Protocolo do Cerrado tem adesão baixa e impacto limitado


Por: Ana Cláudia Leocádio

14 de junho de 2025
Protocolo do Cerrado tem adesão baixa e impacto limitado
(Imagem gerada por IA ImageFx/Ibama | Composição: Paulo Dutra/CENARIUM)

BRASÍLIA (DF) – De abril de 2024 até este mês, apenas cinco frigoríficos aderiram ao Protocolo do Cerrado, documento que monitora a cadeia da carne e o compromisso das empresas com a proteção do bioma, que enfrenta pressão do desmatamento. Segundo relatório “Radiografia da Pecuária do Cerrado”, divulgado nesta sexta-feira, 13, pela iniciativa “Do Pasto ao Prato” (dPaP), a baixa adesão, após um ano do lançamento do protocolo, indica que as ações para a preservação ambiental no bioma ainda são tímidas e insuficientes.

O Protocolo do Cerrado traz um conjunto de critérios de compra responsável de gado no bioma. Conforme o relatório, de um total de 225 abatedouros no País, os cinco frigoríficos que adotaram o Protocolo foram o JBS, Minerva, Marfrig, Frigol e Masterboi, que detêm 35 unidades processadoras. Eles cobrem 38,8% da capacidade de abate e 33,6% do desmatamento associado à expansão de pastagens no Cerrado. Significa dizer que 2 a cada 3 hectares do bioma seguem desprotegidos pelo compromisso socioambiental do protocolo.

Entre os grupos varejistas, apenas o Grupo Pão de Açúcar e o Carrefour Brasil assinaram o documento, além do restaurante Arcos Dourados, que representa o McDonald’s no Brasil. Segundo a assessoria da iniciativa Do Prato ao Pasto, a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) estima que o Brasil tem 1.251 empresas supermercadistas, o que indica uma grande fatia do varejo que ainda comercializa proteína bovina sem nenhuma política de rastreamento de seus fornecedores.

Embalamento de carnes em frigorífico (Neto Lucena/Secom)

De acordo com o relatório, os supermercados Assaí Atacadista, Mateus Supermercados, Supermercados BH, Irmãos Muffato e Atacadão Dia a Dia destacam-se por apresentar as maiores exposições ao desmatamento no Cerrado, sem ainda possuírem compromisso público, como a adesão ao Protocolo do Cerrado. “Estima-se que as vendas dessas empresas estejam vinculadas a um desmatamento que supera 83,8 mil hectares (variação entre 50,4 e 125,2 mil hectares)”, informa o estudo.

“Contudo, o maior desafio após o lançamento está na expansão do número de empresas signatárias do Protocolo. Em paralelo, o tratamento de fornecedores indiretos e as incertezas sobre as auditorias são desafios para a efetividade da implementação do Protocolo na redução dos impactos socioambientais na cadeia da pecuária”, conclui o estudo. A cadeia indireta é importante porque

“Além de analisar a atuação de frigoríficos em áreas de desmatamento, o estudo também aborda como as redes de supermercados de norte a sul do país poderiam contribuir para a sustentabilidade do bioma, deixando de comprar a carne de fornecedores em regiões sem nenhum monitoramento”, informa a organização.

Três, dos nove Estados que formam a Amazônia Legal também abrigam o bioma Cerrado em seus territórios: Mato Grosso, Maranhão e Tocantins. Neste último, foi identificada baixa adesão dos frigoríficos ao protocolo. Apesar do bioma ter registrado redução no desmatamento em 2024, dados do MapBiomas mostram que o Cerado registrou a maior área desmatada pelo segundo ano seguido, entre os demais biomas.

Metodologia do dPaP

Conforme o relatório, para identificar a relação entre as empresas da cadeia da pecuária com as fazendas e produtores que atuam em áreas desmatadas, o relatório utilizou fontes oficiais de informação, como o Prodes Cerrado, o Mapa e o MapBiomas. Já os dados da exposição do varejo ao risco de adquirir carnes de zonas de desmatamento foram obtidos graças ao aplicativo desenvolvido pelo do Pasto ao Prato, colhidos entre os anos de 2021 e 2024, que permite aos consumidores consultar, pelo celular, a origem da proteína bovina no momento da compra dentro do supermercado.

Criado em 2021, para estimular o consumo consciente, o aplicativo permite que o usuário descubra essa informação ao escanear o código da vigilância sanitária impresso na embalagem do produto. Quando isso acontece, os dados são processados pelo aplicativo, relacionando o ponto de venda aos processadores daquela carne.

A coordenadora de impacto da iniciativa Do Pasto ao Prato, Dari Santos, ressalta que alguns varejistas engajados afirmam empregar estratégias internas de segregação de produtos, como reservar linhas de abate e dias específicos para atender suas lojas com a carne vinda apenas de fazendas previamente selecionadas. Mas ao não divulgarem publicamente os resultados de suas auditorias sobre essa prática, as redes perdem a oportunidade de que esses dados sejam considerados na análise do dPaP.

“Nossa metodologia se baseia no escaneamento de código sanitário do produto dentro dos supermercados. Então, associamos todas as fazendas fornecedoras daquele frigorífico à rede varejista onde ele está sendo vendido”, explica a coordenadora.

Situação na Amazônia

O Ministério Público Federal (MPF) também tem iniciativa que analisa a cadeia pecuária, mas no bioma Amazônia, o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) da Carne Legal. O relatório , divulgado em maio deste ano, mostrou que apenas 4% dos frigoríficos auditados apresentaram irregularidades em suas operações na região, um resultado 13 vezes menor se comparado aos empreendimentos sem auditoria. Pelo TAC, são as empresas que contratam as auditorias e o MPF faz a análise dos resultados cotejando com outros dados de monitoramento.

Os procuradores prometeram mirar os supermercados de todo o País, que adquirem carne advindas de frigoríficos irregulares do bioma. O objetivo é assegurar o fornecimento de carne de origem legal ao mercado consumidor, interno e externo, que não seja oriunda do comércio de animais criados em áreas de desmatamento ilegal, trabalho escravo, invasões a unidades de conservação e terras indígenas ou quilombolas.

Sugestões do relatório

● A ampliação do uso do PRODES Cerrado para assegurar o monitoramento das compras responsáveis de gado no bioma; a exigência de rastreabilidade de fornecedores indiretos;
● A definição de processos de auditoria independentes;
● A transparência nos dados de compras dos frigoríficos e varejistas;
● A divulgação pública obrigatória das Guias de Trânsito Animal (GTAs);
● Um cronograma para as instituições financeiras e os membros de associações de classe, como Abiec e Abras, adotarem o Protocolo do Cerrado ou critérios mínimos de proteção ambiental e social.

Fonte: Relatório “Radiografia da Pecuária do Cerrado” – Do Pasto ao Prato (dPaP)

Leia o documento na íntegra:

Leia mais: MPF mostra frigoríficos com irregularidades na Amazônia e mira varejo
Editado por Adrisa De Góes

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