Protesto indígena no Pará tem diálogo direto com Sonia Guajajara
Por: Fabyo Cruz
24 de janeiro de 2025
BELÉM (PA) – Após dez dias de ocupação da Secretaria de Estado de Educação do Pará (Seduc-PA), em Belém, indígenas de diversas etnias do Estado estabeleceram contato direto com a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, para discutir os impactos da Lei 10.820/2024. A lei, sancionada pelo governador Helder Barbalho (MDB), é criticada por revogar dispositivos centrais que garantiam o funcionamento do Sistema de Organização Modular de Ensino (Some) e sua modalidade indígena (Somei).
A ligação com a ministra foi intermediada por Uilton Tuxá, secretário substituto da Secretaria Nacional de Articulação e Promoção de Direitos Indígenas (Seart), após exigências do movimento. Durante a conversa, Alessandra Munduruku, liderança indígena do Médio Tapajós, fez um apelo contundente pela revogação da lei que, segundo ela, compromete os direitos das comunidades indígenas.
“Derrubar essa lei, que agora está no STF, é o nosso objetivo, e acreditamos que vamos conseguir. Mas precisamos do apoio dos parentes e do ministério. O Ministério Público Federal (MPF) já está nos apoiando, então por que o Ministério [dos Povos Indígenas] não está?”, questionou.
Alessandra destacou que o Pará, estado com grande presença de povos indígenas, movimenta bilhões em recursos, especialmente em eventos globais como a COP, mas que os direitos básicos das comunidades continuam sendo negligenciados. “Queremos algo muito maior: queremos direitos. Onde os alunos vão estudar? Como ficam os professores que estão distantes? Temos que pensar nessas pessoas”, afirmou.
A liderança criticou as condições precárias de infraestrutura nas escolas indígenas, mencionando que muitas unidades estão em risco de desabamento. Ela reforçou a importância da educação como ferramenta de transformação para as comunidades. “As mães querem que seus filhos se formem, não que estudem em escolas caindo sobre suas cabeças. Depois que a lei for revogada, deixem com a gente, porque sabemos como criar e cuidar. Não se trata apenas de dinheiro, mas de dignidade”, concluiu.
Luana Kumaruara, liderança indígena do Tapajós, também expôs a precariedade enfrentada pelos professores e o impacto devastador da nova legislação. “Se ele [governador Helder Barbalho] corta esse benefício dos professores, que tiram do próprio bolso para se deslocarem, construírem dormitório, ajudarem as comunidades, não vai ter professor querendo manter o sistema. […] Tem mais de 400 parentes aqui. Tem 160 quilombolas que vieram ontem para cá. Amanhã estão chegando mais dois ônibus. Isso daqui tende a crescer se o governador não encarar a gente. […] Agora não é mais só sobre a educação indígena. É sobre a Amazônia. A gente sempre foi esquecido no Norte”, afirmou.
Ela também alertou para o risco de violência policial contra os manifestantes, que incluem idosos, mulheres grávidas e crianças, e pediu apoio para evitar confrontos. “Minha preocupação é que entre polícia aqui […] e prendam nossas lideranças”, disse.
Reivindicações
Os manifestantes exigem a revogação da Lei 10.820/2024, que substituiu regulamentações específicas por decretos estaduais, o que gera insegurança jurídica para a educação indígena. A medida pode levar à implementação do ensino a distância em áreas de difícil acesso, e comprometer o modelo presencial do Some e do Somei.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 7778) e solicitou a suspensão da lei. A ação, encaminhada à ministra Cármen Lúcia, denuncia a ruptura com políticas que asseguravam educação presencial em comunidades indígenas e tradicionais.
Decisão judicial
No dia 22 de janeiro, a juíza federal Lucyana Said Daibes Pereira determinou a desocupação parcial do prédio administrativo da Secretaria de Estado de Educação do Pará em um prazo de até 12 horas. A decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) ocorreu após um pedido formal do Governo do Pará. Segundo a ordem judicial, a ocupação do prédio inviabiliza as atividades essenciais da secretaria e prejudica o atendimento público da educação.

A magistrada definiu que os manifestantes podem permanecer apenas nas áreas externas da Seduc-PA, como o auditório e o refeitório, mas proíbe o acesso aos espaços administrativos. Em caso de descumprimento, a decisão estabelece multa de R$ 2 mil por hora. A liminar gerou apreensão entre os manifestantes, especialmente diante do histórico de violência em ações de desocupação. A ocupação é composta por pessoas de diferentes idades, incluindo idosos, crianças e mulheres grávidas, o que acentua os riscos de qualquer confronto com a polícia.