadas”, alertou a especialista.

“Outro problema é que assim como já estava nos dois PLs anteriores, ele continua prevendo que áreas que foram ocupadas após o marco temporal definido em lei, podem ser legalizadas, via licitação, com critérios a serem definidos em decreto presidencial, e isso abre espaço, uma grande brecha, para que qualquer área pública da União que seja ocupada após 2017, se não for mudada essa data, para que seja realmente regularizada, mesmo que num processo de licitação e, provavelmente, em condições muito facilitadas”, acrescentou a pesquisadora.

A pesquisadora do Imazon, Branda Brito, avalia que o ‘PL’ da Grilagem põe em risco a preservação das florestas públicas. (Reprodução/Imazon)


Brito também explica que o novo texto do PL aumenta o risco de titulação de áreas em conflito de terras, que, pela legislação federal, não podem ser legalizadas. “E por que ele aumenta esse risco? Porque ele dispensa uma vistoria prévia para áreas de até 1.500 hectares. Hoje em dia, essa dispensa só ocorre para áreas de até 400 hectares, que são propriedades familiares, mas, agora, a gente já está falando de imóveis médios. O risco é que sem fazer uma vistoria in loco, não é possível aferir se essa área é ocupada por quem está pleiteando esse título, se é uma área de grilagem, se existem outras pessoas que têm direito, mas não conseguiram fazer o pedido de titulação (…)”, detalhou. 

Prêmio aos grileiros

De acordo com o instituto, é fato a existência de uma situação de indefinição fundiária em 29% de todo o território de quase 6 milhões de quilômetros quadrados da Amazônia Legal, área equivalente à soma dos territórios de Minas Gerais e Mato Grosso. “Tal área concentrou 42% do desmatamento ocorrido entre 2013 e 2021”. No entanto, o próprio avanço da destruição da floresta nessas áreas não destinadas é um indício de que esse território sofre pressão para ser privatizado. Dessa maneira, a titulação de territórios recém-desmatados seria um prêmio, ao invés de uma punição pelos crimes ambientais”, diz a análise do Imazon. 

Para Brenda Brito, isso coloca diretamente em risco as florestas públicas, que têm sido alvo de um intenso desmatamento nos últimos anos. “A gente pode observar, também, que o desmatamento em 2021 foi o maior dos últimos 15 anos, atingindo 13 mil quilômetros quadrados (…) O mais necessário, nesse momento, seria retirar esses projetos de pauta”, concluiu a pesquisadora. 

Registro do Greenpeace mostra região de floresta desmatada em Rondônia. (Reprodução/Greenpeace)

Ameaças

As tentativas de aprovar alterações na legislação federal de regularização fundiária, a Lei nº 11.952/2009, se arrastam há dois anos. Com a perda da validade da Medida Provisória nº 910/2019, em 2020, surgiram, então, os dois projetos que compõem o conhecido ‘PL da Grilagem’. O Imazon avalia os seguintes resultados caso a aprovação ocorra em 2022:

  • Anistia a quem invadiu terras públicas após 2011, com marco temporal de venda sem licitação alterado para 2017, além de permitir a venda com licitação de áreas ocupadas posteriormente;
  • Aumento do risco de titulação de áreas sob conflito por dispensa de vistoria prévia na titulação de imóveis com até 1.500 hectares;
  • Redução do prazo das garantias socioambientais que devem ser cumpridas após a titulação (a contagem do prazo de dez anos das obrigações passa a ser feita da data de cadastro do pedido de titulação, ao invés da emissão do título;
  • Criação de benefícios a ocupantes de médios e de grandes imóveis em terras públicas (por criar situações de isenção de custos, redução de preços para quem já possui outro imóvel e extinção automática de cláusulas obrigatórias para títulos já emitidos;
  • Permissão para reincidência de invasão de terra pública (pois autoriza a nova titulação para quem vendeu a área há mais de dez anos);
  • Ampliação da possibilidade de extinção de projetos de assentamento para aplicação das regras de privatização de terras públicas (com risco de afetar assentamentos criados para populações agroextrativistas);
  • Descentralização da resolução de conflitos agrários para os municípios sem a garantia de participação dos órgãos de controle.
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