Profissionais abandonam cargos altos para aceitar salários menores e ter mais qualidade de vida

Para especialistas, essa tendência tem um importante ganho para a pessoa: a saúde mental (REUTERS/Amanda Perobelli)

Bruno Pacheco – Da Revista Cenarium

MANAUS – Abandonar o emprego em um cargo alto, que requer horas e horas de trabalho e que pode acarretar em um estresse emocional, para aceitar receber um salário menor e ter mais qualidade de vida, tem suas vantagens e desvantagens. Para especialistas, essa tendência, contudo, tem um importante ganho para o profissional: a saúde mental.

O fotógrafo manauara Tadeu Rocha, de 33 anos, é graduado em Administração de Empresas e era funcionário público até 2017, quando ele ainda tinha 29 anos de idade. À época, o fotógrafo tinha conseguido um cargo de chefia no local onde trabalhava, mas ele resolveu pedir exoneração do emprego para ter mais qualidade de vida e realizar o sonho de atuar com a fotografia.

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“Eu tinha iniciado (no serviço público) como estagiário, em 2008. Até que gostava do trabalho, mas o funcionalismo público, na visão que eu tinha, me travava um pouco. A gente vai ficando muito acomodado, com o tempo, seja pelo trabalho que a gente está executando, seja pelo clima; o ambiente, onde você tem um quadro de funcionário antigo que, com o passar do tempo, começa a relaxar nas obrigações e começa a achar que está fazendo (o trabalho) pelo público um favor, quando não é. E isso me frustrava”, lembra Tadeu, ao falar do motivo que o fez pedir exoneração.

Tadeu Rocha pediu exoneração do emprego para ter mais qualidade de vida e realizar o sonho de atuar com a fotografia (Arquivo Pessoal/Tadeu Rocha)

À REVISTA CENARIUM, o fotógrafo lembra ainda que, em 2017, ele questionou se estava feliz, mesmo com o cargo alto. Após refletir, Tadeu viu que a resposta era não. Foi, então, que a ideia de trabalhar com o hobbie que tinha, desde criança, veio à tona: fotografar.

“Sempre fui apaixonado por fotografia. Desde cedo, no meu primeiro emprego, aos 16 anos, já fui tirando dinheiro para investir em câmera, mas era um hobbie. E eu nunca achei que um hobbie fosse virar uma profissão. Em 2015, começaram a surgir propostas de serviço e eu fui aceitando; em 2016 também e em 2017, chegou ao ponto da repartição atrapalhar a fotografia. Foi quando eu tomei a decisão de pedir exoneração para me dedicar, somente, à fotografia”, frisou Tadeu Rocha.

Medo

Aos 29 anos, Tadeu conta que sentiu um certo medo de sair do emprego e trocar o “certo pelo duvidoso”. Além disso, o fotógrafo conta que a família dele tomou um susto quando ele tomou a decisão. Atualmente, o profissional trabalha como freelancer, nas áreas de fotografia documental, fotojornalismo e foto de produtos.

Tadeu Rocha atua como fotógrafo freelancer (Arquivo Pessoal/Tadeu Rocha)

“Larguei um cargo que eu tinha para um com um salário de 30% a menos do que eu tinha. Eu saí para ganhar menos e para eu me realizar. A partir do momento que tu é freelancer, tu pode decidir se pega ou não o serviço. Então, tem momentos que eu tenho muito mais tempo, mas por decisão minha”, salientou.

Novo desafio

A advogada Ana Clícia Guilherme contou à REVISTA CENARIUM que também decidiu sair da empresa onde trabalhava para que ela pudesse ter mais tempo com a família, como a sobrinha e a avó. Além disso, Ana afirma que foi, ainda, em busca de um novo desafio profissional, mas que garantisse a ela espaço para afazeres pessoais e lhe proporcionasse uma vida mais confortável.

“A minha tomada de decisão vinha sendo trabalhada há algum tempo, porque o ritmo do meu (antigo) trabalho não era o que eu queria para a minha vida. Com a proximidade dos meus 30 anos, o envelhecimento da minha avó, que foi a pessoa que me cuidou e que eu queria estar mais perto dela e da minha sobrinha, me fez querer parar com esse ritmo frenético de trabalho, pois, eu queria sair mais cedo da empresa para levar a minha sobrinha ao parque, passar mais tempo com a família; o que meu emprego não me dava a liberdade; pelo contrário”, contou a advogada.

Clícia saiu do antigo trabalho para que ela pudesse ter mais tempo com a família (Arquivo Pessoal/Reprodução)

Segundo Ana Clícia, a pressão no trabalho para que ela produzisse cada vez mais foi lhe causando traumas, desgaste físico e mental. Por conta disso, lembra a advogada, ela passou a fazer terapia profissional, o que a ajudou a tomar a decisão de mudança de emprego.

“Eu faço terapia desde 2018. Sempre foi muito prejudicial a pressão do trabalho e, como eu sempre falo, eu trabalhava para pagar terapia pelos traumas que o meu emprego me causava. Isso virou um ciclo. O ambiente de trabalho e as pessoas eram legais, mas a pressão de algumas pessoas lá de dentro foi me adoecendo e eu vi que não era aquilo que eu queria para mim. Teve um dia que, simplesmente, eu levantei da minha cadeira, fui até a minha superior, e pedi a minha demissão”, relatou.

Saúde mental

No novo emprego onde advoga e é sócia, Ana Clícia narra que ela tem total liberdade para resolver os problemas pessoais e, ainda, o direito a mais folga para que ela possa ficar com a família. A advogada reitera que a mudança na vida profissional “foi a decisão mais acertada da vida” dela, algo que não trocaria por nada, e que, ainda, foi fundamental para uma melhor saúde mental. “Estou me sentindo muito mais leve”, expôs.

Clícia afirma que agora tem mais tempo livre e flexibilidade de horário (Arquivo Pessoal/Reprodução)

“(Agora) tenho tempo livre e flexibilidade, algo que eu queria demais: ser dona do meu tempo e dizer o que quero fazer. Eu não me importo de trabalhar um sábado ou um domingo a mais, ou trabalhar à noite, porque eu consigo organizar meu tempo e dizer o que é importante; por exemplo, priorizar a minha família e levar a minha avó ao médico, levar minha sobrinha à escola. Fazer parte dessa aliança com minha família é muito importante para mim”, reforçou Ana Clícia.

Autoconhecimento

A decisão de trocar de emprego deve ser muito bem planejada. As perspectivas de desenvolvimento profissional, um bom ambiente de trabalho e qualidade de vida devem ser levados em conta. Para o psicólogo e mestre em Psicologia Cássio Peres, especialista em Sexualidade, Gênero e Direitos Humanos, ganhar menos passa a valer a pena quando a pessoa reconhece seus limites e sabe, efetivamente, que outras coisas podem causar prazer. À REVISTA CENARIUM, Cássio destacou que isso vem com reflexão e autoconhecimento.

“Conhecer-se pode ser um grande passo para que se consiga identificar qual o sentido do trabalho em nossas vidas. Um acompanhamento psicoterapêutico pode auxiliar na investigação desses fatores”, salientou o psicólogo Cássio Peres.

Para o psicólogo Cássio Peres, a decisão de trocar de emprego deve ser muito bem planejada (Arquivo Pessoal/Reprodução)

O especialista lembra que um trabalho começa a ser prejudicial quando a pessoa deixa de ter energia para outras áreas de sua vida. “O investimento é tão grande naquela área que o trabalho passa a ser a fonte de satisfação total da pessoa. O que, em algum momento, vai frustrá-la”, frisou.

“Digo isso porque nossa satisfação está ligada a diversos contextos de nossas vidas: família, amizades, relacionamentos amorosos, investimento em autoconhecimento. Uma vez que dedicamos em desequilíbrio a uma só delas, acabamos por negligenciar todas as outras. O mais recomendado é sempre se reavaliar para saber qual o nosso objetivo naquele trabalho e o que realmente estamos buscando ali”, contou Peres.

Cássio Peres reforça que, em grande parte das vezes, o indivíduo desenvolve a tendência de reduzir o seu valor ao que faz e pensa que só é alguém importante se cumprir um trabalho com perfeição. Ou seja, se reduz ao trabalho. Para o especialista, isso pode criar uma grande sobrecarga à pessoa. O psicólogo pontua que aceitar ou não grandes cargos deve acontecer sempre depois de muita reflexão e compartilhamentos com pessoas de confiança que, talvez, tragam diferentes perspectivas sobre aquela situação.

“É necessário saber que sempre iremos abrir mão de algo ao fazermos uma escolha. Será que o tempo e a energia que vou dedicar a este trabalho vale a pena em detrimento do meu bem-estar, da minha saúde, do meu lazer? Será que vou conseguir, minimamente, gozar de algo se eu investir tanto tempo e intensidade a uma função só? Sobrará tempo para mim e/ou para pessoas que amo? Acredito que são bons pontos de partida”, realçou.

Estresse

Em meio à pandemia da Covid-19, onde o modo de se trabalhar precisou passar por alterações, o mundo ficou mais estressado, mais triste, com mais raiva e mais preocupado do que nos últimos 15 anos, segundo o relatório global de emoções feito pela Gallup.

Segundo a pesquisa, quatro em cada dez adultos disseram ter experimentado preocupação ou estresse (40%), em 2020. Três em cada dez experimentaram dor física (29%) e cerca de um em cada quatro experimentou tristeza (27%) ou raiva (24%). De 2019 para 2020, o estresse aumentou em 5%, em pleno ano de pandemia, com quase 190 milhões de pessoas a mais que se sentiram estressadas no ano passado.

Os fatores que tornam alguém mais suscetível ao estresse são múltiplos, segundo o psicólogo Cássio Peres. À CENARIUM, o especialista citou alguns exemplos: pessoas que são chefes ou chefas de família, que precisam trabalhar para sustentar outras pessoas.

“Muitos (as) trabalhadores (as) precisam aceitar condições precárias de trabalho porque precisam do dinheiro. Isso, infelizmente, estimula a permanência em funções que sugam sua energia e força vital”, relatou Cássio Peres.

Outro exemplo, conclui Cássio, são pessoas que sentem que sempre precisam provar que são boas, pois, estão, constantemente, buscando satisfação no outro; em mostrar para o outro que pode ser boa. “Entender esse movimento pode auxiliar no processo de percepção do que é realmente importante para si mesmo”, concluiu.

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