Produzida por mulheres indígenas, Pimenta Baniwa sofre com falta de recursos e investimentos no AM


Por: Audrey Bezerra*

27 de outubro de 2025
Produzida por mulheres indígenas, Pimenta Baniwa sofre com falta de recursos e investimentos no AM

MANAUS(AM) – A Pimenta Baniwa, também conhecida como jiquitaia, é mais do que um tempero típico da culinária amazônica: é símbolo de resistência, autonomia feminina e sustentabilidade. Produzida de forma artesanal pelas mulheres da etnia Baniwa, em São Gabriel da Cachoeira, a cerca de 850 quilômetros distante de Manaus, a jiquitaia é um produto cultural e econômico reconhecido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) como parte do Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro, declarado Patrimônio Cultural do Brasil em 2010.

No entanto, a cadeia produtiva que dá vida à pimenta vive um momento de crise. Durante visita da reportagem do Dia a Dia Notícia à comunidade Yamado, foi possível constatar que, mesmo com o prestígio nacional e internacional, a produção enfrenta escassez de recursos, dificuldade de transporte e falta de materiais básicos para o envase.

A jiquitaia é feita a partir de misturas de pimentas torradas e moídas com sal, utilizando cerca de 60 variedades diferentes, cada uma com aroma, cor e ardência únicos. O cultivo é tradicional, sem uso de agroquímicos, e realizado nas roças e jardins das comunidades Baniwa às margens do Rio Içana.

Em cada pote, a força e o conhecimento ancestral das mulheres Baniwa (Reprodução/Dia a Dia Notícia)

Somente as mulheres plantam e cuidam das pimentas”, explica Ivanilson Baniwa, ressaltando que a iniciativa surgiu em 1992, a partir da reivindicação das mulheres da etnia, que buscavam uma alternativa de geração de renda e autonomia dentro das comunidades.

Hoje, a pimenta é comercializada em redes como o Pão de Açúcar, utilizada pela chocolateria Nakau em alguns produtos e servida em restaurantes de São Paulo e no Amazonas. O produto também chegou aos Estados Unidos e está em fase de experimentos de exportação para a Alemanha, ampliando o reconhecimento da cultura indígena baniwa no cenário global, segundo informou o gerente de vendas, Alfredo Brazão.

De acordo com Irineu Laureano Baniwa, líder da comunidade Yamado e também artesão, o cenário atual é de preocupação.

Casa da Pimenta Yamado, uma das duas ainda em funcionamento no Alto Rio Negro (Reprodução/Dia a Dia Notícia)

Os desafios são vários. O principal é a falta de capital de giro. Não temos material suficiente para preparar os potes de pimenta, nem recursos para manter os botes de motor e as casas de produção. Hoje, não conseguimos pagar o produtor na hora que ele entrega as pimentas”, relatou.

O projeto contava com quatro Casas da Pimenta, responsáveis pelo processamento, envase e armazenamento da jiquitaia — mas apenas duas seguem em funcionamento: a Casa da Pimenta Yamado, próxima à sede do município, e a de Ucuki Cachoeira, no Alto Aiarí.

As unidades de Tunuí Cachoeira (Médio Içana) e da Escola Pamáali (Médio/Alto Içana) foram desativadas por falta de manutenção e investimentos. Essas Casas são fundamentais para garantir qualidade, rastreabilidade e padronização da produção, além de organizar o fluxo de compra das pimentas das roças familiares.

Crise no fornecimento e incertezas

Outro problema recente é o interrupção no fornecimento dos potes usados para o envase da jiquitaia. Segundo Alfredo Brazão, gerente de comercialização da Pimenta Baniwa, a empresa responsável pelo fornecimento parou de entregar o material.

Estamos com problemas no fornecimento dos potes que são vendidos fora e, para não pararmos completamente, resolvemos comprar potes menores de 15g até resolvermos como vai ficar essa situação”, afirmou.

Essa limitação compromete a capacidade de distribuição do produto, especialmente para o mercado externo e para as parcerias com empresas e restaurantes.

Mulheres Baniwa lideram toda a cadeia de produção da jiquitaia — do plantio à venda (Reprodução/Dia a Dia Notícia)
Identidade, resistência e futuro

Mais do que um alimento, a pimenta Baniwa é um instrumento de luta política e afirmação cultural. Representa a força das mulheres indígenas, a sabedoria ancestral transmitida entre gerações e a relação equilibrada com a floresta.

Para os povos do Rio Negro, a jiquitaia é também uma forma de mostrar que a floresta em pé gera renda e dignidade. “A pimenta é a nossa voz, a nossa identidade. Ela representa o jeito Baniwa de viver e resistir”, resume Irineu.

Com a crise atual, o futuro da produção depende de novos investimentos, apoio institucional e políticas públicas que fortaleçam a economia indígena e a valorização da sociobiodiversidade amazônica.

(*) Audrey Bezerra é diretora-geral do Portal Dia a Dia Notícia

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