Profissionais de imprensa enfrentam a Covid-19 e ataques contra a liberdade de expressão no Brasil

O presidente Jair Bolsonaro atacou 121 jornalistas, em 2019, o que representa 58% das agressões registradas (Divulgação)

Luana Dávila e Mencius Melo – Da Revista Cenarium

No Dia da Imprensa, duas constatações claramente marcam a data que deviria ser de celebração. Devido aos últimos acontecimentos vistos no Palácio da Alvorada, em Brasília (DF), está se tornando uma rotina perigosa cobrir eventos de apoio ou contra o Presidente Jair Bolsonaro (Sem Partido), seja lá onde for realizado. A segunda, para piorar, é que profissionais de imprensa, na missão de levar a verdade, estão cada vez mais expostos à Covid-19.

Novo epicentro mundial da doença, a pandemia no Brasil tem se tornado um divisor de águas na vida de muitos profissionais.

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A REVISTA CENARIUM entrevistou quem faz parte da profissão e entidades que representam a categoria que diz: “não é fácil ser jornalista”.

A jornalista e Presidente do Sindicato do Jornalistas Profissionais do Estado do Amazonas (SPJ-AM), Dora Tupinambá, fez uma avaliação diante dos números publicados pela Federação Nacional do Jornalistas (FENAJ) sobre os ataques à imprensa em 2019.

O presidente Jair Bolsonaro atacou 121 jornalistas, em 2019, o que representa 58% das agressões registradas. A Fenaj contabilizou no total, 208 casos de violência no ano passado, num balanço divulgado recentemente.

Segundo Dôra, a fúria do presidente, tem explicação. “Essa tem sido uma constante, como ele [Bolsonaro] não consegue implantar a censura, ele resolve atacar à imprensa”, acusou.

Para a dirigente, o comportamento não chega a ser uma novidade. “Essa demonstração vem bem antes dele ganhar a eleição. Lá, ele já dava sinais de que seria assim. Ele só fez confirmar depois que ganhou”, recordou Dôra.

Tupinambá chama atenção para os gestos de retaliação do político. “[Bolsonaro] Ratificou tudo isso com a medida provisória inconstitucional que mexe com o exercício da profissão de jornalista e de outras categorias profissionais”, exemplificou.

A presidente Dora Tupinambá acredita que as retaliações do presidente da República aos jornalistas estão em seu DNA político há muito tempo, bem antes de sua eleição (Reprodução/Amazônia Real)

“Situação de humilhação”

O vice-presidente para a região Norte 1, da Fenaj – que engloba os estados de Rondônia, Roraima, Acre e Amazonas –  o jornalista Wilson Reis, disse que a Federação repudia qualquer ato contra a liberdade de expressão e que a instituição dará todo apoio jurídico aos profissionais que sofrerem esse tipo de violência.

“Até agora não temos nenhum posicionamento do Planalto no sentido de mudar. A Fenaj orienta àquele profissional que se sinta agredido, verbal ou fisicamente, que ele registre um Boletim de Ocorrência (BO) e comunique à Federação para que possa ser garantido o apoio jurídico e, inclusive, de orientação”, sugeriu.

Reis também informou que a Fenaj, junto com o sindicato dos jornalistas do Distrito Federal, irá elaborar uma cartilha para orientar as vítimas.

“A ideia é orientarmos os jornalistas, pois a situação é de humilhação. Há um descontrole total do presidente da República, quando há qualquer pergunta que não o agrade, aí ele agride. Isso a gente não quer nem aqui e nem no mundo”, disse

Ainda tem a Covid…

No epicentro de um dos maiores focos de Covid-19, no Brasil, o Amazonas concentra uma enorme população de infectados. Para cumprir o seu papel, jornalistas estão sujeitos a contrair o vírus.

O jornalista e roteirista Emerson Medina, atualmente editor no Jornal Diário do Amazonas, contraiu a Covid -19, provavelmente em uma das idas ao consultório médico com a esposa.

“O jornal aqui decretou o home office para os editores e somente os repórteres estavam trabalhando em regime de plantão por revezamento, acho que uma das idas ao consultório, acompanhando a Karol que está em uma gravidez de risco, acabei contraindo”, disse Medina.

O jornalista descreve os sintomas da doença e diz que ficou quase um mês isolado.

“Tive um quadro leve, dor de cabeça, febre e uma tosse seca chata, mas, o que me deixou com suspeita foi a perda do olfato e do paladar pelo terceiro, quarto dia, fiz os exames e foi confirmado. Inicialmente foram 14 dias de isolamento, mas, pelo fato da gravidez da Karol ser de risco, fiquei mais 14 dias, totalizando quase um mês”, informou. 

“Ainda mantemos o distanciamento e como sequela fiquei com uma tosse, mas, já sai do quadro transmissão do vírus”, comemorou Emerson Medina, que continua trabalhando na editoração de matérias.

Na TV

Rosto e voz do Balanço Geral, Record Manaus, o jornalista Clayton Pascarelli, também foi infectado pela Covid-19. “Não faço a menor ideia de como posso ter pego a Covid, sendo bem sincero. Posso ter pego trabalhando, ou fazendo alguma atividade externa. Não faço a menor ideia”, disse.

“E sobre as reações fico até com receio de comentar, pois muita gente não está levando a sério esta doença, mas eu não tive muitas complicações, nos meus piores dias tive muito cansaço, como nunca tive, e dores no corpo com febre. Mas nada tão grave como de outras pessoas que eu conheço”, detalhou Clayton.

Questionado como foi seu tratamento, o âncora da Record, descreveu. “Não entro em detalhes sobre o tratamento para não levar as pessoas a se medicarem sem passar com um médico. Até porque tomei vários medicamentos. E uma certeza eu dou: não tomei cloroquina”, aconselhou.

Apresentador da Record Amazonas, o jornalista Clayton Pascarelli foi uma das personalidades do jornalismo amazonense, a contrair o novo Coronavírus. Segundo ele, o tratamento e a recuperação, foi sem cloroquina (Reprodução/Record TV)

A fotografia da pandemia

Se a pandemia por Covid-19 for revisitada pelos estudantes de história, daqui há alguns anos, as imagens da tragédia no Brasil são claras e marcantes nas fotos de Sandro Pereira.

Repórter fotográfico há 12 anos, o amazonense produziu as fotos mais impactantes da pandemia no Brasil.

Tanto que suas fotos rodaram e mundo e estamparam capas de grandes jornais do Brasil como O Globo, Estadão, Extra, O Tempo, e Agora.

Sandro Pereira contou um pouco do clima triste e tenso, que viveu ao fazer os registros dos enterros.

“É muito complicado porque as famílias já estão ali com muita dor, então a gente tem que chegar com jeito e conversar com as famílias e explicar nosso trabalho”, explicou.

Registro histórico de uma tragédia humana. As fotos do repórter fotográfico Sandro Pereira, sobre os efeitos da Covid-19 na população manauara, varreram o mundo e mostraram a gravidade da pandemia causada pelo novo Coronavírus (Reprodução/Sandro Pereira)

Mas, mesmo com o ar pesado, o fotógrafo nunca foi mal tratado. “Estou acompanhando desde o início da pandemia e nunca tive problemas com nenhuma família, pelo contrário, tinha familiares que pediam era pra gente registrar”, relembrou.

Questionado se contraiu a Covid-19, ele respondeu. “Eu nunca fiz o teste, não sei se fui contaminado, acredito que não. Teve alguns dias em que me sentia mole, às vezes uma leve dor de cabeça, a boca amarga, mas acho que era do trabalho mesmo. Teve vários dias que fiquei sem almoçar, sem beber água, essas coisas”, recordou.

Para ele, apesar do sucesso, a pandemia vai deixar marcas. “Pois é, as fotos rodaram o mundo, infelizmente, devido essa tragédia que muitas pessoas passaram e perderam seus entes queridos”, ponderou.

O profissional também perdeu. “Eu também perdi pessoas próximas e um grande amigo para esse vírus, mas temos que lembrar das pessoas que conseguiram vencer. Eu fiz muitas fotos de pacientes curados saindo do hospital de Campanha da Prefeitura, queria ter feito também do hospital do Governo, mas eles não deixam”, reclamou.

Imprensa versus fascismo ao longo da história

As reações agressivas e por vezes brutas de Bolsonaro, junto à imprensa, não são uma novidade. Ao longo da história moderna, com a evolução da cobertura de fatos por parte da imprensa, exemplos de perseguição aos profissionais da informação, não faltam.

Na Italia de Mussolini, os anos que antecederam a eclosão da 2ª Guerra Mundial, o Duce (líder em italiano) e seus comandados, os brutais fascios (daí a origem da expressão fascismo) perseguiu e assassinou profissionais de imprensa.

Minimizado por seu jeito tosco, Mussolini, começou a lembrar ao legislativo italiano que se quisesse, poderia ele e governar por decreto.

Entre uma ameaça e outra, Mussolini bradava. “Eu poderia fechar este Parlamento e construir um governo exclusivamente fascista. Eu poderia, mas não quis, pelo menos neste momento”, histrionava ele, sem ser levado a sério.

Fake News dos anos 1930. Com praticamente toda a imprensa alemã, alinhada, muitas vezes à força, ao Nazismo, matérias falsas eram vinculadas nos grandes jornais para induzir a população. Na machete acima, do Der Stürmer, um assassinato ritual de crianças, praticado por judeus. Falso (Reprodução/US Holocaust Memorial Museum)

Ainda pior que o ditador italiano, foi seu contemporâneo e parceiro de crimes, Adolf Hitler.

O ditador alemão, levou a destruição ao mundo, nos anos 1940. Mas, antes disso, trabalhou arduamente para desarticular, perseguir e assassinar a imprensa ‘não alinhada’ da Alemanha dos anos 1930.

Em uma era em que não havia internet, o rádio e os jornais impressos alemães, eram a maior indústria de comunicação do mundo.

Josefh Goebells, Ministro da Propaganda Nazista – que era jornalista – trabalhou para sufocar e realinhar esse aparato. Eram ao todo mais de 4.700 jornais com 25 milhões de exemplares diários e semanais em circulação (segundo o Memorial do Holocausto dos EUA).

Tudo foi confiscado para se tornar a mais poderosa máquina de propaganda de um Estado totalitário. Quem não aceitava, tinha que se entender com a Gestapo, a brutal Polícia Secreta do regime nazista.

Herzog virou símbolo

No Brasil, o símbolo da repressão do Estado contra a imprensa, foi o jornalista Vladmir Herzog.

Vlado, como era conhecido nas redações de imprensa de São Paulo, ousou desafiar o regime dos militares de 1964 e foi assassinado em 1975, nos porões do DOI -CODI, no Quartel General do 2º Exército, em São Paulo.

Apresentou-se voluntariamente para um interrogatório e foi torturado até a morte. Sua causa mortis foi um alegado ‘suicídio’, mas, a família e seus colegas de imprensa fizeram um estardalhaço.

Hoje, é sabido que Herzog foi assassinado. O fato lamentável é que ele e sua família de origem judaica, fugiram da antiga Iugoslávia (hoje Croácia) nos anos 1940, por conta da perseguição nazista. Vlado veio a perecer no Brasil, nas mãos de outro regime totalitário.

Assassinado pela ditadura militar de 1964, Vladimir Herzog hoje empresta seu nome, ao maior prêmio do jornalismo Brasileiro. O Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos (Reprodução/O Mato Grosso)
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