População trans enfrenta resistência e busca alternativas para inserção no mercado de trabalho

Associações e coletivos têm atuado para modificar cenário de exploração e violência contra trans (Reprodução/Internet)

Carolina Givoni – Da Revista Cenarium

MANAUS – Com sub-representação no movimento LGBTQIA+, a população transexual ainda luta pela garantia de acesso a direitos básicos como educação, saúde e trabalho. Associações e coletivos têm atuado para modificar o cenário de exploração e violência, da qual dados apontam que apenas 6% de trans estão inseridos no mercado de trabalho brasileiro, por meio de atividade informais e subempregos.  

Dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), de Salvador, na Bahia, descrevem que escassez de políticas públicas voltadas à qualificação profissional corroboram para a triste estatística: 90% da população de travestis e mulheres transexuais fazem da prostituição como fonte de renda.

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A produtora audiovisual Diana Savi, de 22 anos, está inclusa na estimativa da Antra, onde apenas 4% da população trans feminina têm ocupação formal, com possibilidade de promoção e progressão de carreira.

A produtora Diana Savi afirma que não aborda sobre o processo de transição por medo de sofrer preconceito. (Arquivo Pessoal/Reprodução)

“Trabalho desde os 13 anos e comecei com serviços informais de informática e assistência técnica. Já trabalhei também em supermercados, faculdades, escolas, e em serviços como freelancer. No entanto, comecei a trabalhar com criação e produção audiovisual em geral apenas quando me mudei para Manaus, quando decidi iniciar meu processo de transição”, explica.

Diana conta que no cotidiano corporativo é comum sofrer algum tipo transfobia dos colegas de profissão. “Quando se fala em transição, especialmente quando se refere à mulher trans, há uma grande expectativa que sejamos o que a sociedade interpreta como ‘feminina’. Estar sempre produzida, maquiada, depilada, ser delicada. Nós mulheres sabemos que essa visão é totalmente distorcida, seja para mulheres cis ou trans, e que isso impacta, diretamente, na minha relação com as pessoas ao meu redor, visto que estou em período inicial de transição hormonal e não sou muito vaidosa”, detalha.

Transfobia

Mesmo possuindo o nome social, a produtora afirma que quando começa a trabalhar em um novo local, não aborda sobre o processo de transição por medo de sofrer preconceito. “Moro sozinha e dependo estritamente de um emprego fixo para me sustentar. Sendo assim, me submeto a repressão, que causa bastante sofrimento a longo prazo. Depois de um tempo, falo sobre minha condição e até então, fui bem acolhida e respeitada onde trabalhei anteriormente”, finaliza.

Oportunidades

A universitária Camila Araújo, de 21 anos, faz parte do contexto educacional que abrange apenas 0,02% da população trans, o ensino superior. Segundo dados do Projeto “Além do Arco-Iris” e AfroReggae, cerca de 72% de pessoas trans não possuem o ensino médio e 56% detém apenas ensino fundamental.  

Com grandes expectativas para início do processo de transição, a futura biomédica conta detalhes da identidade de gênero recém descoberta. “Me assumi como uma pessoa trans em fevereiro deste ano. E estava prestes a iniciar a transição, mas veio a pandemia, que atrasou um pouco. Vou efetivamente começar o processo em agosto. Já fui ao médico e já fiz exames.  Estou apenas esperando os resultados”, explica.

Camila afirma que nunca trabalhou, mas que tem procurado vagas e até chegou a fazer currículos, ela também relata enfrentar burocracias para solicitar a mudança da documentação.

Camila Araújo tem grandes expectativas para início do processo de transição (Arquivo Pessoal/Reprodução)

“Encontrei dificuldades para emitir os novos documentos com nome social. E por enquanto não estou trabalhando, eu fiz uns currículos ano passado, na época quando me ainda chamava de Jairon, até consegui ser entrevistada, mas não fui contratada. Desde criança me entendia como mulher e não tenho dificuldades psicológicas na aceitação da transição”, descreve.

Esperança

Diana faz acompanhamento endocrinológico, psiquiátrico e psicológico pelo ambulatório trans, serviço público gratuito oferecido pela policlínica Codajás. Ela enxerga um futuro mais inclusivo e espera evolução da diversidade nos demais setores econômicos.

“Acredito que é importante enfatizar que o mercado de trabalho para pessoas trans vem crescendo muito na criação de conteúdo nas redes sociais e na produção e criação audiovisual, mas ainda tem muito a evoluir nos demais setores”.

A presidente da Associação de Travestis, Transexuais e Transgêneros do estado do Amazonas (Assotram), Joyce Alves, relembra que já estava inserida no mercado de trabalho desde muito jovem. “Minhas experiências de trabalho aconteceram enquanto eu já estava transacionada. Mas devido a expressar o gênero feminino, encontrei dificuldades para acessar o mercado de trabalho, tanto que sempre trabalhei informalmente”, completa.

Reunião do Assotram sobre debate de visibilidade trans (Reprodução/Internet)

Joyce afirma que até quando buscava estágio no período em que cursava o ensino superior encontrava dificuldades. “Existiam estágios que não me abriram portas por eu apresentar uma figura feminina. Na época não havia leis que pudessem nos amparar. Hoje já temos a legislação que norteia atendimentos médicos e até mesmo a própria retificação do nome masculino para o feminino”, ressalta.

Na associação, Joyce diz que as iniciativas para viabilizar a empregabilidade trans serão iniciadas em agosto. “O projeto ‘Transformar’ tem inicio programado para agosto. Vamos incentivar a inserção ao mercado de trabalho, orientando a produção do currículo, imprimindo os papéis e fornecendo uma ajuda de custo para quem buscar o serviço. Já estamos na fase final da elaboração, fazendo o mapeamento da demanda e posteriormente buscando parcerias com empresas e demais entidades”.

A presidente da Assotram destaca que os pequenos empreendimentos têm buscado incluir a população trans em Manaus, e que o preconceito institucional e a falta qualificação são barreiras que limitam a expansão da diversidade no trabalho formal. “Empresas de grande porte ainda não estenderam essa iniciativa fora do eixo sul-sudeste. A falta de acesso a direitos básicos, qualificação para o mercado de trabalho”, finaliza.

Suporte

O coordenador do projeto Casa Miga LGBT+, Lucas Brito, de Manaus, afirma que a iniciativa não tem parcerias específicas com o poder público ou empresas privadas com foco na empregabilidade trans. Mas que, recentemente, uma das mulheres trans começou a trabalhar após ser acolhida no espaço.

Espaço Casa Miga LGBT+ oferece apoio e suporte a trans em situação de vulnerabilidade (Reprodução/Internet)

“Ela agora atua em um café em um bairro nobre de Manaus, que abriu vagas específicas para o público LGBT+. Montamos o currículo, enviamos e ela teve essa oportunidade. Está trabalhando até então. Além disso, neste mês de julho, contratamos uma outra mulher trans acolhida da casa, para ficar responsável pela alimentação do local. Montamos um contrato inicial de 3 meses e estamos abrindo essa oportunidade, pois percebemos tal potencial”.

Brito afirma que o contexto de contratação encontra barreiras para ser concretizado de ser inserida na sociedade, entrar no mercado de trabalho formal e ter oportunidade para conseguir alcançar uma mudança e recomeço para de vida.

Lucas Brito e a comunidade LGBTQ atendida no coletivo (Reprodução/Internet)

“A população trans não somente hoje, vive à margem da sociedade. Muitas abandonaram os estudos devido a tantas violências sofridas, boa parte trabalha como profissional do sexo. Então quando surgem vagas para cursos e empregos, certas exigências como escolaridade e experiência profissional ainda restringem a população T, para que de fato, tenha oportunidade”.

“Reforço a importância do apoio do público por meio de doações, parcerias e financiamento direto para funcionamento da Casa e para que possamos criar oportunidade de formação, educação e empregabilidade para pessoas Trans”, finaliza.

Mais dados

Devido à exclusão familiar, a Antra estima que a média de idade de travestis e mulheres transexuais são expulsas de casa pelos pais é pelo menos 13 anos. Situação que gera abandono do currículo escolar, gerando uma maior dificuldade de inserção no mercado formal de trabalho e deficiência na qualificação profissional causada pela exclusão social.

Apesar de não haver estudos sistemáticos sobre a expectativa de vida das travestis e transexuais femininas, Antunes (2013) afirma que a expectativa de vida desta população seja de 35 anos de idade, enquanto a da população brasileira em geral, é de 74,9 anos (IBGE 2013).

No caso de homens trans e pessoas transmasculinas, existe uma dificuldade ainda maior no levantamento de dados, devido à invisibilidade. Em geral, a escolaridade desta parcela da população é inversamente proporcional à baixa escolaridade das travestis e mulheres transexuais.

A Antra declara que pelo menos 80% dessa população tenha concluído o ensino médio e seja a maior parcela da população trans nos empregos formais, com índices superiores a 70%. Não há dados sobre o percentual de homens trans que estejam atuando na prostituição. Em geral, eles acabam optando pelo atendimento em privês e locais que promovem uma maior sensação de segurança.

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