Privatização da água no Pará avança sob protestos
Por: Fabyo Cruz
11 de abril de 2025
BELÉM (PA) – A concessão dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário de 99 municípios paraenses à iniciativa privada foi oficializada na tarde desta sexta-feira, 11, em leilão realizado na sede da B3, a Bolsa de Valores de São Paulo. Com a promessa de universalizar o acesso à água até 2033 e atingir 90% de cobertura de esgoto até 2039, o Governo do Pará anunciou a operação como um marco para o saneamento no Estado. O processo foi marcado por protestos, denúncias de falta de transparência e críticas sobre os impactos sociais da privatização.
Desde as primeiras horas do dia, trabalhadores da Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa) e movimentos sociais ocuparam a frente da sede da empresa, no bairro de São Brás, em Belém. O ato, organizado pelo Sindicato dos Urbanitários, denunciou o que classificam como um processo “imposto, sem diálogo e sorrateiro”, com a aprovação da Lei 171/2023 — que autorizou a desestatização — ocorrida na antevéspera do Natal, sem debates com a sociedade civil nem com os trabalhadores da companhia.
“A experiência mostra que a privatização geralmente resulta em aumento de tarifas e precarização dos serviços. O acesso à água pode ser negado a quem não conseguir pagar”, alertou o sindicato em nota. Segundo a entidade, o processo de privatização da Cosanpa vai na contramão de um movimento mundial de reestatização dos serviços de saneamento, após sucessivas experiências malsucedidas com empresas privadas.
Em 4 de abril, o governador Helder Barbalho (MDB) havia negado, em publicação nas redes sociais, que a Cosanpa estivesse sendo privatizada. Segundo ele, apenas o serviço de distribuição de água foi concedido à iniciativa privada, enquanto a empresa permanecerá pública, responsável pela produção da água.
A declaração, no entanto, não amenizou as críticas, que apontam para o repasse do controle de um bem estratégico — como o Sistema Aquífero Grande Amazônia (Saga), com mais de 162 mil km³ de água doce — ao setor privado. Parte dessa reserva está localizada em Alter do Chão, em Santarém, região considerada uma das maiores reservas subterrâneas de água potável do planeta.
“Quem deveria garantir o acesso à água e ao esgoto é o Estado, que arrecada impostos para isso. Ao entregar esse serviço à lógica do lucro, o governo abre mão de um direito básico da população”, afirma o Sindicato dos Urbanitários.
Reações
Nas redes sociais, a deputada estadual Lívia Duarte (Psol) criticou o resultado do leilão e a condução do processo. “A Cosanpa foi vendida. Por R$ 1,4 bilhão, a Aegea vai controlar o abastecimento de água e esgoto em 99 municípios, além das duas cidades que já administra no Pará. Um leilão feito às pressas, sem ouvir a população”, declarou. A parlamentar também questionou o destino dos recursos da concessão: “Onde esse dinheiro será aplicado? O destino é tão nebuloso quanto a própria privatização”.

Entre as críticas, também há comparações com a privatização da Centrais Elétricas do Pará (Celpa), ocorrida em 1998. Lívia Duarte afirma que apesar de mais de duas décadas sob controle privado, moradores de várias regiões do estado ainda enfrentam instabilidade no fornecimento e ausência de energia elétrica.
“Privatizar a água é abrir mão da soberania e entregar um bem essencial à lógica do mercado”, completou a deputada Lívia. “Seguiremos na luta, denunciando esse absurdo. A Cosanpa é do povo. O Pará não está à venda”, afirmou.
Leilão bilionário
A empresa Aegea Saneamento e Participações S.A. arrematou todos os blocos disponíveis (A, B e D) por R$ 1,4 bilhão. O maior deles, o Bloco A, inclui as cidades de Belém, Ananindeua e Marituba — que concentram cerca de um terço da população do Estado. Com maior densidade populacional e infraestrutura já parcialmente instalada, o lote é considerado o mais rentável. Já o Bloco C, que engloba municípios como Santarém e Altamira, não recebeu nenhuma proposta, por conta da baixa densidade demográfica e da complexidade logística da região.