Quase 30% dos municípios autorizam corte de vegetação sem delegação de Estados


Por: Ana Cláudia Leocádio

28 de dezembro de 2024
Quase 30% dos municípios autorizam corte de vegetação sem delegação de Estados
Representação de área degradada na floresta amazônica (Composição de Paulo Dutra/CENARIUM | Fotos de CENARIUM/Ibama/Ministério do Meio Ambiente)

BRASÍLIA (DF) – Dados do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) indicam que quase 30% de 20,7 mil municípios estão emitindo Autorizações de Supressão Vegetal (ASV) sem ter delegação formal concedida por seus respectivos Estados.

As informações compreendem o período de 2018 a 2023 e constam nos autos da Arguição de Descumprimento de Preceito Constitucional (ADPF 743), que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF), e está em fase de execução do acórdão.

Autorizações no período de 2018 a 2023 (Reprodução)

A ADPF 743 foi proposta pela Rede Sustentabilidade contra a União e os Estados, que compõem a Amazônia e o Pantanal, em 2020, durante a gestão do governo de Jair Bolsonaro (PL), visando à adoção de medidas de combate a incêndios florestais e desmatamento. O relator da matéria foi o ministro André Mendonça, cuja decisão transitou em julgado, em junho deste ano, e tem como ministro redator do acórdão, o ministro Flávio Dino.

Na última reunião convocada por Dino, no dia 3 de dezembro deste ano, na sede do STF em Brasília, os representantes dos órgãos federais, dos Estados e municípios da Amazônia Legal e Pantanal, discutiram a situação das emissões indevidas de Autorizações de Supressão Vegetal (ASV) pelos municípios.

A Advocacia Geral da União (AGU) apresentou ao ministro as informações técnicas prestadas pelo Ibama sobre o tema. Os dados indicam que das 20,7 mil AVS emitidas na esfera municipal, entre 2018 e 2023, 14,6 mil, que correspondem a 71% do total, foram realizadas por municípios com delegação formal do respectivo Estado. Por outro lado, pouco mais de 6 mil (29%) ou não tinham essa prerrogativa ou foram emitidas por municípios de Estados, nos quais o órgão ambiental local não informou a relação daqueles habilitados.

“Conforme exposto em audiência, o irregular uso do Sinaflor (Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais) pelos entes municipais, sem delegação expressa, fragiliza a proteção ambiental ao permitir a emissão de ASV inadequadamente”, afirma a AGU em documento anexado ao STF.

Outro dado levado pelo Ibama mostra que o ápice de emissões de AVS no Sinaflor pelos municípios ocorreu em 2023, com 5.729 autorizações (média de 15,6 emitidas por dia). Em 2022, foram 5.347, ante 66 em 2018.

Ainda segundo as informações do órgão ambiental federal, o Rio Grande do Sul lidera o número de autorizações, com 59%, seguido de Santa Catarina (24%), São Paulo (5,8%), Goiás (4,3%) e Minas Gerais (2,9%). Os cinco estados respondem por 96% do total de autorizações municipais emitidas.

Gráfico mostram Estados que mais emitiram autorizações (Reprodução)

O maior volume de autorizações foi para Corte de Árvore Isolada (46,6%), depois para o Uso Alternativo do Solo (29,45%), Autorização de Supressão de Vegetação (15,14 %), Exploração de Floresta Plantada (5% ) e Autorização de Uso de Matéria-Prima Florestal ( 3,3 %).

Metade dos municípios sem delegação

O Ibama também informa ao STF que, considerando a quantidade de autorizações, área e volume realizados pelos municípios, há 539 deles com emissões pelo Sinaflor, até 18 de novembro deste ano. Destes, 271 possuem delegação estadual e 268 não possuem essa permissão formal, o que corresponde a quase 50% do total.

Das 268 autorizações sem delegação formal, 151 foram emitidas por municípios do Rio Grande do Sul, 32 por prefeituras de Minas Gerais e 28 do Ceará. Dos Estados que formam a Amazônia Legal, apenas Amazonas (1), Amapá (1) e Pará (2) tiveram municípios emitindo autorizações sem delegação do Estado. O documento do Ibama não informa os nomes das cidades.

Segundo informações da Advocacia Geral da União, com base em dados do Ibama, há “mais de 50 mil hectares desmatados com autorização municipal sem a delegação formal do Estado, ou sem a informação se houve esta delegação”.

“Importante destacar que, ainda que alarmantes, estes números se relacionam apenas aos municípios que utilizam o Sinaflor em seus processos autorizativos. Não é possível relacionar os municípios que emitem autorizações apartadas de sistemas de controle, que garantam publicidade das informações de desmatamento, denotando a necessidade de avanço do poder público no controle destas áreas”, sugere o Ibama.

A AGU reforçou a necessidade dos municípios com a gestão ambiental brasileira. “Embora seja a União que forneça a plataforma para emissão das ASV, é necessário que os demais entes federativos exerçam, concomitantemente e de modo efetivo, o dever constitucional de proteção ao meio ambiente. Isso inclui, com efeito, impedir a irregular emissão de autorizações de supressão de vegetação”, ressaltou.

O que é supressão vegetal

A supressão vegetal é o ato de retirar uma porção de vegetação de um determinado espaço urbano ou rural, com o intuito de usar a área anteriormente ocupada pela vegetação para a implantação de atividades como plantio, construção de empreendimento, pecuária e outros usos alternativos do solo.

É um instrumento legal, que disciplina os procedimentos de supressão de vegetação nativa em empreendimentos de interesse público ou social submetidos ao licenciamento ambiental pela Diretoria de Licenciamento Ambiental Federal (Dilic) do Ibama.

As propostas levadas ao STF

O STF publicou as decisões da ADPF 743, movida pela Rede Sustentabilidade, no dia 20 de março deste ano. A ação transitou em julgado em junho. Responsável pela redação e consequente cumprimento das decisões, o ministro Flávio Dino já emitiu várias determinações no âmbito do processo.

Com o aumento das queimadas nos biomas Pantanal e Amazônia, além de ordenar aos governos para que tomassem providências urgentes para conter os incêndios, Dino também chamou todos os entes federados ao STF para apresentarem um plano detalhado para cumprir as determinações do Supremo, para prevenir o problema do desmatamento e queimadas.

A AGU apresentou o Plano de Integração e Aprimoramento dos Sistemas de Gestão Territorial, que deverá ser desenvolvido “em esforço conjunto do Ministério de Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) mediante ações de curto, médio e longo prazos, estipulando-se de 3 a 36 meses para sua implementação gradual”.

Ibama aprimora ferramenta de controle

O Ibama também apresentou uma proposta de reformulação da API (Interface de programação de aplicações), que será uma ferramenta reunindo todas as melhorias no controle dos produtos da floresta, desde a criação do Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor), implantado em maio de 2018.

Segundo o órgão ambiental, a nova API “deixará de conectar os estados integrados ao antigo sistema Sinaflor 1, em funcionamento desde 2018, e passará a conectar as ferramentas estaduais ao novo sistema SINAFLOR+, com os evidentes ganhos de transparência, gestão e controle da cadeira produtiva florestal em nível nacional e internacional”.

O cronograma prevê a conclusão da implantação até julho de 2025, período em que o Ibama irá integrar os Estados que possuem sistemas próprios de registros ao Sinaflor. Mato Grosso, Pará, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Espírito Santo deverão se integrar.

Leia mais: Ibama lança plataforma de monitoramento da recuperação ambiental
Editado por Adrisa De Góes

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