Professor da UEA descobre técnica de ensino musical esquecida em Portugal


Por: Marcela Leiros

19 de dezembro de 2024
Mario Trilha é docente da UEA há dez anos (Luiz André Nascimento/CENARIUM)
Mario Trilha é docente da UEA há dez anos (Luiz André Nascimento/CENARIUM)

MANAUS (AM) – Na Biblioteca Nacional de Portugal, em Lisboa, capital do país europeu, há 15 anos, o docente da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) Mario Marques Trilha Neto fez uma descoberta pioneira na área de música clássica, que tem ganhado força na atualidade. Entre centenas de documentos históricos, ele encontrou, despretensiosamente, partimentos, materiais didáticos usados por estudantes de música dos séculos 18 e 19, que estavam “esquecidos“.

O partimento é como a partitura tradicionalmente utilizada por músicos para ler e executar as composições, mas uma parte separada, que só possui a linha da mão esquerda. “Se parece a uma parte do baixo contínuo do acompanhamento, mas não é realmente uma parte de acompanhamento“, afirma o pesquisador. Às vezes, têm números, que são intervalos indicando a condução melódica; outras vezes, não. O material era usado por músicos em instrumentos de teclas.

Mario Trilha explica a composição do partimento identificado em Portugal (Luiz André Nascimento/CENARIUM)

Só que ela não é exatamente aquilo. Porque, na música, nessa música de orquestra, de câmara, o que o sujeito tem que fazer é harmonizar para acompanhar alguém, para acompanhar um cantor, a orquestra, ou o que for. E ali [no partimento], a ideia é construir uma peça a partir do baixo. É começar a aprender“, destaca, lembrando que o material também estimula a criatividade dos alunos, sem engessar o aprendizado como os métodos tradicionais.

Então serve para entender harmonia, para entender o caminho melódico, que é o contraponto, e para puxar pela criatividade também. É uma base para a futura improvisação. É um material muito completo e era complementado com outras disciplinas, sobretudo com uma que era o solfejo, que é cantar e ler [as partituras], mas não no sentido que a gente faz hoje“, acrescentou.

Apesar de ter sido localizado por Mario Trilha em Portugal, o partimento teve origem na Itália, em conservatórios de música. A prática ficou esquecida, e começou a reaparecer a partir da segunda metade do século 20.

Além de tocar piano, Mario Trilha integra o corpo docente da UEA (Luiz André Nascimento/CENARIUM)
A descoberta

Com diplomas em Piano na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e Cravo, na Conservatoire National de Rueil-Malmaison, na França, Mario Trilha também tem mestrado em Cravo na Staatliche Hoschule für Musik Karlsruhe, na Alemanha, e o mesmo título em Teoria da Música Antiga, na Schola Cantorum Basiliensis Hochschule fur Alte Musik, na Suíça.

Mas foi no doutorado em Música, na Universidade de Aveiro, em Portugal, em 2011, que a descoberta foi alcançada. Com a experiência em Música Antiga, ele conseguiu identificar o partimento na Biblioteca Nacional de Portugal. O pesquisador explica que o material não tem muitos detalhes, deixando espaço para a interpretação do músico.

Essa metodologia não tem texto, ou tem muito pouco texto, porque pressupunha que os meninos tinham o professor ao lado. Então, quase não tem explicação, ou não tem explicação nenhuma“, disse. “Eu comecei a ver o material, e ver que era partimento. Só que, como foi uma tradição que se perdeu, isso estava catalogado na biblioteca como exercícios de contraponto, baixos, exercícios de harmonia, ou baixos soltos. Os bibliotecários catalogavam com as informações que tinham“.

Além da Biblioteca Nacional de Portugal, partimentos também foram encontrados pelo docente em Coimbra e Vila Viçosa. Em Coimbra, o material estava, contou o pesquisador, dentro de uma gaveta na Faculdade de Letras.

Mario Trilha também localizou partimentos em três cidades portuguesas: Lisboa, Coimbra e Vila Viçosa (Luiz André Nascimento/CENARIUM)

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No Brasil

Também há registros históricos de partimentos no Brasil, mais especificamente após a vinda da Corte Portuguesa para o País, afirma Mario Trilha. O pesquisador conta que D. João VI era “doido por música” e trouxe o compositor português Marcos Portugal, que veio lecionar para Dom Pedro e as irmãs. Aqui, o músico reconstituiu o partimento, mas o que ficou registrado foi apenas o método de solfejo – arte de ler e cantar as notas musicais de uma partitura – com acompanhamento.

Há registros, ainda, de possíveis produções de partimentos pelo padre carioca José Maurício Nunes Garcia, conforme relatos de um de seus filhos. “O filho faz um relato, e depois a gente vai vendo notícias sobre essa metodologia em uso no Brasil até o final do século 19, muito avançado. Então isso aconteceu aqui também por essa via, especialmente após a Corte se instalar no Rio de Janeiro“, lembra Mario Trilha.

Professor toca piano com um dos partimentos localizados em Portugal (Luiz André Nascimento/CENARIUM)
O que muda?

Para o pesquisador, o método possibilita maior compreensão do contraponto, que é a condução melódica entre as vozes, e da harmonia, mas são necessários mais estudos e entendimento de como interpretá-lo. Além dos instrumentos de teclas, também é possível adaptá-lo para o violão.

É uma coisa nova, mesmo para mim, muita coisa ainda são questões em aberto, porque é um material muito amplo, e como deixaram poucos exemplos escritos do que eles achavam que seria a realização, sem muito texto, mesmo os grandes especialistas divergem em muita coisa, de como fazer, do que fazer… É bacana porque é um campo novo de ensino musical, é um material didático muito legal“, acrescenta.

Congresso

A descoberta levou Mario Trilha ao “Symposium: Partimento – Realizing its Potential” (Simpósio: Partimento – Alcançando seu Potencial, traduzido para o português), que aconteceu em Viena, na Áustria, de 12 a 15 de novembro. O evento foi o primeiro grande congresso internacional da área.

Na ocasião, o docente do Departamento Musical da Escola Superior de Artes e Turismo da Universidade do Estado do Amazonas (Esat/UEA) apresentou a pesquisa intitulada “The Partimento in Portugal in the 18th century” (O Partimento em Portugal no século 18, na tradução para o português). “É uma área nova que tem muito potencial porque é um material que te permite muita coisa, te permite entender muita coisa“, concluiu.

Revisado por Gustavo Gilona

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