‘Projeto Curupira’ usa tecnologia a serviço da preservação no Amazonas
Por: Thais Matos
17 de janeiro de 2025
MANAUS (AM) – Liderado pelo Laboratório de Sistemas Embarcados (LSE/HUB) da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), o Projeto Curupira tem avançado desde sua criação em 2023 e é focado no aprimoramento tecnológico voltado à preservação ambiental. Desenvolvido com o objetivo de implementar um sistema inteligente de monitoramento para áreas de floresta fechada, rios e zonas urbanas, o projeto busca uma abordagem inovadora na detecção de ameaças e ataques ao ecossistema, de dentro para fora das florestas, e não de fora para dentro, como ocorre, por exemplo, no monitoramento por satélite.
Entre os progressos, destacam-se a incorporação de novas funcionalidades, parâmetros e ferramentas de monitoramento, além de ajustes no sistema de comunicação e maior autonomia energética do dispositivo. O professor doutor Raimundo Cláudio, coordenador do LSE/HUB, destacou esses avanços em entrevista à CENARIUM, reforçando o compromisso com a proteção ambiental e a evolução tecnológica.

“Na primeira versão, lançada em 2023, nossa autonomia era de apenas um ano. Desde então, evoluímos significativamente e agora alcançamos uma autonomia de cinco anos. Embora ainda não utilizemos a colheita de energia, essa transição de uma autonomia representa um avanço importante no processo. Além disso, outros progressos foram feitos ao longo desse período. Atualmente, estamos trabalhando para incluir, nesta nova versão, a capacidade de identificar focos de queimadas por meio de imagens. Também estamos trabalhando em uma aplicação do sistema, para a identificação da fauna, abrangendo aves, animais terrestres e outros. Essa funcionalidade permitirá a criação de módulos especializados nessa tarefa”, explicou o professor.
Evolução tecnológica
Outra evolução significativa a ser destacada é que, em 2023, foi desenvolvido o primeiro protótipo do hardware do sistema. Desde então, avançou para versões mais robustas, que incorporam funcionalidades adicionais e utilizam plataformas de microcontroladores mais poderosas. Esse novo hardware oferece mais recursos e, aliado às melhorias na parte de software, foi adaptado para atender às diferentes aplicações.

Entre as funcionalidades incorporadas, além da detecção sonora, estão outros sensores, maior capacidade de processamento e estratégias otimizadas para alcançar a autonomia de cinco anos. Esse resultado foi possível graças ao refinamento contínuo do projeto de hardware, que é fundamental para viabilizar essa durabilidade e eficiência energética.
Identificar focos de queimadas
Sobre a identificação de focos de queimada na Amazônia, o professor destacou que estão incorporando sensores de fumaça e qualidade do ar, que possibilitam medir temperatura, umidade, partículas suspensas e gases como oxigênio e CO₂. Esses recursos são especialmente úteis em contextos de seca extrema, quando aumenta a demanda por monitoramento de áreas desmatadas e focos de incêndio. “O Curupira surge como uma ferramenta adicional para proteger o meio ambiente, fornecendo informações em tempo real”, disse.
O professor explicou que o monitoramento por satélite, atualmente o método mais utilizado, apresenta algumas limitações, como: é caro, oferece informações geralmente após os eventos e exige muitos recursos para atingir alta resolução ou frequência de varredura, especialmente em regiões como a Amazônia. Para um monitoramento detalhado e eficaz, seria necessário um número elevado de satélites de baixa órbita, o que torna o processo ainda mais caro.

As vantagens do Curupira operando na detecção desse problema é que ele opera com uma abordagem diferenciada e mais econômica, utilizando comunicação por rádio, sendo capaz de detectar eventos preliminares, como som de motosserras ou um aumento na concentração de fumaça. Ao identificar esses sinais em tempo real, o sistema emite alertas automáticos, permitindo ações imediatas.
“Além disso, o Curupira pode ser integrado a serviços de satélite, solicitando imagens específicas da área de interesse no momento do alerta, ou ativar drones para sobrevoos e registros visuais detalhados. Essa combinação de tecnologias oferece uma solução mais ágil e eficaz para prevenir desmatamentos e queimadas, trazendo um impacto significativo na proteção do ecossistema”, completou.
Raimundo Cláudio esclareceu que a implementação do sistema que monitora os focos de incêndio está na fase de Deploy, ou seja, quarta etapa do projeto antes de chegar ao consumidor. Contudo, existem outras frentes de trabalho que devem chegar antes que esse sistema ao público.
Projetos para o futuro
O professor explicou que alguns projetos já devem estar prontos ainda este ano, alguns em parceria com outros órgãos do Estado. O Curupira deve ser instalado na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Uatumã, no município de São Sebastião do Uatumã (distante 247 km de Manaus), onde vai atuar no monitoramento de parte da reserva, que tem atuação de movelaria local.
“Dentro de algumas semanas, no máximo um mês, iniciaremos as primeiras visitas de campo, onde os módulos serão instalados. Essas visitas vão marcar o início dos estudos preliminares no local. Enquanto isso, já estamos trabalhando na preparação das unidades, que estão sendo configuradas para a implantação”, explicou.
Raimundo explicou também que o projeto segue um modelo de desenvolvimento em versões. A versão inicial será implantada para a fase de testes. Com base nos dados e resultados preliminares obtidos, será avançado para as versões subsequentes, ajustando e aprimorando o sistema conforme necessário. “Ainda não realizamos visitas ao local devido à severidade da última seca, que impossibilitou o acesso à área. No entanto, com a situação mais favorável, daremos início às atividades diretamente na comunidade”, afirma.

A implantação efetiva do sistema está prevista para ocorrer na fase final do projeto, com conclusão estimada até o final deste ano.
Outro projeto para este ano, ainda, é um de monitoramento da fauna na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Amapá, no município de Manicoré (distante 332 km de Manaus). Esse projeto acontece a pedido da Fundação Amazônia Sustentável (FAS) e já foi iniciado com a equipe da fundação, mas as visitas em campo devem acontecer no mês de fevereiro. O projeto tem previsão para ser concluído até maio.
“Estamos na etapa que envolve a definição e identificação das espécies e animais que serão monitorados, além da coleta dos padrões sonoros característicos desses animais. Esses padrões serão catalogados para, em seguida, realizarmos a integração do modelo de identificação ao sistema Curupira”, disse.
Atualmente, não tem áreas monitoradas, pois o projeto ainda não alcançou a fase de implantação definitiva, alguns desenvolvimentos e ajustes estão sendo programados. Mas as primeiras áreas monitoradas serão a região de Manicoré e em São Sebastião do Rio Uatumã.
“Além disso, em parceria com o CMA [Comando Militar da Amazônia], serão instaladas algumas unidades na área de treinamento do Cigs [Centro de Instrução de Guerra na Selva]. Essas unidades, no entanto, terão foco em testes e ajustes do sistema. Até o final deste ano, esperamos ter pelo menos duas áreas monitoradas de forma clara e funcional, marcando o início da operação efetiva do projeto”, explicou Raimundo Cláudio.
Raimundo também comentou que algumas empresas e parceiros procuram o programa para desenvolvimento de projetos, e já existe um diálogo com diversas pessoas e organizações para viabilizar o financiamento necessário para expandir os testes de campo e realizar Deploy em novas áreas, explorando outras finalidades do sistema. E também para que esses projetos sirvam como crédito de carbono.
‘É preciso vivenciar a região’
O coordenador do Laboratório de Sistemas Embarcados (LSE/HUB) da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), professor doutor Raimundo Cláudio, afirma que monitorar a Amazônia não é uma tarefa fácil, visto todas as especificidades que a floresta apresenta. O sistema é complexo e não trivial, exigindo um entendimento profundo das condições locais.
“Reconheço a competência de grandes instituições no Brasil, como a USP [Universidade de São Paulo] e outras, mas ressalto que, além da capacidade técnica, é fundamental conhecer a realidade da nossa região. Não basta apenas visitá-la uma vez; é preciso vivenciar a região para compreender seus desafios e peculiaridades. Somente assim é possível desenvolver soluções realmente eficazes”, ressaltou o coordenador.