Quando a política não sabe negociar conflitos: sangue e terror no Rio de Janeiro
Por: Iraildes Caldas Torres
23 de novembro de 2025O Rio de Janeiro encontra-se hoje entre as metrópoles mais complexas do mundo ocidental. Como toda metrópole a cidade convive todos os dias com conflitos, constituindo-se no palco de contendas de todas as ordens. Inclui neste cenário, a ação de grupos do crime organizado com suas facções e leis de contravenção. Não é demasiado lembrar que o PCC – Primeiro Comando da Capital, se instalou no Brasil como um sistema de máfia, fundado por Geleião e Marcola, no início dos anos 1990. O Comando Vermelho é anterior ao PCC, criado em meados dos anos de 1970, tendo como chefe maior Fernandinho Beira Mar.
A Máfia não é um fenômeno circunscrito ao espaço rural, assim como foi a sua atuação na Sicília, Itália. Conforme Luiz Fernando Pereira (2003), a máfia sempre esteve conectada com o controle ilegal ou ilegítimo de mercados, contratos e negócios, tendendo ao monopólio econômico e à vitória eleitoral garantida. A máfia não é uma metáfora do atraso, ela ressignificou-se no tempo contemporâneo com potência e sob novas formas de atuação. O Brasil cresceu fortemente no âmbito do crime organizado, o qual não se configura como pequenos grupos, mas como sistemas mafiosos potentes e, na medida em que não possuem interlocução política, vão crescendo e assumindo o controle da cidade.
A direita brasileira fortalecida pelo discurso de uma elite conservadora, sempre tratou a máfia ou o crime organizado como grupos de pequenos delinquentes, os bandidos, favelados, os pretos das quebradas, os insubmissos ao serviço militar e que devem ser mortos porque “bandido bom é bandido morto”.
A falta ou o fracasso da política e das políticas públicas conduzem a cidade do Rio de Janeiro ao coração das trevas e à banalidade do mal (Hannah Arendt, 1999). A população do Rio de Janeiro acordou hoje com estopor, com dor e sofrimento, frente à ação letal da polícia do Estado do Rio. O Complexo do Alemão e o Morro da Penha, sofreram a truculência letal da polícia estadual que, no confronto com o Comando Vermelho, deixou um déficit de 130 pessoas assassinadas.
O fracasso da política e da governança, diz Gilberto Velho (2007), é visualizado na falta de planejamento a longo prazo dos serviços de urbanização e de inclusão social, em grande parte, resultado da história secular brasileira que atravessa a Colônia, a Monarquia e a República.
O crescimento da violência no Rio de Janeiro não é o resultado da “cultura carioca”, baseada na malandragem, envolvendo pretos, pardos e brancos pobres, como aponta Luiz Fernando Pereira (2003), é um problema de ordem política. Os governos têm que estabelecer relação de negociação com os grupos mafiosos, no sentido de buscarem a construção de um contrato de convivência que leve à um patamar seguro. As forças do tráfico e de outras contravenções desafiam o poder político do Rio de Janeiro, respondendo com ações letais, porque são confrontadas com violência policial. Um despreparo ou uma arrogância do poder governamental, que não negocia, não dialoga, e principalmente, que não atua com políticas estruturantes para as populações vulnerabilizadas.
Estamos diante do maior massacre da história do Rio de Janeiro com grandes impactos populacionais, políticos e sociais. A máfia não vive de promessas de um poder instituído, que promete agir com liberdade comercial e de opinião para com todos. Sem o cumprimento deste discurso esvai-se qualquer tentativa de convivência pacífica. Estabelece-se, deste modo, um hiato entre as palavras e as coisas. Um governo inapto e isolado, sem atuar com um Conselho Gestor ou um Conselho de Cidadãos, que pudessem contribuir com construção de estratégias, conjuntas, para negociar os conflitos desta ordem, acabará perdendo o controle da cidade. Meu pesar às famílias do Rio de Janeiro que perderam seus entes queridos.