Cadastros Ambientais Rurais no AM podem ser usados para grilagem de terras públicas, diz estudo

Área desmatada em Apuí, município na região sul do estado do Amazonas (Lalo de Almeida - 20.ago.20/Folhapress)
Com informações da Folha de S. Paulo

SÃO PAULO — Instrumento importante para regularização ambiental, o Cadastro Ambiental Rural (CAR) pode estar sendo utilizado para declarações ilegais de posse de terras públicas no sul do Estado do Amazonas, aponta uma nova pesquisa. O estudo, publicado na revista Land Use Policy, apontou que aproximadamente 90% dos cadastros na região não estão de acordo com as leis ambientais brasileiras.

O geógrafo Gabriel Carrero, um dos autores da pesquisa, explica que essa ação pode facilitar a grilagem de terras no futuro. Isso porque uma das funções do CAR é permitir que pequenos agricultores registrem terras que ocupam, mesmo que eles não tenham a titulação oficial. A ideia é que o cadastro possa ajudar a obter o documento de posse no futuro.

Para Carrero, grileiros acabam se aproveitando dessa situação ao registrar terras públicas como se fossem deles. Depois, usam o CAR para reivindicar a posse dessas áreas.

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A reportagem entrou em contato com o Serviço Florestal Brasileiro (SFB), órgão vinculado ao Ministério da Agricultura responsável pelo CAR, e com o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), mas não obteve resposta até a publicação da reportagem.

O cadastro foi criado em 2012 e deve ser feito por qualquer pessoa que tenha uma propriedade rural. Ele compila uma série de dados e auxilia no combate ao desmatamento, por exemplo, ao permitir que o poder público saiba quem ocupa uma área que está sendo destruída. É a partir dele que um proprietário obtém a regularidade ambiental do imóvel.

Os pesquisadores responsáveis pelo novo estudo usaram dados públicos para analisar uma região de 300 mil quilômetros quadrados no sul do Amazonas, que envolve sete municípios.

O grupo então comparou os registros feitos no CAR em terras públicas nessa área com outros cadastros existentes, e encontrou uma série de irregularidades.

No total, 90,6% dos cadastros observados tinham alguma ilegalidade, diz Carrero. Alguns, por exemplo, reivindicavam áreas de proteção, que não podem pertencer a pessoas físicas. São os casos, por exemplo, de territórios indígenas, unidades de conservação e áreas militares —estas são responsáveis por 45,8% do total de terras consideradas ilegais.

Outros CARs até estavam registrados em terras públicas que permitem a propriedade privada, como assentamentos rurais convencionais e terras públicas não destinadas. Nesses casos, estavam irregulares porque ultrapassavam o limite estabelecido em lei para esses tipos de propriedade, de 2.500 hectares, explica o pesquisador.

Jasson Oliveira do Nascimento, morador da Reserva Extrativista Arapixi, no Amazonas, coleta ouriços de castanha na área do Projeto de Assentamento Extrativista Antimary, que está sendo invadida por grileiros.
Jasson Oliveira do Nascimento, morador da Reserva Extrativista Arapixi, no Amazonas, coleta ouriços de castanha na área do Projeto de Assentamento Extrativista Antimary, que está sendo invadida por grileiros. (Lalo de Almeida/Folhapress)

Além de uma possível ocupação irregular, a área analisada também sofre com o desmatamento. A região corresponde a 20% do tamanho total do Amazonas, e, no ano passado, respondeu por 63% do desmatamento no estado —o equivalente a mais de 19 mil quilômetros quadrados.

Em 2020, os sete municípios tinham concentrado 80% do desmatamento no estado.

“Um outro estudo mostrou que 35% de todo o desmatamento acumulado no sul do Amazonas ocorreram dentro dessas áreas do CAR que estão sobrepostas com terras públicas e que a metade disso, ou seja, cerca de 17%, foi dentro de cadastros considerados ilegais”, afirma Carrero.

“O desmatamento ocorre ali porque é uma região de fácil acesso por estradas, onde o governo também criou alguns projetos de assentamento e incentivou a expansão da agricultura. Além disso, é mais perto de Rondônia e Mato Grosso onde já se tem uma cultura agropecuária”, diz o pesquisador.

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