Por unanimidade, STF torna réus seis integrantes do ‘Núcleo 2’ da trama do golpe
Por: Ana Cláudia Leocádio
22 de abril de 2025
BRASÍLIA (DF) – A 1ª Turma do Supremo Tribunal (STF) recebeu, por unanimidade, a denúncia contra seis pessoas do chamado Núcleo 2 da trama do golpe, denunciadas pela Procuradoria Geral da República (PGR). Agora, elas responderão a uma ação penal pelos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, envolvimento em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
Foram denunciados, pela PGR, dois militares que atuavam diretamente no governo de Jair Bolsonaro: o general Mário Fernandes, ex-secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência da República; e o coronel da reserva Marcelo Costa Câmara, ex-assessor da Presidência e formado nas Forças Especiais (FE) conhecido como “kid preto”. Eles são acusados de participação no plano chamado “Punhal Verde Amarelo”, que planejava a morte de autoridades.
Também foi denunciado o ex-assessor para Assuntos Internacionais da Presidência da República Filipe Garcia Martins Pereira, que segundo a PGR teria elaborado a minuta do golpe e entregue Bolsonaro, que depois a ajustou para tentar convencer a cúpula das Forças Armadas a aderirem ao projeto.

A PGR denunciou, ainda, três pessoas ligadas ao ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Anderson Torres, que teriam atuado para impedir a chegada de eleitores às urnas no segundo turno das eleições presidenciais, em 2022: os delegados da Polícia Federal Marília Ferreira de Alencar e Fernando de Sousa Oliveira, além do ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF) Silvinei Vasques.
Marília e Fernando foram levados por Torres para a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal e foram denunciados, ainda, por omissão na prevenção dos ataques de 8 de janeiro, que culminaram na depredação dos prédios dos Três Poderes, em Brasília.
Para o relator do processo, ministro Alexandre de Moraes, a PGR trouxe elementos necessários para a aceitação de denúncia e que atendem aos requisitos exigidos pelos Art. 41 e 395 do Código do Processo Penal, com a demonstração da materialidade e indícios razoáveis de autoria, que deverão ser posteriormente combatidas na fase processual da ação penal.
O voto de Moraes foi acompanhado pelos colegas de colegiado, os ministros Flávio Dino, Cármem Lúcia, Luiz Fux e Cristiano Zanin, presidente da 1ª Turma. Conforme o relator, a denúncia da PGR é embasada em provas e descreve a conduta de cada um, o que permite o reconhecimento da justa causa para cada um dos denunciados.
Relator aceita denúncia na íntegra
Ao acolher a denúncia na íntegra da PGR, Moraes refutou algumas alegações dos advogados dos denunciados durante as sustentações orais, que disseram não ver justa causa na denúncia por falta de nexo causal no que continha no texto acusatório e as provas apresentadas nos autos do processo.
O relator apresentou as conversas entre os delegados da PF, Marília de Alencar e Fernando de Sousa Oliveira, este último diretor de operações no Ministério da Justiça e Segurança Pública. Ambos são acusados de elaborar Boletim de Inteligência (BI), que traçava um mapa de votação de Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro, cuja planilha foi apreendida pela Polícia Federal.
Para o ministro, que foi ministro da Justiça na gestão de Michel Temer, nunca se viu traçar um plano de segurança ser elaborado, baseado no número de eleitores necessários para determinado candidato. Conforme Moraes, ficou demonstrado pela PGR que o grupo, que contava ainda com a participação do então diretor da PRF Silvinei Vasques, utilizou-se da estrutura da instituição para impedir a chegada de eleitores às seções eleitorais, com o intuito de ajudar o então presidente Bolsonaro a permanecer no poder.
“A acusação aponta que os denunciados se utilizaram especialmente da estrutura da Polícia Rodoviária Federal, sob o comando do denunciado Silvinei Vasques, para obstruir o funcionamento do sistema eleitoral e minar os valores democráticos, dificultando a participação de eleitores que se presumiam contrários ao então presidente, após o primeiro turno das eleições de 2022”, afirmou Moraes em seu voto.
Pesa ainda contra Vasques o fato de ter realizado uma reunião chamando os policiais rodoviários a tomarem um lado na eleição, declaração confirmada por alguns policiais ouvidos nas investigações pela PF. Segundo Moraes, Vasques modificou o planejamento de segurança nas eleições nas vésperas do pleito de 30 de outubro de 2022, que contrariava o que havia sido realizado no primeiro turno. Ele ainda desobedeceu a uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que proibia qualquer operação nas estradas no dia de votação.
Em relação ao então assessor para Assuntos Internacionais da Presidência da República, Filipe Garcia Martins Pereira, Moraes disse que os fatos narrados eram suficientes para a aceitação da denúncia, porque tanto a delação do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid, quanto o depoimento do ex-comandante do Exército Freire Gomes, confirmavam que ele levou a Bolsonaro e leu a minuta do golpe, no Palácio do Alvorada, em dezembro de 2022. “Há justa causa para início da ação penal”, disse.
O advogado de Filipe Martins também requereu a suspensão das medidas cautelares que seu cliente precisa cumprir, após ter a prisão preventiva suspensa, mas Moraes disse que analisará o pedido em data oportuna.
Militares e a trama da morte
No que se refere à denúncia contra os militares Mário Fernandes e Marcelo Câmara, ambos trabalhavam na Presidência da República. Moraes reiterou que a PGR demonstrou a participação de Marcelo na operação Copa 2022, que consistia no monitoramento de autoridades em Brasília, no mês de dezembro, além da troca de informações com outros membros da organização. Moraes era um dos monitorados pelo militar, junto com o presidente Lula e o vice Geraldo Alckmin.
O ministro do STF aproveitou a oportunidade para esclarecer os questionamentos feitos ao fato de ele ser o juiz desse processo, mesmo sendo um dos alvos apontados nas investigações. Segundo ele, como não se trata de uma ação penal por homicídio, na qual ele seria a vítima, não há como afastá-lo do julgamento, pois, nesse caso, a vítima são as instituições democráticas.

Sobre a participação do general Mário Fernandes, Moraes sublinhou elementos trazidos na denúncia da PGR, nos quais o militar já se posicionava de forma radical em favor de um golpe, desde julho de 2021. Fernandes foi denunciado pela suposta participação na operação “Punhal Verde Amarelo”, que previa uma série de ações para executar a implantar o plano do golpe de Estado.
A PGR também mostrou a presença do general nos acampamentos golpistas, no QG do Exército, em Brasília, e demonstrou participação central com caminhoneiros que davam suporte às manifestações, à época, e que pediam intervenção militar, contrariados pelo resultado da eleição que elegeu Lula e Geraldo Alckmin.
Além disso, foi comprovado que Fernandes imprimira a planilha com a descrição do plano, no Palácio do Planalto, e encaminhado para o Palácio da Alvorada, onde estava o então presidente Bolsonaro. Outro fato é de que essa mesma planilha foi impressa em seis cópias por Reginaldo de Abreu, também no Planalto.
Mário Fernandes está preso preventivamente e seu advogado cobrou, em plenário, uma decisão de soltura, já que ele não ofereceria nenhum perigo de obstrução processual. Moraes disse que decidirá sobre o pedido em outro momento.
Próximas etapas no STF
Com o recebimento da denúncia, os denunciados devem aguardar a publicação da ata e do acórdão do julgamento desta terça-feira, 22, para que a ação penal seja instaurada e comecem a ser abertos os prazos de notificações dos réus, e começa um processo de instrução, com amplo direito à defesa, indicação de testemunhas e de provas.
Segundo Moraes, será o momento para que a PGR reúna todas as provas necessárias para corroborar os indícios de materialidade e autoria apontados da denúncia aceita pelos ministros.
Com essa segunda denúncia aceita pela 1ª Turma do STF, chega a 13 o número de pessoas apontadas pela PGR como participantes do núcleo central das tramas do golpe, que culminaram nas manifestações após as eleições e, posteriormente, na invasão e depredação das sedes dos Três Poderes. Moraes chegou a exibir mais uma vez o vídeo das cenas dos ataques para demonstrar que não se tratou de um “passeio no parque com velhinhas de bíblia na mão”.
Já se tornaram réus, os integrantes do Núcleo 1, ou núcleo crucial, que segundo a PGR teria o ex-presidente Jair Bolsonaro, como líder da organização. Além dele, são réus os ex-ministros Anderson Torres (Justiça), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Braga Netto (Defesa e candidato a vide de Bolsonaro), Alexandre Ramagem (Abin), Paulo Sérgio Nogueira (Defesa), e o ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos.