Provas confirmam participação ativa de Bolsonaro na tentativa de golpe, diz PGR
Por: Ana Cláudia Leocádio
16 de julho de 2025
BRASÍLIA (DF) – Ao pedir a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por cinco crimes, o Procurador-Geral da República (PGR), Paulo Gonet, sustenta, em suas alegações finais, que as provas produzidas no processo confirmam a participação ativa do ex-mandatário na organização e coordenação de atividades antidemocráticas, que culminaram nos ataques de 8 de janeiro de 2023 às sedes dos Três Poderes, em Brasília. Segundo o PGR, “as evidências são claras: o réu agiu de forma sistemática, ao longo de seu mandato e após sua derrota nas urnas, para incitar a insurreição e a desestabilização do Estado Democrático de Direito”.
Gonet apresentou ao Supremo Tribunal Federal (STF) as alegações finais da Ação Penal 2668 (AP), na noite dessa segunda-feira, 14, que julga o “Núcleo Crucial” da trama golpista, que tem como réus Jair Bolsonaro, apontado como líder da organização, e outros sete aliados dele, que foram seus colaboradores diretos durante o mandato na Presidência da República (2019-2022). Os oito são julgados pelos cinco ministros da 1ª Turma do STF, cujo relator é o ministro Alexandre de Moraes.
Na peça de 517 páginas, o PGR enquadra o ex-presidente nos crimes de liderar organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, com considerável prejuízo para a vítima, e deterioração de patrimônio tombado. As penas para esses crimes podem chegar a até 43 anos de prisão.
Paulo Gonet faz um detalhamento de todas as ações que teriam sido lideradas por Bolsonaro e executadas por seus aliados, desde 2021, com o intuito de permanecer no poder, a começar pela campanha para desacreditar o sistema de votação brasileiro, que funcionou como força motriz para estimular atos antidemocráticos após o resultado desfavorável, em 2022, com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva e do vice Geraldo Alckmin.
Também detalha os planos “Verde Amarelo” para assassinar autoridades e a elaboração de uma minuta de decreto que levaria à ruptura institucional no país, sem a assunção do novo presidente eleito, em favor de Bolsonaro, que teve um discurso para a ocasião, encontrado no seu gabinete na sede do PL, em Brasília.
Conforme as alegações da PGR, os fatos narrados na peça acusatória não deixam dúvida de que o cenário de instabilidade social registrado depois do pleito de 2022 é resultado de uma longa e meticulosa construção por parte do grupo denunciado, que, desde 2021, se dedicou à incitação de intervenção militar no país.
“A organização não só disseminou, por múltiplos canais, ataques aos poderes constitucionais, como também espalhou a falsa narrativa de que o sistema eletrônico de votação havia sido manipulado para prejudicar o réu Jair Bolsonaro. Esse movimento estratégico, liderado por figuras-chave do governo e seu entorno, contribuiu significativamente para o clima de incerteza e violência que se seguiu”, afirma.
Segundo Gonet, além de negar todos os crimes, Bolsonaro alegou em sua defesa que a prova de que nada tinha contra si em relação ao resultado eleitoral era que facilitou os trâmites para a transição de poder, mas, na prática, “utilizou seu poder e seu cargo para instigar uma ruptura institucional, mantendo sua base de apoio acesa e pronta para a insurreição”.
“Em última análise, o exame dos fatos e das evidências revela que Jair Bolsonaro desempenhou um papel central na orquestração e promoção de atos antidemocráticos. Sua liderança sobre o movimento golpista, o controle exercido sobre os manifestantes e a instrumentalização das instituições estatais para fins pessoais e ilegais são elementos que provam, sem sombra de dúvida, a responsabilidade penal do réu nos atos de subversão da ordem democrática”, ressalta a peça.
O documento da PGR frisa, ainda, o fato de que, para que a tentativa de golpe se consolide, não é indispensável a ordem assinada do presidente, porque, se assim o fosse, estaria consumado o golpe. “A tentativa se revela, porém, na realização de ações tendentes à materialização da ruptura das regras constitucionais sobre o exercício do poder, com apelo ao emprego de força bruta – real ou ameaçado”, reitera.
A confirmação de participação ativa de Bolsonaro na organização e coordenação de atividades antidemocráticas fica patente desde 2021, acrescenta o PGR, quando ele, “em suas falas e ações, incitou a desconfiança nas instituições, questionando a legitimidade do sistema eleitoral e promovendo um ambiente de tensão institucional”.
“As ações de Jair Messias Bolsonaro não se limitaram a uma postura passiva de resistência à derrota, mas configuraram uma articulação consciente para gerar um ambiente propício à violência e ao golpe. O controle da máquina pública, a instrumentalização de recursos do Estado e a manipulação de suas funções foram usados para fomentar a radicalização e a ruptura da ordem democrática”, sustenta Paulo Gonet.
Além de Bolsonaro, são réus no “Núcleo Crucial” o ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem, o ex-comandante da Marinha, Almir Garnier Santos, o ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, o ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, o ex-ajudante de Ordens, Mauro Cid, o ex-ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, e o ex-candidato a vice na chapa de Bolsonaro, Walter Braga Netto. Apenas Ramagem foi enquadrado em três dos cinco crimes, por terem ocorrido após a diplomação como deputado federal pelo PL do Rio de Janeiro.
Participação mais contundente
Gonet faz um retrospecto de todos os atos realizados durante a gestão de Bolsonaro, que começaram em julho de 2021 e atravessaram todo o ano de 2022, tendo como consequência os protestos em frente aos quartéis pedindo uma intervenção militar no país e os planos de tentativa de golpe, que não prosperaram por causa da recusa dos comandantes do Exército, Freire Gomes e da Aeronáutica, Baptista Júnior.
“Comprovou-se que a atuação dos membros da organização criminosa foi ainda mais contundente do que a inicialmente percebida, uma vez que o núcleo central da organização esteve em constante interlocução com as lideranças populares, agindo de forma estratégica e deliberada. Essa interação não era de natureza casual; ela configurava um direcionamento claro e sistemático, com o grupo demonstrando pleno conhecimento sobre todos os movimentos a serem realizados por seus apoiadores”, descreve o PGR, ao demonstrar os participantes da cadeia de interlocução entre a Presidência e os acampamentos.
Um dos instrumentos citados para comprovar como o acampamento em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília, não era um mero centro de manifestação popular pacífica foi a convocação dos apoiadores para os atos de 8 de janeiro, onde, semanas antes, “diversos perfis começaram a chamar os seguidores para o que denominavam de ‘Festa da Selma’, uma expressão alusiva à ‘Selva’, conhecida entre os integrantes do grupo”.
“A ‘Festa da Selma’, como foi descrita, estava organizada para culminar na invasão das sedes dos Três Poderes, conforme ilustrado em várias publicações feitas nas redes sociais”, cita Gonet.
O Procurador-Geral relembra a justificativa dada por Bolsonaro, durante interrogatório no STF, quando tentou se eximir de responsabilidade, chamando os seus adeptos mais fanáticos de “malucos”. “Sua defesa, no entanto, falha em desconstituir a evidência de que a violência e os atos de depredação eram frutos de uma estratégia sistemática, sustentada por um discurso contínuo de contestação à vitória eleitoral e de incentivo à ruptura institucional. O réu, ao alegar que não houve envolvimento direto, distorce a realidade dos acontecimentos, os quais foram conduzidos por suas ações, palavras e omissões ao longo de todo o período de transição política”, afirma o PGR.
Nas alegações finais, ao tratar das ações de Bolsonaro, Paulo Gonet afirma, também, que não se sustenta a alegação de que os atos antidemocráticos foram perpetrados por pessoas que chegaram de última hora a Brasília, pois foram resultado de um processo longo de radicalização, incitação e organização. “O acampamento em frente ao Quartel-General do Exército, longe de ser um simples ponto de encontro de descontentes, tornou-se um centro de articulação para a ruptura institucional, com o apoio de uma rede organizada que forneceu suporte logístico e ideológico”, disse.
Comportamento nas redes sociais
A peça destaca que o comportamento de Bolsonaro nas redes sociais, no dia 8 de janeiro de 2023, quando reagiu de forma protocolar, com postura ambígua e ausência de ação concreta para conter o ânimo dos manifestantes inflamados por ele, é indício claro de sua contribuição para a escalada de violência.
“As evidências revelam que o ex-presidente foi o principal coordenador da disseminação de notícias falsas e ataques às instituições, utilizando a estrutura do governo para promover a subversão da ordem. Portanto, cabe a responsabilização do réu pelos crimes descritos na denúncia”, conclui.
Crimes pelos quais Bolsonaro foi denunciado:
- Deterioração de patrimônio tombado: art. 62, I, da Lei nº 9.605/1998;
- Liderar organização criminosa armada: art. 2º, caput, §§ 2º, 3º e 4º, II, da Lei 12.850/2013;
- Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito: art. 359-L do Código Penal (CP);
- Golpe de Estado: art. 359-M do CP;
- Dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima: art. 163, parágrafo único, I, III e IV, do CP.
Demais denunciados
Além de Bolsonaro, são réus no “Núcleo Crucial” o ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem, o ex-comandante da Marinha, Almir Garnier Santos, o ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, o ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, o ex-ajudante de Ordens, Mauro Cid, o ex-ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, e o ex-candidato a vice na chapa de Bolsonaro, Walter Braga Netto. Apenas Ramagem foi enquadrado em três dos cinco crimes, por terem ocorrido após a diplomação como deputado federal pelo PL do Rio de Janeiro.
Com a entrega das alegações finais pela PGR, conclui-se a penúltima etapa até o julgamento da ação. A partir de agora, o relator Alexandre de Moraes deverá abrir prazo de 15 dias para os demais réus, mas em cronograma escalonado, começando pelo delator Mauro Cid. Quando todos entregarem suas defesas e alegações, o presidente da 1ª Turma, ministro Cristiano Zanin, poderá marcar a audiência para os cinco membros se reunirem e julgarem a AP 2668.