Presidente do Cimi vê racismo no crime contra indígena em delegacia do AM
Por: Ana Cláudia Leocádio
28 de julho de 2025
BRASÍLIA (DF) – O presidente nacional do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Dom Leonardo Steiner, declarou ter recebido aterrorizado a denúncia de violência sexual sofrida por uma indígena kokama, que denunciou estupros de policiais militares dentro no 53º Distrito Integrado de Polícia (DIP) de Santo Antônio do Içá (AM), a 800 quilômetros de Manaus. A declaração foi feita no lançamento do “Relatório Violência contra os povos indígenas no Brasil”, de 2024, nesta segunda-feira, 28, em Brasília. Para o cardeal, o crime é o reflexo do racismo da sociedade brasileira contra os povos indígenas.
Dividido em quatro tópicos, foram registrados 429 casos de violência contra indígenas, dos quais 20 foram de violência sexual. Um dos registros, envolve um indígena de 44 anos, que foi atendido na Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) de Cruzeiro do Sul (AC), em janeiro de 2024, após ser vítima de estupro em uma cela da Penitenciária Manoel Neri da Silva. Ele compartilhava a cela com mais quatro detentos e foi encontrado sangrando. Em depoimento, a vítima relatou ter sido espancada pelos outros presos, ter perdido os sentidos e, quando acordou, já estava sangrando e foi levado para a UPA. O relatório não cita que providências foram tomadas depois.

O caso da indígena Kokama do Amazonas, embora tenha ocorrido entre novembro de 2022 e agosto de 2023, não consta nos relatórios do Cimi, porque veio a público somente neste mês de julho. Mas a instituição promete inseri-lo no documento de 2025, que está em fase de preparação.
Para Dom Leonardo, que além de presidente do Cimi é arcebispo de Arquidiocese de Manaus (AM), a situação da indígena é aterrorizante e mostra um problema do Estado em não assegurar os direitos das mulheres e indígenas, além do racismo que perpassa os povos originários em todo o País.
“É o Estado que está abusando de uma mulher indígena, e de uma mulher indígena que tem um filho, e o filho presenciou tudo. Isso é de uma brutalidade enorme. (…) Primeiro porque ela é mulher e indígena, isso é de um racismo que existe na sociedade brasileira em relação aos indígenas. Esse modo de encarar o indígena como uma pessoa qualquer, não como participante, como agente da sociedade”, avaliou o cardeal.
Steiner assegura que o Cimi irá acompanhar o caso para levar a outras instâncias, mas afirma que é preciso reconhecer que nem todas as delegacias estão dotadas de celas para homens e mulheres, e isso precisa ser resolvido. “As mulheres têm a sua dignidade e os seus direitos, e toda delegacia deveria ter uma cela para mulheres e para homens. Já tivemos no passado essa dificuldade que agora se repete. Agora a repetição atual é gravíssima”, disse.

O coordenador do relatório do Cimi, Roberto Antonio Liebgot, informou que o registro da violência será feito no documento do próximo ano, como estupro continuado, porque vinha ocorrendo de um ano para outro. Para o coordenador, assim como estes, deve haver outros casos que nunca vieram a público com outras mulheres indígenas passando pelas mesmas brutalidades e violência.
Liegbot informou que o Cimi já realizava um levantamento sobre os encarcerados indígenas em presídios do Brasil e o caso do Amazonas mostrou a necessidade de se avançar em outros sistemas de controle, como as delegacias. “Ela foi uma escrava sexual dentro da cadeia, tanto de policiais como de presos. É de uma brutalidade sem limites. Então esse controle social de fato precisa ser feito”, afirmou.
Os policiais militares denunciados pela indígena tiveram a prisão decretada e o Ministério Público Estadual (MPE), a Defensoria Pública, o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) acompanham o caso.