Pelo menos 11 milhões de mulheres e adolescentes brasileiras padecem de pobreza menstrual — não têm dinheiro, nem acesso a absorventes durante o natural ciclo fisiológico. O Congresso derrubou, em março último, o veto do presidente da República ao Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual (Lei 14.214/21). Mas, até agora, o Ministério da Saúde não definiu as regras nem garantiu os recursos necessários à compra e à distribuição de absorventes a adolescentes e mulheres em grave situação de vulnerabilidade socioeconômica.
O programa foi estimado em R$ 84,5 milhões, ao ano, para atender 5,6 milhões de mulheres e adolescentes. Um valor ínfimo se comparado aos R$ 4,9 bilhões repassados aos aliados do Palácio do Planalto por meio de emendas do relator, mais conhecido como orçamento secreto, cujo destino é desconhecido pela sociedade brasileira. Enquanto isso, faltam banheiros em milhares de escolas pelo País — na Região Norte, são 86.020 unidades de ensino sem banheiro; no Nordeste, 121.524; no Centro-Oeste, 8.123; no Sudeste, 95.084; e no Sul, 10.673.
O que não falta ao Brasil são leis. Mas muitas “não pegam” em meio ao cipoal de normas, seja porque estão dissociadas dos interesses de grupos, seja pelo proativismo dos parlamentares ávidos de se exibirem para seus eleitores, seja porque foram rejeitadas pelos governos desde o nascedouro, ou porque são inconvenientes aos interesses do Executivo. Se a proposta mexer com o caixa da União, aí tudo fica mais complicado. E é nesta última situação que está a norma que criou o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual.
O descaso governamental com a higiene feminina é abominável e desumana. As consequências são gravíssimas, quando meninas e mulheres se veem obrigadas, durante o ciclo menstrual, apelar para o uso de papéis, miolo de pão, plásticos. Esses procedimentos inadequados provocam doenças — infecção urinária ou cistite, candidíase, infecção vaginal por fungo ou por bactéria —, que levam as meninas e as mulheres ao Sistema Único de Saúde (SUS).
Outro dano gravíssimo é o afastamento das adolescentes das salas de aula, com prejuízos à formação escolar dessas meninas, que se esforçam para estudar em busca de uma oportunidade que lhes permita melhores condições de vida. Aí vem outro problema que o recorte racial, para refirmar discriminação étnica do Estado: a maioria delas é preta ou parda. O maldito racismo estrutural, que compromete a formulação das políticas públicas, preservando ou aprofundando as desigualdades sociais.
Mas se os homens brancos ficassem menstruados mensalmente? Com certeza, a realidade para eles seria outra, compreendendo que vivemos num País onde ainda impera o patriarcalismo. Sequer haveria necessidade de norma legal para garantir conforto e bem-estar aos indivíduos masculinos. Mas como o ciclo fisiológico é exclusivo do sexo feminino, digamos que a preocupação é bem menor, ou nenhuma, com o agravante: trata-se de uma parcela da sociedade completamente invisível ao poder e aos poderosos, violentada pelo poder público, sobretudo, nesses últimos quatro anos.
Registra-se que, em quase quatro anos, o governo atual foi incapaz de construir e executar políticas sociais para atender às camadas mais desfavorecidas da sociedade. Não à toa, há 33,1 milhões de famintos no País. Também não é por acaso que há quase 200 mil pessoas em situação de rua. Não por acaso, no campo da saúde, quase 700 mil brasileiros morreram de Covid-19. O aumento de R$ 200, que elevou para R$ 600 o Auxílio Emergencial, se deu em razão das eleições — por muitos, comparado à compra de voto. No entanto, é preciso que a lei contra a pobreza menstrual “pegue” e, diferentemente de outras, não fique aprisionada no papel. Absorventes para adolescentes e mulheres, já!
(*)Rosane Garcia, nascida no Rio de Janeiro, mas residindo em Brasília há 62 anos, é jornalista há 42 anos. Ela trabalhou nos jornais Folha de S.Paulo e Jornal do Brasil e, atualmente, ocupa o cargo de subeditora de Opinião, no Correio Braziliense.