‘Política de execução’, dizem sociólogos sobre massacre no Rio que deixou 130 mortos


Por: Marcela Leiros

29 de outubro de 2025
‘Política de execução’, dizem sociólogos sobre massacre no Rio que deixou 130 mortos
Dezenas de corpos são trazidos por moradores para a Praça São Lucas, na Penha, Zona Norte do Rio de Janeiro (Tomaz Silva /Agência Brasil)

MANAUS (AM) – O massacre impetrado pela polícia do Rio de Janeiro nessa terça-feira, 28, nos complexos da Penha e do Alemão, na Zona Norte da capital fluminense, deixou mais de 130 mortos, segundo a Defensoria Pública. A ação, que mobilizou 2,5 mil agentes, é considerada a mais letal da história do Estado e foi classificada por especialistas ouvidos pela CENARIUM como parte da “política de execução” do estado, por meio da “eliminação de indesejáveis”, que se repete na segurança pública brasileira.

Dezenas de corpos foram trazidos por moradores para a Praça São Lucas, na Penha, Zona Norte do Rio de Janeiro (Eusébio Gomes/TV Brasil)

De acordo com a Defensoria do Rio de Janeiro (DPE-RJ), já são contabilizadas as mortes de 128 civis e quatro policiais, totalizando 132 vítimas. O governo estadual, porém, mantém o balanço oficial em 64 mortos, sendo 60 suspeitos e quatro policiais, e 81 presos. Na manhã desta quarta-feira, 29, a Praça da Penha amanheceu com mais de 60 corpos retirados pelos moradores de uma área de mata durante a madrugada.

À CENARIUM, o sociólogo Luiz Antonio Nascimento, professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), avaliou que o episódio representa a falência do Estado Democrático de Direito e uma violação aos direitos humanos, já que os mortos não tiveram direito a um julgamento.

A polícia entrou ali com a intenção de promover a execução daquelas pessoas, com a intenção de ignorar o Estado de Direito. Estado de Direito, por exemplo, que garante que as pessoas sejam denunciadas, processadas, se defendam e, ao final do processo, sejam condenadas ou não e levadas à prisão“, pontuou o sociólogo, citando o julgamento dos réus por tentativa de golpe no Brasil.

Luiz Antonio Nascimento (Reprodução/Arquivo pessoal)

Nesse momento, por exemplo, você tem um conjunto de atores políticos, Bolsonaro, os generais das jornadas, sentado no banco dos réus e com a sua integridade preservada. Isso é Estado Democrático. Agora, quando a polícia entra [em uma comunidade] e executa 100, 120 pessoas, supostamente envolvidos com o crime. Não é papel do Estado Nacional, a gente não tem pena de morte, não tem política de execução“, observou.

Também sociólogo, Lino João de Oliveira Neves, do Departamento de Antropologia da Ufam, observou que a operação deve ser analisada não apenas pela contagem de mortos, mas pela brutalidade envolvida. Ele menciona outros episódios, como o Massacre do Jacarezinho, em 2021, quando 28 pessoas foram mortas na comunidade, como uma ilustração da “operação de massacre” que o Estado impetra.

Isso mostra que as forças públicas, em geral, não agem dentro daquilo que deveria ser a sua postura. Levar a ordem, levar a pacificação, evitar a morte. Ao contrário, elas são operações de violência, operações de vingança, operações de massacre“, observou.

Professor Lino João de Oliveira Neves, do Departamento de Antropologia da Ufam (Reprodução/Ufam)

Questionado sobre como avalia a operação, Lino João afirmou: “Uma operação de eliminação de pessoas indesejáveis a essa comunidade Polícia Militar. As pessoas da comunidade, favela, as pessoas da favela da Penha e do Morro do Alemão, indesejáveis, foram trucidadas por aquela força que deveria ser uma força de segurança, de paz, de levar à tranquilidade, mas que impõe o medo, a insegurança, a criminalidade“.

Ação pontual

A jornalista e pesquisadora Cecília Olliveira, cofundadora do Instituto Fogo Cruzado, classificou, em vídeo, o episódio como mais um capítulo trágico na história da segurança pública do País. Ela criticou a ênfase em ações militares e pontuais, afirmando que operações desse tipo não atacam as raízes do problema — fluxos financeiros, apropriação de territórios e omissões estatais — e tendem apenas a deslocar a violência para outros pontos.

Não é culpa do PT, não é culpa do Bolsonaro. O CV e o PCC são resultados de um país que decidiu empurrar esse problema da segurança pública pra ir debaixo do tapete por mais de 30 anos. Isso não é de ontem. E aí é muito triste, mas muito triste a gente ver uma operação como essa de hoje. 64 mortos, policiais, moradores e não vai adiantar nada, não vai adiantar nada. Se matar resolvesse, e a gente mata muito, o Brasil seria a Suíça“, explicou.

Massacre

Batizada de “Operação Contenção“, a ação, também chamada de “massacre”, foi resultado, de acordo com o governo estadual, de mais de um ano de investigação da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE) e tinha como objetivo cumprir 100 mandados de prisão contra integrantes do Comando Vermelho. O foco, segundo o Governo do Rio de Janeiro, era conter a expansão territorial da facção e capturar lideranças escondidas nas comunidades.

Além dos mortos, 81 pessoas foram presas, incluindo Thiago do Nascimento Mendes, conhecido como Belão, que é apontado como o operador financeiro do CV no Complexo da Penha e braço direito do chefe do Comando Vermelho, Edgar Alves de Andrade, vulgo “Doca” ou “Urso”.

Dezenas de corpos são trazidos por moradores para a Praça São Lucas, na Penha, Zona Norte do Rio de Janeiro (Tomaz Silva /Agência Brasil)

A operação resultou na retenção de 93 fuzis, um número que superou os balanços mensais de apreensão dessa arma em quase todos os meses do ano, ficando próximo do recorde histórico. O dia da operação foi marcado por intensos tiroteios, com drones policiais registrando criminosos fortemente armados fugindo em fila indiana pela mata da Vila Cruzeiro, no Complexo da Penha.

Em resposta à atuação policial, criminosos do CV também utilizaram tecnologia, sendo flagrados arremessando bombas em uma comunidade através de um drone. O suporte logístico da polícia incluiu, além dos drones, dois helicópteros, 32 blindados e 12 veículos de demolição.

A operação gerou “caos” na cidade, com escolas municipais e estaduais fechadas, unidades de saúde suspendendo o funcionamento inicial, e linhas de ônibus tendo seus itinerários desviados.

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