ProQAS/AM: ‘Falta prioridade’, alerta cientista da UEA sobre recuperação de igarapés em Manaus


16 de agosto de 2024
Professor titular aqui do curso de Engenharia Química da UEA, Sergio Duvoisin coordena o ProQAS/AM há 10 anos (Luiz André Nascimento/CENARIUM)
Professor titular aqui do curso de Engenharia Química da UEA, Sergio Duvoisin coordena o ProQAS/AM há 10 anos (Luiz André Nascimento/CENARIUM)

Marcela Leiros – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – Acompanhar a qualidade das águas, do ar e dos solos no Amazonas e estabelecer-se como referência global nesse campo, ao mesmo tempo em que promove a proteção e a preservação dos recursos naturais da região amazônica. Essa é a missão do Programa de Monitoramento de Água, Ar e Solos do Estado do Amazonas (ProQAS/AM), coordenado pelo cientista Sergio Duvoisin Junior, que afirma, à CENARIUM, ser possível recuperar completamente as bacias hidrográficas em Manaus, mas falta prioridade dos entes públicos.

Sergio Duvoisin Junior coordena o ProQAS/AM (Luiz André Nascimento/CENARIUM)

Natural de Porto Alegre (RS), Duvoisin mudou-se para a capital amazonense ao ser aprovado no primeiro concurso público da instituição, há quase 20 anos. Hoje, atua como professor titular do curso de Engenharia Química da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e está à frente do ProQAS/AM, grupo que ajudou a fundar há dez anos.

O programa surgiu a partir do grupo Química Aplicada à Tecnologia (GP-QAT) e compreende, atualmente, 15 projetos de monitoramento ambiental na região central de Manaus e localidades como São Gabriel da Cachoeira e Tabatinga, no Rio Solimões e Rio Negro, respectivamente. São 100 pessoas, entre professores doutores, técnicos e alunos de pós-graduação e mestrado que monitoram a situação das águas, solo e ar do Estado.

Os recursos advêm da própria UEA, por meio do financiamento de projetos e de outras instituições públicas como a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema), Ministério Público do Amazonas (MP-AM) — a partir de multas de ações ambientais — e Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam). Foi deste último, inclusive, os recursos para o barco de pesquisa “Roberto dos Santos Vieira”, inaugurado em março de 2022.

Barco de pesquisa “Roberto dos Santos Vieira”, inaugurado 2022 (UEA/Divulgação)

À reportagem, Sergio Duvoisin Junior explica a logística empregada para o monitoramento e a realização das campanhas. O professor detalha que cada grande bacia tem um projeto, no qual são feitas análise de 163 parâmetros de qualidade de água, entre eles o mercúrio, a cada dois meses. Na capital amazonense, as principais bacias, como Tarumã-Mirim, Tarumã-Açu, São Raimundo, Educandos, Puraquequara, são monitoradas pelo grupo há mais de cinco anos.

Cinco bacias hidrográficas de Manaus são monitoradas pelo ProQAS/AM (Luiz André Nascimento/CENARIUM)

Nossa proposta é que, com um determinado intervalo de tempo, normalmente de dois em dois meses, se faça o monitoramento com os mesmos 163 parâmetros, nos mesmos locais onde fizemos o georreferenciamento. Então todos os pontos são georreferenciados e a gente procura analisar os mesmos pontos, com os mesmos parâmetros, porque depois de uns três, quatro, cinco anos olhamos para trás e a conseguimos ver como aquele corpo hídrico se comporta“, detalha.

O ProQAS também monitora a situação do Rio Negro e do Rio Madeira — de Nova Olinda do Norte até Humaitá, a 135 e 590 quilômetros de Manaus, respectivamente — com expectativa de iniciar uma campanha pelo Rio Solimões.

As viagens podem durar até 20 dias em campo, como é o caso dos rios, ou poucas horas, no caso das bacias na capital amazonense. Os relatórios das campanhas e suas respectivas análises são produzidos em até um mês, com as conclusões acerca do trabalho, que podem ser acessadas no site do programa.

LEIA TAMBÉM:

Recuperação de bacias

Diante dos anos de monitoramento e a partir das análises, o pesquisador é taxativo em dizer que as bacias do Tarumã-Mirim e Puraquequara são, em geral, extremamente saudáveis, enquanto as do São Raimundo e Educandos estão extremamente degradadas. Já a bacia do Tarumã-Açu, envolta na polêmica dos flutuantes, está sob risco. Para o professor, é possível reverter essas situações.

As bacias do Tarumã-Mirim e Puraquequara são extremamente saudáveis, com seus pontinhos de problemas, sabe? Por exemplo, ali em Puraquequara tem um matador. É um local muito específico que está com problema. A gestão pública poderia, vendo o problema, se adiantar em resolver isso. É um problema pontual dentro de uma bacia que está extremamente saudável“, explica.

Referente às bacias do São Raimundo e Educandos, Sergio Duvoisin destaca que são necessárias medidas extremas para a recuperação dos cursos d’água. Ele cita que, mesmo diante de toda a poluição na cidade, existe vida nos igarapés e isso representa a resiliência de todo o ecossistema.

Monitoramento das bacias do São Raimundo e Educandos (Divulgação/ProQAS)

Se existisse uma maneira de pegar todo o esgoto, todo, absolutamente todo o esgoto, e não jogar na bacia do São Raimundo, eu acredito que em dois, três anos a gente já está tomando banho de novo. Porque, pelo regime de águas que a gente tem aqui ser muito vigoroso, a gente conseguiria fazer essa bacia ser limpa de novo“, enfatiza. Tem vida na bacia, é inacreditável. Quando você vai à bacia e olha, não consegue nem respirar por causa do odor, mas, se prestar atenção, a vida é resistente“.

“A vida é resistente”, afirma pesquisador sobre a chance de recuperar bacias degradadas de Manaus (Luiz André Nascimento/CENARIUM)
Falta gestão

Duvoisin analisa que falta prioridade dos entes públicos, nas esferas estaduais e municipais, em avançar nas questões ambientais, especialmente referente à situação dos rios e igarapés em Manaus. Ele cita a expectativa pela criação de uma agência amazônica de águas, que já tem minuta de lei pronta, mas ainda não entrou em discussão nas casas legislativas.

Eu acho que não é uma prioridade ainda. Não está sendo uma prioridade. Eu vejo muito o mundo cobrando a gente por fazer, cuidar da Amazônia. Mas, eu não vejo como uma prioridade“, menciona. “A agência seria um passo fundamental para mostrar para o mundo que a gente está fazendo o nosso papel. Que tem pessoas que estão cuidando da Amazônia“.

Para Duvoisin, faltam os entes públicos considerarem a gestão de recursos hídricos uma prioridade (Luiz André Nascimento/CENARIUM)

Para subsidiar os dados para a gestão pública dos recursos hídricos, o pesquisador destaca a importância do trabalho realizado pelo ProQAS. Hoje, são sete laboratórios localizados na Escola Superior de Tecnologia (EST), com alunos e técnicos coletando dados e fazendo análises periodicamente. O trabalho já rendeu parcerias com instituições de educação internacionais renomadas, como a Harvard University, por meio do programa Harvard-Amazon Rainforest Immersion.

Não se faz gestão de recursos hídricos, por exemplo, sem monitoramento. Não dá para tentar arrumar o Igarapé do Mindu se não sabe qual é o problema. Como é que vai resolver um problema, se não sabe nem qual é? O monitoramento sempre vem antes. Então, hoje, nós temos dados dessas bacias que já servem de base para fazer gestão“, adiciona.

Um dos laboratórios do ProQAS/AM (Luiz André Nascimento/CENARIUM)
Tarumã-Açu

A briga judicial em torno da bacia do Tarumã-Açu, na Zona Centro-Oeste de Manaus, é antiga. Em 2004, quando havia “apenas” 74 casas flutuantes na localidade, a Justiça do Amazonas determinou a retirada das habitações devido ao risco de danos ambientais. Em 20 anos, nada foi feito e esse número disparou: foram contabilizadas 900 unidades, entre restaurantes, flutuantes para lazer, garagens e píeres.

Em 2022, o Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) determinou que os entes públicos e órgãos de fiscalização apresentassem um plano de ação para a retirada dos flutuantes do Tarumã-Açu, o que só começou a ser feito em fevereiro deste ano, dois anos depois, com a retirada de unidades abandonadas. Após essa primeira ação, a Justiça do Amazonas suspendeu, novamente, a retirada dos flutuantes, seguindo pedido da Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM).

O Tarumã-Açu ainda está com todos os parâmetros dentro do que o Conama 357 nos fala. Mesmo estando dentro de todos os parâmetros, olhando cinco anos atrás, a gente vê que a bacia está piorando. Então, os parâmetros ainda estão dentro do que se aceita, mas a bacia está dando sinais de piora“, observa Sergio Duvoisin Junior. “Esta é a hora de fazer alguma coisa“.

Análise em laboratório do ProQAS/AM (Luiz André Nascimento/CENARIUM)
Revisado por Gustavo Gilona

O que você achou deste conteúdo?

VOLTAR PARA O TOPO