Povos da Amazônia devem ser contemplados nas discussões da COP30 sobre adaptação climática
Por: Ana Cláudia Leocádio
10 de outubro de 2025
MANAUS (AM) – As agendas que discutem medidas de adaptação às mudanças climáticas e a garantia de financiamento para implementá-las serão os principais mecanismos para inserir os povos indígenas e tradicionais da Amazônia nos debates da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), que será realizada, daqui a um mês, em Belém, capital do Pará, de 10 a 21 de novembro. É o que afirmou a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, durante coletiva de imprensa, nesta sexta-feira, 10, em Brasília, para marcar a contagem regressiva para a realização do evento e detalhar a dinâmica da Pré-COP, que ocorrerá nos próximos dias 13 e 14, na capital federal.
O encontro deverá reunir 72 delegações que participarão das negociações diretas da COP30, em Belém, além de 500 inscritos. Segundo o secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores, embaixador Maurício Carvalho Lyrio, essa etapa que antecede a convenção é considerada importante porque traz oportunidades para que sejam realizadas discussões e consultas sobre todos os temas que precisam ser decididos até novembro. Desde o início de 2025, já houve outras duas etapas para aproximar as delegações e colocar a pauta em debate.

As Conferências das Partes (COPs) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês) são realizadas desde 1995 e só deixaram de ocorrer em 2020, por causa da pandemia da Covid-19. Elas foram o resultado concreto da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, conhecida como Eco-92 ou Rio-92, por ter sido realizada entre 3 e 14 de junho de 1992, no Rio de Janeiro.
Com uma dinâmica própria de realização, com temas “pré-mandatados”, ou seja, que já chegam prontos para serem debatidos e discutidos pelos delegados, o evento será realizado pela primeira vez na Amazônia, após 33 anos da Eco-92, considerada a COP de maior mobilização social. A CENARIUM questionou os organizadores brasileiros sobre como os povos amazônidas, indígenas, ribeirinhos e quilombolas podem se ver representados em alguma decisão tomada em alto nível pelas delegações. Ao todo, serão 140 temas “mandatados” em discussão na conferência.
O presidente da COP30, embaixador André Corrêa do Lago, reconhece que essas populações foram esquecidas na forma como foi formulada a UNFCCC, que é onde ocorrem as conferências das partes. Ele afirma, no entanto, que é importante que os organizadores sejam cobrados a dar respostas efetivas a esses povos.
Lago destacou a importância dos enviados especiais, sobretudo das mulheres, que têm dado uma dinâmica de consultas, visitas e questionamentos pelo País, de extrema importância, e que ajudam a responder sobre qual o espaço e de que maneira a COP vai atingir as pessoas da Amazônia. “Eu acho que essa pergunta nós queremos poder responder. Achamos que temos que ser cobrados e espero que daremos respostas”, disse.
Fundo para as florestas
Para a ministra Marina Silva, a agenda de adaptação — onde se decide como combater os efeitos da mudança do clima — e as formas de financiamento dos projetos serão o locus para que as populações tradicionais vocalizem seus anseios e sugestões.
“A agenda de adaptação é um lugar onde as comunidades estarão inteiramente dentro dessa agenda e também o relatório vai buscar financiamento. As comunidades estão dentro dessa agenda e até nos mecanismos adicionais, como é o caso do TFFF (Fundo Florestas Tropicais para Sempre), onde nós já estabelecemos que 20% dos recursos desse fundo irão para os povos indígenas e comunidades tradicionais, além de que essas comunidades trazem também o sentido de urgência para a COP”, ressaltou Marina.
A ministra lembrou ainda que a COP não é uma via de mão única, em que todos esperam as soluções aprovadas pelas lideranças mundiais, mas um processo de retroalimentação, no qual muitas ideias chegam de fora para dentro, como a questão do valor de US$ 1,3 trilhão para o financiamento climático. “Não vamos nos esquecer de que a agenda de perdas e danos não era uma questão dentro do processo de negociação. Isso foi colocado de fora para dentro. Então, é um processo de retroalimentação”, afirmou.

Na avaliação de Maurício Lyrio, há 30 anos seria impensável imaginar uma COP na floresta amazônica, principalmente por causa da visão defensiva do governo brasileiro, que, anteriormente, não reconhecia a necessidade de preservar as florestas para o bem do País e, também, para a mudança do clima.
“Chegar a uma COP em que a Amazônia é o centro — não só porque é o local da conferência, mas porque é onde está o governo brasileiro, sob a liderança do presidente Lula e da ministra Marina, dizendo ‘a floresta está no centro também’ — e é preciso ter soluções para preservar as florestas, eu diria que é a grande revolução, em termos de posição do governo brasileiro e de dianteira no processo de combate à mudança do clima, que já tínhamos, inclusive, na questão das energias renováveis”, afirmou o diplomata.
A expectativa é de que a COP30 seja um marco nas discussões sobre a mudança do clima desde o Acordo de Paris, na COP21, realizada na capital francesa, em 2015, quando os países concordaram em limitar o aquecimento global bem abaixo de 2°C, com esforços para que esse aumento não ultrapasse 1,5°C acima dos níveis pré-industriais, e alcançar a neutralidade climática no futuro.
Os especialistas climáticos são taxativos ao afirmar que, em dez anos, muito pouco se avançou, e 2024 marcou o ano em que o globo ultrapassou a marca de 1,5°C de aquecimento. Os cientistas alertam que, se nada for feito até 2040, a situação será muito complicada para todo o planeta. Essa decisão, mais uma vez, será tomada em mais uma rodada de negociações na COP30, em Belém. Segundo o presidente da COP30, André Corrêa do Lago, 162 países já confirmaram credenciamento junto à UNFCCC para participar da conferência, em novembro.
Clima de frustração
A um mês da COP30, apenas 62 países apresentaram os documentos com a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDCs), um compromisso que os países membros da UNFCCC e signatários do Acordo de Paris precisam apresentar a cada cinco anos. O Brasil se antecipou e apresentou a sua na COP29, em 2024, numa tentativa de estimular, pelo exemplo, seus pares a fazer o mesmo e antecipar a entrega.
O prazo encerrou-se em 10 de fevereiro deste ano, com baixa adesão, e teve que ser prorrogado até setembro. Agora, a expectativa dos organizadores brasileiros é de que, até a conferência, 125 países depositem suas NDCs. A União Europeia e a Índia, grandes emissores de gases do efeito estufa, ainda não entregaram o documento.

Os Estados Unidos, segundo maior emissor global, que deixará o Acordo de Paris, em janeiro, entregaram sua NDC ainda no governo de Joe Biden. A China, líder em emissões, apresentou o documento durante a Semana do Clima, em Nova Iorque, em setembro, mas com metas consideradas tímidas diante do volume que emite. Para os organizadores brasileiros, a demora pode ser explicada porque os países querem entregar metas audaciosas e com qualidade na definição de como atingi-las.
Outra frustração diz respeito à meta do financiamento climático de US$ 1,3 trilhão, que era para ter sido definida na COP29, em Baku, e acabou sendo trazida para a conferência do Brasil, onde outras pautas precisam ser abordadas. A aposta do governo brasileiro está na criação e aprovação do Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês), que deverá ser formado por recursos públicos e privados, como um fundo de investimento para compensar os países que preservam suas florestas.
